A morte inesperada do dentista Rafael Puglisi, de 35 anos, que tinha entre seus clientes inúmeras celebridades, como o jogador de futebol Neymar e a atriz Larissa Manoela, voltou a colocar em evidência os acidentes por mergulho.
As causas do óbito ainda estão sendo apuradas pela polícia, que solicitou mais exames para investigar o ocorrido.
Por enquanto, segundo nota da Secretaria de Segurança Pública (SSP) de São Paulo, a morte é considerada “suspeita” — quando não há causa evidente, ou seja, quando não está claro se o caso é violento (homicídio ou suicídio) ou morte natural.
Mas, segundo um post publicado no perfil oficial de Puglisi no Instagram, rede social na qual o dentista contava com mais de 4 milhões de seguidores, ele teria batido a cabeça ao “mergulhar de ponta” na piscina de sua casa e sofrido traumatismo cranioencefálico (TCE) — quando ocorre lesão física ao tecido cerebral e esta, temporária ou permanentemente, incapacita a função cerebral.
“Rafa foi fazer sua natação matinal, como de costume, estava em casa se preparando para entrar na sua piscina e mergulhar de ponta, como faz todos os dias! Porém, hoje, Deus quis que esse mergulho fosse diferente e Rafa acabou batendo a cabeça! Os médicos tentaram reanimá-lo, mas infelizmente ele chegou sem vida no hospital”, escreveu a família no Instagram.
Não há dados consolidados sobre acidentes como o de Puglisi, mas, segundo a Sociedade Brasileira de Coluna (SBC), mergulhos em águas rasas são a segunda principal causa de lesões medulares no Brasil durante o verão, após os acidentes de trânsito.
Por isso, todos os anos, quando chega a estação mais quente, a SBC faz campanhas para conscientizar a população sobre esse tipo de acidente, que tende a acometer com mais prevalência jovens do sexo masculino.
Além disso, dados enviados pelo Ministério da Saúde a pedido da BBC News Brasil apontam que, entre 2015 e 2022, houve 417 mortes por afogamento/submersão decorrentes de queda de piscina no Brasil.
“Normalmente, a morte ocorre por afogamento após lesão medular. Isso acontece porque o paciente perde os movimentos dos braços e das pernas (tetraplegia) imediatamente e não consegue deixar o local onde está sem a ajuda de outras pessoas”, diz à BBC News Brasil Orlando Righesso Neto, médico ortopedista especializado em coluna e presidente da Comissão de Campanhas da SBC.
“É um acidente que pode mudar sua vida de uma hora para outra. Sabemos que tragédias acontecem, mas estas podem ser evitadas”, acrescenta ele.
Atuando há mais de 30 anos como ortopedista de coluna, Righesso Neto diz já ter visto e atendido centenas de casos envolvendo acidentes por mergulho — a maioria das vítimas, segundo ele, é jovem e do sexo masculino.
Na visão do especialista, muitos desses acidentes ocorrem por falta de informação sobre os perigos associados aos mergulhos em águas rasas.
“É preciso que a sociedade se conscientize sobre esse tipo de acidente — que os pais se informem e eduquem seus filhos sobre como eles devem agir”, diz Righesso Neto.
O especialista faz as seguintes recomendações:
- Jamais pule na água de ponta-cabeça;
- Verifique a profundidade da água antes de entrar;
- Entre/pule na água sempre em pé;
- Oriente filhos, familiares e amigos.
Como acontece a lesão
Segundo Righesso Neto, as lesões acontecem normalmente quando a pessoa mergulha de ponta cabeça, com os braços para frente em posição de flecha ou de lado.
“Mesmo que os braços estejam esticados, eles não são fortes o suficiente para impedir o choque. A vítima pode ter um trauma no crânio, mas normalmente isso não causa uma fratura craniana ou uma hemorragia interna”, explica.
“Mas essa batida vai ocasionar muito provavelmente uma flexão do pescoço em direção ao peito porque o peso do corpo vai ser todo projetado em cima da coluna cervical, que é muito frágil. São ossos muito pequenos. Como o peso do corpo é muito grande, a articulação pode se deslocar ou pode haver um rompimento da vértebra”, acrescenta.
Como resultado, segundo Righesso Neto, há um traumatismo na medula, o traumatismo raquimedular (TRM).
“No início, após o traumatismo grave na coluna, a vítima entra no chamado “choque medular”, quando há uma perda completa de todos os movimentos dos braços e das pernas. E, claro, se ela não for retirada da água, pode vir a óbito por afogamento”.
Righesso Neto diz que a lesão pode ser parcial ou total.
“Só conseguimos determinar o tipo de lesão quando o paciente sai desse estado neurológico de choque medular que dura em torno de 24 a 48 horas, a partir de testes clínicos que fazemos”.
“Em muitos casos, a pessoa fica tetraplégica, que é a perda completa dos movimentos dos braços e das pernas definitivamente”.
Tratamento
Segundo Righesse Neto, depois que o paciente é socorrido, ele é levado a um centro de trauma, normalmente um hospital de referência, onde será submetido a radiografias da coluna, tomografia computadorizada e ressonância magnética.
“Com esses exames, podemos determinar o nível da lesão e qual procedimento vamos realizar para descomprimir a medula e alinhar e fixar a coluna”, explica.
“Essa descompressão da medula é importante e procuramos fazer isso o mais rápido possível porque pode haver alguma esperança e melhora neurológica”.
“Em casos graves, às vezes pequenas melhoras são significativas para o paciente. E isso vai facilitar seu dia a dia se ele ficar confinado em uma cadeira de rodas”, acrescenta.
O pós-operatório, segundo Righesso Neto, é de “alto risco”.
Ele diz serem muitas as complicações que podem acontecer, como embolias, tromboses e infecções.
“Normalmente, são internações prolongadas. O paciente costuma ficar na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) por vários dias e depois começa a fisioterapia respiratória e motora”.
“É um tipo de acidente que tende a acometer homens mais jovens que querem provar virilidade, masculinidade”.
“Mas precisamos de uma vez por todas entender que, em um minuto você pode mudar drasticamente a sua vida e a de sua família. O cuidado de que um tetraplégico necessita é enorme, e são muitos os desafios em um país menos desenvolvido como o Brasil”.
Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 6 a 8 mil casos novos de TRM são registrados no Brasil por ano — destes, 80% das vítimas são homens e 60% têm entre os 10 e 30 anos. O trauma é a causa predominante.
Apesar dos avanços da medicina, a tetraplegia, apontam especialistas, costuma ser uma situação irreversível.
A cura e a recuperação parcial dos movimentos vai depender da causa e da gravidade da lesão.
Fonte: BBC
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