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Metade dos mais de 300 pacientes do hospital foram liberados devido ao sequestro de 48 horas

  • Author, Gilbert John
  • Role, BBC News

Quando me entregaram o telefone para falar com o agressor, tudo que sabia era que ele ameaçava incendiar o hospital e que um médico havia sido feito refém.

Eu ia falar com David Collins e, ainda que a polícia não tivesse me dado todas as informações, sabia que estávamos em um momento crítico.

Metade do hospital, com 300 pacientes, havia sido evacuado quando o Exército e 100 policiais chegaram.

Mas negociar com um atirador não era o que eu esperava quando fui cobrir o sequestro como repórter local da BBC.

Era uma tarde de outubro de 1999 e, como jornalista de rádio que cobria o oeste do País de Gales, fui para a cidade de Haverfordwest assim que soube do caso.

Eu estava esperando do lado de fora do Hospital Withybush por algumas horas quando me pediram para ligar para o policial encarregado da operação.

Eu estava animado porque queria saber exatamente o que estava acontecendo lá dentro, mas não esperava o que o superintendente da polícia local, John Daniels, tinha em mente para mim.

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“Tive de explicar aos meus colegas jornalistas para onde fui e passar a eles uma ideia do que se passava dentro do hospital”, diz jornalista

Ele queria que eu falasse com o sequestrador.

David Collins, que tinha 38 anos na época, buscava vingança contra o hospital pela forma como o trataram mal.

Ele era alcoólatra e afirmou que, na primavera de 1999, um especialista em Withybush lhe disse que seu vício o mataria.

Então ele acumulou milhares de libras em dívidas pensando que nunca precisaria pagá-las.

Mas em uma consulta no final daquele ano, após perguntar ao especialista “quando eu vou morrer?”, a resposta do médico foi “você não vai morrer, mas seu risco de morte aumentará se você continuar bebendo muito”.

Pistola e gasolina

Ao saber que não estava enfrentando uma morte iminente, ele ficou muito chateado e quis se vingar.

Collins voltou para o hospital e tomou como refém o médico residente Kingsley Paul, de 28 anos, o amarrou em uma cadeira e o manteve sob a mira de uma arma.

Ele também disse aos serviços de emergência que havia enchido balões com gasolina e que, se alguém invadisse o quarto, ele incendiaria o local.

Então, sem saber exatamente no que estava me metendo, fui escoltado até o porão do hospital, onde o Superintendente Daniels me disse:

“Gil, eu queria saber se você poderia nos ajudar e falar com esse cara e ver o que pode fazer.”

“Fazer? Claro”, foi minha resposta.

Embora meu pedido para gravar a conversa para o rádio tenha sido educadamente recusado.

Imediatamente, fui levado dois ou três lances de escadas, por uma porta lateral, passando por muitos policiais armados e entrando em um escritório administrativo logo abaixo do corredor de onde o crime estava acontecendo.

A sala continha dois negociadores experientes, um telefone e um quadro-negro onde era possível ler “não é hora de encerrarmos o dia?”

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Havia policiais por toda parte. O sequestro durou dois dias inteiros

Quando me sentei, o telefone foi colocado em minha mão e liguei para o sequestrador.

Fiquei surpreso com a rapidez com que aconteceu, pareceram alguns minutos.

Não recebi informações preliminares, apenas o apelo: “fala com ele, Gil”.

Era tão simples como isso.

O que você diz a um homem apontando uma arma para a cabeça de um médico a alguns quartos de distância?

Então entrei no modo jornalista e comecei a perguntar a ele sobre a sua vida.

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Grande parte do hospital continuou funcionando, apesar do sequestro no andar superior

Comecei cumprimentando e perguntando: “Você já ouviu falar de mim?”

Ele respondeu: “não”.

Foi um golpe no meu ego.

Conversamos sobre sua família, filhos, amigos, seu trabalho e onde ele morava. De vez em quando, eu mencionava: “Não é hora de acabarmos com o que está acontecendo?”, como haviam me pedido.

Um momento assustador

Ele trabalhava com andaimes, mas estava desempregado. E como na época eu estava reformando a minha casa, tivemos uma conversa surreal sobre os tipos de andaimes que eu tinha em casa.

