- Author, Amanda Ruggeri
- Role, BBC Worklife
Quando Jen Dalton engravidou em 2018, ela fez uma planilha. Levando em consideração a licença maternidade, as recomendações de saúde para espaçar nascimentos e até mesmo possíveis férias em família, ela planejou quando teria cada um dos quatro filhos que pensava querer.
“Olho para isso de vez em quando e dou risada de como fui ingênua”, diz Dalton, de 31 anos.
Isso porque, apenas dois meses após o nascimento da filha, ela e o marido decidiram que era “um e pronto”.
Parte disso foi a luta contra a privação de sono e pela saúde mental: Dalton lidou com um parto traumático, depressão pós-parto (DPP) e ansiedade pós-parto (APP). No entanto, mesmo quando a vida se tornou mais fácil, a decisão pareceu acertada para ela.
Não era só que Dalton, que mora em Ontário, no Canadá, e seu marido não queriam arriscar o bem-estar dela – e de sua família – ao passar por tudo de novo. Acontece também que eles sabiam que não havia nada de “errado” em não “dar um irmão” à filha.
“Sou filha única e muito feliz”, diz Dalton. “Sou muito próxima dos meus pais.”
Então, em 2022, Dalton sentiu um abalo em sua convicção. Ela e o marido mudaram-se para sua “casa definitiva”. Amigos próximos tiveram um recém-nascido, que lembrou a eles da filha.
Ela sentiu que se tivesse DPP ou APP novamente, teria mais ferramentas para lidar com isso. E os algoritmos das redes sociais continuaram a promover conteúdos que mostravam famílias grandes e bonitas.
“Isso realmente nos fez pensar: ‘Sim, poderíamos fazer isso de novo'”, diz ela.
Não surpreende que Dalton tenha começado a questionar a decisão.
Embora, em muitos países, filhos únicos estejam se tornando a norma, a pressão para ter mais do que um permanece.
Nas redes sociais, mães postam momentos adoráveis de suas ninhadas com legendas como: “Este é o seu sinal, dê a eles o irmão mais novo” e “Nunca conheci uma mãe que se arrependesse de ter mais um”.
Mesmo que a decisão de ter “um e pronto” tenha se tornado mais comum, esse ruído de fundo significa que os pais que fazem essa escolha muitas vezes têm que convencer outras pessoas – e até a si mesmos – de que fizeram a coisa certa.
Mais comum, mas ainda julgado
Particularmente depois da revolução contraceptiva de meados do século 20, que deu a muitas mulheres algum controle real sobre a fertilidade, a escolha de quantos filhos ter tem sido pessoal. Mas também há tendências sociais e culturais claras.
Em muitos países, essas tendências estão mudando rumo a menos crianças.
O Brasil registrou queda em na taxa de fecundidade, de 1,6 filho por mulher, o menor índice já registrado, segundo o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
Na União Europeia, a maior parcela das famílias com crianças – 49% – é daquelas com apenas um filho. No Canadá, as famílias com filhos únicos também constituem o maior grupo, passando de 37% em 2001 para 45% em 2021.
E olhando para as mães perto do fim da idade fértil – sem dúvida uma melhor maneira de medir a popularidade dos filhos únicos, uma vez que os dados do Censo fornecem apenas uma imagem instantânea –, 18% das mulheres dos EUA em 2015 tinham apenas um filho, contra 10% em 1976.
O fato de as mulheres terem filhos mais tarde é uma questão significativa.
Mas há também um elemento de escolha envolvido, diz a jornalista investigativa Lauren Sandler, autora de Primeiro e único: Por que ter um filho único, ou ser um, é ainda melhor do que você imagina (Ed. Leya, 2014).
“Há muitas pessoas que dirão que ninguém quer ter apenas um filho – que [o aumento do número de famílias com filhos únicos] se deve apenas ao adiamento da maternidade”, diz ela.
“Bem, essa também é uma maneira de fazer essa escolha, certo? Você está dizendo: ‘Há todas essas outras coisas que são realmente importantes para mim, vou priorizá-las, e espero que com sorte eu chegue lá’. Em vez de ‘Essas coisas não importam e o que vem primeiro é a minha maternidade’.”
O senso comum sobre o número ideal de filhos também está mudando.
Durante milênios, a preferência por ter mais de um filho fez sentido. Há apenas dois séculos, mais de quatro em cada 10 crianças morriam antes de completar cinco anos.
Ter vários filhos também ajudava as famílias nas muitas tarefas necessárias para sobreviver. E, claro, na ausência de métodos contraceptivos confiáveis e com as mulheres casando muito mais cedo, ter apenas um filho não era apenas indesejável. Muitas vezes, não era viável.
Hoje, porém, em muitas culturas (embora não em todas), o quadro é bastante diferente.
