- Author, Letícia Mori
- Role, Da BBC News Brasil em São Paulo
- Twitter, @_leticiamori
O STF (Supremo Tribunal Federal) condenou a 17 anos de prisão o primeiro dos réus julgados pela invasão e depredação dos prédios dos três poderes em 8 de janeiro.
Preso em flagrante pela Polícia Legislativa no Senado após os atos em Brasília, o paulista Aécio Lúcio Costa Pereira, de 51 anos, foi condenado por 5 crimes: dano qualificado, deterioração do patrimônio tombado, associação criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado.
O tempo de cadeia foi proposto pelo ministro Alexandre de Moraes, que é relator do caso, e seu voto foi seguido na íntegra por sete ministros: Gilmar Mendes, Edson Fachin, Carmen Lúcia, Dias Toffoli, Luiz Fux e a presidente da Corte, Rosa Weber.
O ministro Cristiano Zanin acompanhou Moraes, mas sugeriu uma pena menor, de 15 anos. Já os ministros André Mendonça, Kássio Nunes e Luís Roberto Barroso votaram pela condenação por alguns dos crimes, mas não todos.
André Mendonça e Kássio Nunes propuseram punições menos duras: 7 anos e 11 meses e 2 anos e meio, respectivamente.
Mendonça chegou a bater boca com Alexandre de Moraes quando questionou a segurança dos prédios públicos em Brasília, insinuando que a culpa pelas invasões teria sido do Ministério da Justiça comandado por Flávio Dino.
Por que 17 anos de prisão?
Dos 17 anos de prisão aos quais foi condenado, Pereira deve cumprir 15 anos e seis meses inicialmente em regime fechado e mais 1 ano e seis meses em regime aberto. Ele também foi condenado a pagar uma multa de cerca de R$ 44 mil.
A pena de Pereira é maior do que alguns casos de homicídio qualificado – que pode ter condenação de 12 a 30 anos.
O tempo atrás das grades e o valor da multa, no entanto, foram justificados pela maioria dos ministros por serem a combinação de penas dos cinco crimes pelos quais ele foi condenado.
Os crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e de golpe de Estado são mais graves e, portanto, têm a possibilidade de punições maiores.
Dos 17 anos:
- 5 anos e 6 meses são pelo crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (tentar, com violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais);
- 6 anos e 6 meses pelo crime de golpe de Estado (tentar depor, com violência ou grave ameaça, governo legitimamente constituído);
- 1 ano e 6 meses por dano qualificado (destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, agravado pelo uso de violência e por se tratar de patrimônio da União);
- 1 ano e 6 meses por deterioração do patrimônio tombado (destruir, sem autorização, bens tombados por órgãos de preservação);
- 2 anos por associação criminosa armada (quando três ou mais pessoas se unem para cometer crimes).
Para o relator do caso, Alexandre de Moraes, a pena se justifica porque as ações de Pereira no dia 8 de janeiro são extremamente graves.
“Às vezes, o terraplanismo e o negacionismo obscuro de algumas pessoas faz parecer que no dia 8 de janeiro tivemos um domingo no parque”, disse Moraes em seu voto.
Ainda segundo ele, os atos foram “ações organizadas que se estenderam muito além do ingresso no edifício e não houve recuo, porque o objetivo era claro: obter uma intervenção militar, conseguir o golpe de Estado e derrubar o governo democraticamente eleito”.
Para o ministro, o réu participou de “concerto criminoso voltado a aniquilar os pilares essenciais do Estado Democrático de Direito, mediante violência e danos gravíssimos ao patrimônio”.
Os outros ministros – com exceção de Kássio Nunes e André Mendonça – concordaram com Moraes em relação à alta gravidade dos crimes cometidos por Pereira.
Mesmo Barroso e Zanin, que não concordaram totalmente com o relator, reiteraram a gravidade dos atos cometidos.
Zanin votou por condenar Pereira pelos 5 crimes, mas com uma pena de 15 anos.
O ministro disse que é evidente que o réu “não entrou no Senado para um passeio, mas ingressou junto com a multidão que, com agressão física e patrimonial, buscava a destituição de um governo legitimamente eleito”.
Barroso votou por uma pena de 11 anos e pela condenação por 4 crimes – segundo o ministro, condená-lo por tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta seria puni-lo duas vezes pelo mesmo crime – algo conhecido no direito como bis in idem (duas vezes o mesmo, em latim).
“Não tenho dúvida de que houve tentativa de golpe. (O réu) aderiu ao movimento que entrou de modo clandestino dentro do Congresso Nacional e fez discurso conclamando a população a ir às ruas por intervenção militar”, disse Barroso.
A fala pedindo por intervenção militar foi gravada pelo próprio Pereira em seu celular, que registrou boa parte de sua participação na invasão do Congresso.
O julgamento mostrou que os ministros – com exceção de Kássio Nunes e André Mendonça – transcenderam suas diferenças “diante da destruição física e da ameaça de destruição institucional do tribunal”, na análise do cientista político Rogério Arantes.
“Os dois bolsonaristas demonstraram não ter essa mesma disposição”, escreveu Arantes no X (antigo Twitter).
A defesa de Pereira – feita pelo advogado Sebastião Coelho – argumentou que ele estava em uma “manifestação pacífica”, exercendo seu direito à liberdade de expressão.
Coelho também está sendo investigado por suspeita de incentivar e financiar atos antidemocráticos.
Como ele é desembargador aposentado e teria cometido os crimes quando ainda exercia a magistratura, o caso está sendo investigado pelo CNJ (Conselho Nacional Justiça), que fiscaliza o Poder Judiciário.
As teses da defesa foram rejeitadas pelo Supremo.
Moraes afirmou que ficou claro que houve violência e que a liberdade de expressão não autoriza a violência e atentados contra a democracia.
“Não existe aqui liberdade de manifestação para atentar contra a democracia para pedir ato institucional número 5, para pedir a volta da tortura, para pedir a morte dos inimigos políticos, os comunistas, para pedir intervenção militar. Isso é crime”, disse Moraes
Coelho havia usado seu tempo de fala na quarta (13) para atacar os ministros do STF, dizendo que eles são “as pessoas mais odiadas do Brasil”.
Em seu voto nesta quinta-feira (14/09), Cármen Lúcia afirmou que é a democracia que garante que ele possa expressar essa opinião diante dos ministros do Supremo.
“Bendita democracia que permite que alguém que, mesmo nos odiando, possa, por garantia dos próprios juízes, vir e dizer a eles sobre isso”, afirmou a ministra.
Embora façam parte do mesmo processo, cada um dos réus julgados pelos atos antidemocráticos tem as acusações analisadas individualmente pela Corte.
Aécio Pereira foi o primeiro dos 1.345 réus no processo – a grande maioria dos casos não será decidida no plenário do Supremo.
Os próximos a serem julgados devem ser os entregadores Matheus Lima de Carvalho Lázaro e Moacir José dos Santos, e o engenheiro florestal Thiago de Assis Mathar.
Fonte: BBC
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