- Author, Tessa Wong
- Role, BBC News – Cingapura
O início do despejo das águas residuais da central nuclear de Fukushima no Oceano Pacífico pelo Japão está causando grande controvérsia na região.
Vários países vizinhos expressaram a sua insatisfação com a medida – mas a China foi ainda mais longe e decidiu retaliar.
O governo de Pequim é o principal comprador de frutos do mar do Japão e disse nesta quinta-feira (24/8) que bloqueará as importações desses produtos para o país.
O governo de Tóquio tem insistido que a água não representa qualquer risco para os ecossistemas, algo com que muitos cientistas concordam.
Até a Agência Internacional de Energia Atômica, ligada à ONU, aprovou o plano de despejo do esgoto da usina seriamente danificada por um tsunami em 2011.
Mas os críticos da medida têm sido claros, salientando que é necessário realizar mais estudos e que o despejo deve ser interrompido.
Estima-se que perto de um milhão de toneladas de água, que estava armazenada em tanques dentro da usina, serão despejadas no oceano nos próximos 30 anos.
A China, que tem sido o país que mais se opôs à medida desde que o plano do Japão foi anunciado há dois anos, classificou a decisão do governo japonês como “extremamente egoísta e um ato de irresponsabilidade” e indicou que está “herdando uma ferida aberta para as futuras gerações da humanidade”.
Depois de emitir a declaração, a alfândega da China anunciou que a proibição que existia sobre a importação de frutos do mar da região japonesa de Fukushima e de outras províncias próximas foi agora imediatamente estendida a todos os frutos do mar vindos do Japão “para proteger a saúde dos consumidores chineses”.
Essa medida foi calculada para prejudicar a economia japonesa e até Tóquio admitiu que as empresas dedicadas a esta indústria devem ser prejudicadas.
China e Hong Kong importam, em conjunto, mais de 1,1 bilhão de dólares em produtos marinhos do Japão todos os anos. Isso equivale à metade das exportações desse item para a economia japonesa.
Uma relação conflituosa
Analistas afirmam, porém, que há mais fatores motivadores da decisão chinesa do que apenas as dúvidas envolvendo Fukushima.
A relação entre Tóquio e Pequim vem passando por momentos difíceis nos últimos anos, aproximando o Japão dos Estados Unidos e até levando o país a mostrar apoio a Taiwan, uma ilha que a China reivindica como sua.
“Este incidente é muito mais um sintoma do que uma causa do agravamento das relações entre os dois países”, diz Neil Thomas, especialista em política internacional do Asia Society Policy Institute, à BBC.
“Pequim poderia ter protestado muito menos sobre esta questão da água se a sua relação com Tóquio estivesse em melhor estado”, disse ele.
Por sua vez, em resposta, o Japão “rejeitará as críticas ao seu plano, mas não fará nada provocativo”, prevê James DJ Brown, professor especializado em política internacional japonesa na Temple University.
“É verdade que Tóquio está preocupada com o que vê como uma série de ações agressivas por parte do governo chinês, mas entende que precisa e está interessada em manter uma relação estável com o seu vizinho”, observa.
Mas não será necessário esperar muito. Alguns observadores acreditam que a China não manterá a proibição por muito tempo.
“As dificuldades de crescimento econômico da China significam que qualquer proibição é curta e limitada, a fim de mitigar o efeito que pode ter sobre os importadores e aqueles próximos a estas empresas”, disse Thomas.
A Coreia do Sul também proíbe há muito tempo alguns frutos do mar japoneses. Mas na quinta-feira, seu governo teve uma reação mais discreta do que a chinesa
O primeiro-ministro Han Duck-soo disse que “o que é importante agora é que o Japão, conforme prometido à comunidade internacional, siga estritamente os padrões científicos e forneça informações de forma transparente”.
Seul e Tóquio, apesar das diferenças históricas, aproximaram-se nos últimos anos, sob o abrigo de uma aliança com os EUA, enquanto as ameaças da China e da Coreia do Norte continuam.
No entanto, muitos coreanos opõem-se ao despejo da água e nesta quinta-feira dezenas de manifestantes tentaram sair às ruas perto da embaixada japonesa para protestar contra a medida.
Além disso, mobilizações também ocorreram em Hong Kong e Tóquio.
Por sua vez, Mark Brown, chefe do Fórum das Ilhas do Pacífico que criticou ferozmente o plano de despejo, disse acreditar agora que ele atende aos padrões de segurança internacionais.
Impacto ambiental
Desde que o tsunami de 2011 destruiu a central nuclear de Fukushima, a empresa Tepco tem bombeado água para arrefecer os reatores da central.
Isso significa que a usina produz água contaminada, que é tratada e armazenada em tanques.
No entanto, mesmo após o tratamento, a água contém valores inaceitavelmente elevados de substâncias radioativas, como o trítio e o carbono-14, que são muito difíceis de remover.
O plano do Japão tem sido diluir essas águas tratadas com água do mar antes de despejá-las no oceano.
Mais de 1.000 tanques foram abastecidos e o governo japonês salienta que esta não é uma decisão sustentável a longo prazo. Também disse que após tratamento e diluição em água do mar é seguro despejar.
Muitos cientistas apoiaram o plano, dizendo que funciona.
A Agência Internacional de Energia Atômica da ONU também disse que o plano atende aos padrões internacionais e teria um impacto “insignificante” no meio ambiente.
As autoridades japonesas prometeram monitorizar continuamente os níveis de radiação no oceano e manter um elevado nível de transparência.
Mas há quem ainda esteja cético diante do histórico da Tepco: é a mesma empresa que foi acusada de falta de transparência durante o desastre de 2011.
Desde então, a Tepco pediu desculpas pelo que aconteceu.
E embora o despejo de água tratada no oceano seja uma prática comum nas centrais nucleares, os críticos salientaram que a quantidade liberada por Fukushima é numa escala muito maior e sem precedentes.
Alguns cientistas observam que mais estudos deveriam ser feitos sobre como isso afetaria o fundo do oceano e a vida marinha.
O grupo ambientalista Greenpeace, por exemplo, também apelou para que a água permanecesse nos tanques até que fosse inventada uma melhor tecnologia de processamento.
O plano irritou particularmente as comunidades costeiras e os pescadores do Japão, que temem que isso prejudique os seus meios de subsistência.
Alguns consumidores já evitam os produtos do mar da região, que nunca se recuperou totalmente do ponto de vista econômico desde a catástrofe de 2011.
Além disso, os cidadãos japoneses continuam profundamente divididos sobre esta questão, com apenas metade da população apoiando o despejo da água, de acordo com as últimas pesquisas.
“Acho que deveria haver muitos outros métodos, em vez de lançá-lo no oceano”, disse Keiko Kisei, que se manifestou em Tóquio na quinta-feira contra a medida, à agência de notícias Reuters.
“No entanto, optaram por descarregar a água e causar problemas ao mundo. É absolutamente inaceitável”, concluiu.
Fonte: BBC
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