Portugal, onde 59% das famílias com filhos têm apenas um, é um bom exemplo. Enquanto a idade das mães de primeira viagem aumentou de 26,6 para 29,9 anos entre 2001 e 2019, quase uma em cada cinco mulheres também afirma hoje que um filho é o tamanho ideal de família.
Antes da década de 1970, nos EUA, entretanto, apenas 1% dos entrevistados achavam que ter apenas um filho era o melhor. Embora ainda seja uma fração do total, essa proporção triplicou.
É claro que ainda existe uma grande discrepância entre o que as pessoas dizem ser o ideal e quantos filhos realmente têm – mas parte disso tem a ver com a forma como estes dados foram colhidos.
Tanto para os números de Portugal como dos EUA, por exemplo, os entrevistados eram muito novos (tinham apenas 15 anos de idade em Portugal e 18 anos nos EUA), e não necessariamente eram pais.
Como Dalton, muitas pessoas mudam de ideia quando ficam mais velhas ou iniciam suas próprias famílias. Para os dados dos EUA, os entrevistados também estavam respondendo o que achavam que seria o ideal em geral, não necessariamente qual seria o tamanho ideal para eles, pessoalmente.
No entanto, o estigma contra casais que escolhem conscientemente ter apenas um filho persiste.
Quando Lauren Sandler se tornou mãe em 2008, diz ela: “Eu me vi com essa criança por quem eu era louca”. Mas ela também amava outros elementos de sua vida, como sua carreira.
Bem consciente de questões como a “penalidade da maternidade”, ter um filho parecia ser a melhor forma de ter “tudo” – ou o mais próximo possível disso.
“Fiquei muito entusiasmada com o que significaria ser capaz de amar e criar essa criança em uma dinâmica em que eu também fosse fiel a mim mesma”, diz ela.
“E ainda assim, todo esse ruído cultural continuava se infiltrando. Eu era abordada por pessoas no metrô e no supermercado dizendo coisas como: ‘Quando você vai ter outro?’ E eu dizia, muito claramente, ‘Não estou planejando fazer isso’. E de repente era como se eu fosse uma agressora – tipo, ligue para o Conselho Tutelar. Eu pensava, tipo, que cálculo é esse? Por que o mundo está dizendo que, se você fizer essa escolha, você será uma péssima mãe e uma péssima mulher?”
Não são apenas os pais que enfrentam julgamentos. Filho únicos têm sido estigmatizadas como “estranhos” – ou, como disse o pesquisador responsável por um estudo de 1896, “peculiares e excepcionais” – durante mais de um século.
Parte desse estigma persistiu até a década de 2000, mesmo na cultura pop.
Sandler faz referência à popular série de TV Glee, lembrando que, apesar dos esforços do programa para quebrar estereótipos, um dos personagens que não é desconstruído é o filho único “mimado e irritante”.
“Recebi muitos comentários do tipo: ‘Ele vai ter síndrome do filho único. Ele não conseguirá compartilhar. Ele será mimado”, diz Victoria Fahey, 25 anos, de Calgary, no Canadá.
“Conheço muitas pessoas que têm irmãos mimados, rudes e arrogantes. Dizer isso só por ser filho único, não pelas circunstâncias – isso é loucura.”
Na verdade, não há nenhuma evidência de que os filhos únicos sejam menos bem ajustados ou menos bem-sucedidos do que aqueles que têm irmãos.
Uma decisão intencional
Estas pressões sociais significam que, muitas vezes, os pais de filhos únicos por escolha são “muito conscientes” de sua decisão, diz Dalton.
Os motivos vão desde restrições financeiras até a sensação de que a família já está completa.
Mas o que muitas famílias do tipo “um por escolha” têm em comum é que sentem, em contraste com o que a sociedade muitas vezes lhes diz, que ser “um e pronto” não é apenas o melhor para elas. É o melhor para seus filhos também.
Embora muitas pessoas vejam um irmão como um “presente” para um filho, os pais de filho único apontam que não há garantia de que os filhos se darão bem.
Para alguns, foram as próprias experiências de crescer em famílias maiores que fizeram eles considerar ter apenas um.
Fahey era a mais nova de cinco. “A rivalidade entre irmãos era intensa, para dizer o mínimo. Isso realmente me desanimou”, diz ela.
Ela vê a introdução de um novo membro da família como um “lançar de dados” com a dinâmica familiar. E, como muitos outros pais de filhos únicos, ela quer ter certeza de que ela e o marido podem dar ao filho tudo o que puderem.
Os pais de filhos únicos também temem que mais filhos dividam sua atenção.
“Vejo mães de dois ou mais filhos sendo puxadas em diferentes direções, especialmente à medida que as crianças crescem”, diz Cristina Zaldivar, 44, de Miami, Flórida.