Tentei não pensar nas possíveis consequências, pois seria muita pressão, então apenas conversei.

Houve um momento aterrorizante quando ele parou de falar, ficou em silêncio e a linha caiu.

Eu pensei: “Oh não, o que eu disse? Ele vai matar aquele médico e este lugar vai explodir a qualquer momento?”

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Os serviços de emergência estavam por toda parte, pois levaram a ameaça de reféns muito a sério

Prendi a respiração, todos nós prendemos a respiração, mas nada aconteceu, então disquei novamente e continuei nossa conversa.

Após cerca de quatro horas de conversa, ele começou a chorar e me confidenciou: “Eu me meti em problemas e não sei o que fazer.”

Ele me explicou a sua situação. Não estava bem.

Tentei parecer o mais compreensivo que pude, mas sem sugerir que o que ele estava fazendo estava correto.

Sob a área de cuidados intensivos

Eu estava muito tenso. Meus músculos do estômago estavam tão tensos que senti dores por dias.

O hospital cancelou 68 operações e 700 consultas ambulatoriais, enquanto 150 pacientes foram retirados do local, mas logo me disseram que estávamos embaixo da unidade de cuidados intensivos.

Portanto, embora tenham esvaziado o resto do hospital, as pessoas em aparelhos de suporte de vida no andar de cima não puderam ser transferidas.

Conversei com ele por mais de quatro horas. Collins liberou o doutor Paul após 28 horas. Mas o cerco durou 48 no total.

Fiquei no hospital a pedido da polícia, caso eles precisassem de mim novamente.

Até fiz transmissões de rádio ao vivo de dentro, só que não pude divulgar minha missão secreta na operação.

Frequentemente me perguntavam por que o Superintendente Daniels me escolheu.

Não sei. Nós nos conhecíamos de casos anteriores e talvez ele soubesse mais sobre mim do que sobre os outros jornalistas presentes.

Alguns colegas acreditam que me escolheram porque dizem que tenho uma voz distinta e grave.

Meus amigos brincam e me chamam de “Gil sussurante”. Eles até acham que minha voz é bastante reconfortante.

A verdade é que não sei e nunca me disseram o motivo de a polícia ter me escolhido.

Eu também não perguntei.

Algumas pessoas também me contaram que minha história inspirou o filme Alpha Papa, de Steve Coogan, de 2013. Mais uma vez, não tenho certeza.

No final, convenceram Collins a libertar seu refém e ele se entregou após 48 horas. Descobriram que a arma que ele dizia ter era falsa e os balões estavam cheios de água.

Ele acabou condenado à prisão perpétua após admitir o falso sequestro, possuir uma imitação de arma de fogo com a intenção de cometer um crime e ameaçar destruir propriedades.

Crédito, Getty Images

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Alguns colegas insistem que o filme de comédia de Steve Coogan, Alpha Papa, de 2013, é inspirado em minha história. Mas o jornalista não sabe se isso é verdade

Dois anos depois que ele foi preso em Swansea Crown Court, recebi uma ligação de uma prisão: era Collins.

Fiquei muito surpreso, mas ele queria que eu o ajudasse a fazer um programa de TV sobre ele e o ataque ao hospital, mas recusei a oferta.

O superintendente Daniels me disse mais tarde que havia levado as fitas do sequestro para uma conferência de combate ao crime nos Estados Unidos porque, até aquele momento, um jornalista nunca havia ajudado a negociar uma situação de refém antes.

Devo dizer que gostaria de ter férias grátis nos Estados Unidos.

No entanto, fiquei muito grato ao receber um elogio do chefe de polícia pelo meu trabalho.

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Gilbert John passou mais de 50 anos noticiando para a BBC News direto do oeste do País de Gales

Fiquei feliz por ter ajudado e por ninguém ter se machucado.

Tenho agora 80 anos e vou me aposentar neste verão depois de cinco décadas na BBC, cobrindo casos que incluem assassinatos famosos no País de Gales.

Encontrei histórias muito emocionantes para cobrir e muitas vezes ainda tenho sonhos sobre aquela situação de refém em Withybush.

Coisas assim tendem a ficar com você por toda a vida.