- Hugo Bachega
- Da BBC News em Lviv (Ucrânia)
Por volta das 11h do dia 17 de março, Yuriy Nechyporenko e seu pai, Ruslan, estavam pedalando até o prédio da prefeitura de Bucha, a 60 km de Kiev, em busca de doações de comida e remédio. A eletricidade, o gás e a água haviam sido cortados, e os itens essenciais estavam em falta na cidade, uma das primeiras a ser ocupada pelas forças da Rússia enquanto avançavam para a capital da Ucrânia.
Yuriy e seu pai esperavam pegar alguns medicamentos e comida. Yuriy conta que um soldado russo parou ele e seu pai na rua Tarasivska e eles imediatamente levantaram as mãos.
Falando à BBC por telefone ao lado de sua mãe, Alla, o adolescente de 14 anos deu seu relato do que aconteceu a seguir.
“Dissemos a eles que não estávamos carregando nenhuma arma e que não representávamos perigo”, disse. “Então meu pai virou a cabeça na minha direção, e foi aí que ele levou um tiro… Ele foi baleado duas vezes no peito, bem onde está o coração. Então ele caiu.”
Nesse momento, disse o adolescente, o soldado atirou em sua mão esquerda, e ele também caiu. Enquanto estava no chão, conta, foi baleado novamente, desta vez no braço.
“Eu estava deitado de bruços, não conseguia ver nada do que estava acontecendo ao meu redor”, disse Yuriy. O soldado, afirma, atirou novamente, mirando em sua cabeça. “[Mas] a bala atravessou meu capuz.”
Yuriy disse que o soldado atirou novamente, desta vez na cabeça de seu pai. Mas Ruslan já estava morto. “Tive um pequeno ataque de pânico, deitado ali com o braço ferido debaixo de mim. Vi que minha mão estava sangrando”, disse ele.
Foi só depois de um tempo, quando o soldado foi atrás de um tanque, que Yuriy se levantou e correu, conta.
A BBC não conseguiu checar de forma independente os detalhes do relato de Yuriy, mas a história vem à tona à medida que crescem as evidências de atrocidades cometidas pelas forças russas enquanto controlavam Bucha e outras cidades ao norte de Kiev.
Somente em Bucha, corpos de homens mortos foram encontrados na rua, muitos com vários e profundos ferimentos. Alguns foram baleados na têmpora, característica de execução. Outros tinham as mãos ou pernas amarradas atrás das costas. Alguns foram claramente atropelados por tanques.
Muitos dos corpos foram encontrados ao longo de um trecho da rua Yablonska, a apenas 2 km da rua onde Ruslan teria sido morto.
A mãe de Yuriy, Alla, contou à BBC como encontrou o marido depois que o adolescente voltou para casa e contou a ela o que havia acontecido. Ela pensou que Yuriy poderia estar errado e que Ruslan estava ferido, precisando de ajuda médica.
“Meu filho me implorou para eu não ir atrás dele”, disse Alla. “Ele disse que os soldados iriam me matar também.”
Quando ela tentou andar na rua, conta, seus vizinhos a impediram. “[Eles] me disseram para não ir mais longe, dizendo que os russos estavam matando todos nos territórios sob seu controle.”
Na manhã seguinte, Alla pediu ajuda à mãe. Usando lenços brancos, eles foram ao local do tiroteio. Sua mãe conversou com soldados russos e eles conseguiram passar. Eles finalmente recolheram o corpo de Ruslan e o trouxeram para casa.
Uma fotografia do corpo parcialmente coberto, tirada por Alla e compartilhada com a BBC, parece confirmar o testemunho de Yuriy. Mostra um ferimento de bala no lado direito do peito, próximo ao coração.
Ruslan, um advogado, tinha 49 anos quando foi morto. Ele era “ativo na comunidade”, disse Alla. “Ele não podia ficar sentado no abrigo e esperar. Então, ele estava se voluntariando e ajudando as pessoas.”
O corpo foi enterrado no jardim da casa da família.
Yuriy disse que o soldado que o matou era claramente russo. Seu uniforme era verde-escuro, disse ele, típico do exército russo. “Eu vi que em seu colete estava escrito ‘Rússia'”, disse ele.
“Não éramos um perigo para os militares, somos civis, usando lenços brancos para mostrar isso”, disse Yuriy. “Foi muito estúpido.”
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