“Mesmo na noite dos pais na escola, as mães têm que escolher as apresentações do professor de qual filho assistir. Não quero nunca ter que escolher.”
Por terem mais paciência e energia às quais recorrer, muitas famílias de filhos únicos também dizem que sentem que podem ser pais mais focados.
Na Polônia, Gosia Klimowicz, de 39 anos, cresceu como a mais velha de três filhos. Ela diz que é crucial para ela poder criar sua família de maneira diferente.
“É muito importante para mim ter um ambiente calmo e acolhedor”, diz ela.
“E para poder controlar a mim mesma e às minhas emoções, e ter certeza de não vou perder a cabeça”, afirma, destacando aspectos que ela sente que seus pais sobrecarregados não conseguiram controlar.
E, claro, há os aspectos financeiros.
Criar filhos hoje em dia é caro: um estudo mostrou que criar dois filhos nos EUA custa, em média, US$ 310,6 mil (R$ 1,5 milhão), sem incluir as mensalidades da faculdade. No Reino Unido, estima-se que um filho custe quase 160 mil libras (R$ 970 mil) para um casal.
Na Austrália, custa quase 160 mil dólares australianos (R$ 510 mil) ou, segundo outra estimativa, quase 550 mil dólares australianos (R$ 1,7 milhão). Lutando para pagar essas contas, muitas famílias estão ficando cada vez mais para trás.
Na verdade, em comparação com as gerações anteriores, diz Sandler, os millenials (grupo de pessoas nascidas nos anos 1980 e 1990) estão crescendo forçados a ser mais intransigentes em relação aos desafios da vida.
“Não decidimos tornar o ensino superior acessível, nem mudar nosso sistema tributário para que haja novamente uma classe média, nem impor um limite aos custos inflacionados da habitação, nem fazer qualquer uma das coisas que tornem possível uma vida viável”, diz ela.
“Como diabos faço para trazer uma criança para esse cenário? E como diabos faço para trazer duas crianças para esse cenário?”
Isso também foi levado em consideração no cálculo de Fahey.
“Se meu filho quer jogar futebol, hóquei e estudar música, quero poder dar a ele todas essas coisas, e não dizer: ‘Ah, não, seu irmão quer jogar hóquei, então você só pode escolher futebol'”, diz Fahey. “Quero que ele tenha todas as oportunidades de se tornar quem ele deseja, sem nenhum obstáculo.”
Alguns pais de filhos únicos também citam sua preocupação sobre o tipo de futuro que seus filhos herdarão.
“O planeta está morrendo e não parece haver um esforço tão grande quanto necessário para salvá-lo”, diz Fahey.
“Para as gerações futuras, estamos deixando que eles resolvam o problema. Acho que é realmente assustador. Pode haver uma luta por recursos – não quero que meu filho se preocupe com onde vai conseguir água.”
Dado que cada nova pessoa é mais um consumidor e mais um produtor de emissões de carbono, parar em um filho parece ser a escolha responsável e mais altruísta, diz Vicky Allan, 33 anos, residente em Berlim.
“Há muito tempo ouvi que uma das melhores coisas que se pode fazer pelo meio ambiente é ter um filho a menos, e isso sempre ficou na minha cabeça”, diz ela.
“Trazer outro ser humano para o planeta não é uma decisão que deva ser tomada levianamente.”
O fator felicidade
Parte do contentamento de muitos pais de filho único é o impacto que sua decisão tem em outras partes de suas vidas, como carreira, lazer e interesses pessoais.
“Há a questão de como você deseja que seja a vida adulta”, diz Sandler.
“Tipo, o que é preciso para ir ao cinema? O que é preciso para sair para jantar? O que é preciso para ter amizades adultas onde você realmente consegue ter uma conversa sem interrupções?”
E, é claro, também é potencialmente mais fácil manter a saúde. A gravidez, o parto e o período pós-parto apresentam riscos, inclusive para os pais.
Especialmente para as mulheres com mais de 35 anos, aquelas que dão à luz um segundo filho ou filho temporão correm um risco aumentado de complicações na gravidez, como eclâmpsia, hipertensão gestacional e parto prematuro.
Para as mulheres em particular, as carreiras também são afetadas quanto mais filhos elas têm.
Na Europa, cada criança está associada a uma queda média nos salários de 3,6% – embora isto varie desde nenhuma desvantagem salarial nos países nórdicos até uma queda de 6% por criança na Alemanha e nos Países Baixos.
Nos EUA, um estudo mostrou que, mesmo levando em conta as diferenças na educação ou na experiência, as disparidades salariais entre as mães de um ou dois filhos e as mulheres sem filhos são aproximadamente as mesmas, cerca de 13%. Mas a queda vai a 17,5% com três filhos.
Também existem considerações de longo prazo. Dalton costuma ouvir que, mesmo que seja difícil criar vários filhos, você colherá os benefícios de uma “mesa cheia” quando eles forem adultos.
“É indelicado colocar esse peso sobre os filhos”, diz ela, acrescentando que não quer que sua filha se sinta culpada por esse tipo de expectativa.
E não há garantias, ela ressalta: “Você pode ter mais um e seus filhos podem se odiar. Ou você pode ter outro filho com deficiência e que pode precisar de cuidados além dos 18 anos.”
Ter apenas um filho também torna mais fácil ser um parceiro melhor, acredita Laura Bennett, de 33 anos, e moradora da Cornualha, na Inglaterra.
Na sua situação atual, diz, ela consegue reservar um tempo para si mesma, indo a festivais ou saindo nos fins de semana com os amigos.
Como resultado, ela não sente ressentimento quando seu parceiro vai surfar ou sai para tomar uma cerveja. Ela não tem certeza de como eles alcançariam esse equilíbrio com mais um filho.
Tudo isto pode ser parte da razão por que uma pesquisa mostra que, embora ter um filho esteja associado a um ganho de felicidade, ter um segundo filho está associado a uma queda na felicidade das mães. O estudo não encontrou nenhum efeito de um segundo filho sobre os homens.
Outras pesquisas mostraram que, embora os pais sejam mais felizes no período que antecede e no primeiro ano após terem o primeiro filho, há retornos decrescentes: o aumento da felicidade para o segundo filho é metade do primeiro, e no terceiro, não há ganho de felicidade algum.
“Globalmente, a felicidade diminui com o número de filhos que os pais têm”, mostrou uma análise feita em 86 países.
Também depende da cultura. A parentalidade tem geralmente um efeito neutro ou negativo no bem-estar dos pais norte-americanos e canadenses, enquanto é o oposto para as famílias no noroeste da Europa – um possível resultado de como as políticas sociais nos países nórdicos ajudam os pais a equilibrar os fatores de estresse da vida familiar.
O impacto nos casais também não é algo imaginado. Uma análise descobriu que mais de seis em cada 10 homens e cinco em cada 10 mulheres experimentaram uma mudança significativa na satisfação com o relacionamento após o primeiro filho, geralmente para pior.
Depois do segundo filho, a perda de satisfação é ainda maior, principalmente entre os homens.
Não importa o quão cuidadosamente tenham tomado suas decisões, muitos pais de filho único dizem que ainda sofrem pressão.
Melissa Urban, diretora-executiva do programa de dieta Whole30, é mãe de filho único – e autora de um livro sobre limites. Ela viu muitos pais em sua comunidade em Utah, nos Estados Unidos, receberem comentários indesejados. Ela diz que incluiu roteiros no livro sobre como responder.
“Muitas pessoas acham a pergunta desconfortável, mas apenas insinuam que ela não é bem-vinda. Eles vão rir ou dizer: ‘Sabe, simplesmente não estamos prontos para outro filho.’ Mas isso não estabelece um limite e é provável que continuem perguntando”, diz ela.
Em vez disso, ela sugere ter algumas frases prontas – como “por favor, não pergunte, não é algo que eu queira falar” – e praticá-las para que pareçam naturais.
À medida que os filhos únicos se tornam mais comuns, este tipo de pergunta provavelmente se tornará mais raro. Mesmo assim, para muitas famílias, optar por um filho só continua a ser uma decisão difícil – uma decisão sobre a qual pensam muito e, por vezes, podem até ter dúvidas.
No caso de Dalton, foi ver imagens idealizadas de irmãos em todos os lugares que começou a fazer com que ela se questionasse.
Naquela época, ela estava satisfeita com sua decisão durante a maior parte da vida da filha. Em 2020, até iniciou uma comunidade de apoio aos pais que sentiam o mesmo, uma página do Instagram chamada @oneanddoneparenting.
Ela e o marido decidiram ter conversas regulares para descobrir se realmente queriam um segundo filho ou se estavam apenas internalizando mensagens externas.
No final de cada dia, perguntavam um ao outro se gostariam de ter outro filho junto com eles. Eles preferiam ter que deixar um filho na creche e depois outro na escola? Ou ir ao Museu da Ciência com uma criança de quatro anos e um recém-nascido? A resposta, todas as noites, era não.
Dalton também deu um tempo nas redes sociais.
“Na verdade, pensei que provavelmente ficaria fora por uns seis meses, porque achei que demoraria muito para tomar essa decisão [de ter ou não mais filhos]”, diz ela.
Em vez disso, em poucos dias ela estava se perguntando: “O que diabos eu estava pensando?”
“Filha única feliz criando uma filha única”, diz agora sua descrição no Instagram.
Fonte: BBC
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