- Author, Dalia Ventura
- Role, BBC News Mundo
O que vem à sua mente quando você ouve a frase “macho alfa” referindo-se a um ser humano?
Um homem que, graças ao seu nascimento nobre ou características atraentes ou charme natural, tem mais acesso ao sexo, riqueza e estima da sociedade?
Ou melhor, alguém forte, poderoso, que impõe sua vontade independente das consequências e sem ninguém para desafiá-lo?
Talvez até um valentão ou tirano?
Embora existam várias definições, o conceito geralmente implica um nível de dominação.
Mas, segundo o importante primatologista Frans de Waal, “macho alfa” não significa apenas força e intimidação, como o estereótipo parece sugerir.
E ele vem tentando corrigir essa interpretação porque ele mesmo contribuiu sem querer para criar o mito que quer desmascarar.
O conceito de macho alfa já era há muito usado em vários campos do comportamento animal, mas raramente aplicado a humanos.
O que mudou isso, pelo menos em parte, foi um de seus livros, publicado há 40 anos.
De Waal, que estudou o comportamento social dos primatas por cinco décadas, acredita que os humanos são fundamentalmente semelhantes a eles emocional e socialmente.
Como os primatas, temos hierarquias e competimos para estar no topo.
No entanto, o que é preciso para chegar lá não é necessariamente o que você pensa, a julgar pelos muitos livros, vídeos e sites de autoajuda para homens.
A BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC, conversou com De Wall para nos ajudar a entender o que realmente era um “macho ou uma fêmea alfa”.
BBC: De onde vem o termo ‘macho alfa’?
De Waal: Inicialmente, era usado para lobos e depois foi estendido para outros animais, e o usamos muito na primatologia.
Um macho alfa é apenas o macho de classificação mais alta e a fêmea alfa é a fêmea de classificação mais alta.
Isso não significa nada além disso.
Em cada grupo de primatas há um macho alfa e uma fêmea alfa, nunca mais de uma, e não são mutuamente exclusivos; às vezes eles trabalham juntos.
BBC: O que significa ser um macho alfa?
De Waal: Nos chimpanzés, por exemplo, você pode ter 12 machos, e há muita competição entre eles sobre quem será o dominante.
Não é necessário ser o maior, porque isso não é necessariamente decidido por habilidades físicas, mas por um processo político.
BBC: Quando o senhor diz “político” referindo-se aos chimpanzés, o que isso significa?
De Waal: É político porque eles têm coalizões: não podem se tornar o macho alfa sem o apoio de outros.
É quase como um processo democrático no sentido de que os outros têm influência sobre quem é o alfa.
E se o alfa não se comporta muito bem, digamos que ele é um valentão ou muito agressivo, e os outros querem se livrar dele, esperam que alguém o desafie e o apoiam.
Quando o macho alfa percebe que não consegue se controlar, às vezes nem é preciso uma luta física para ele desistir.
Além do mais, dependendo da gravidade da situação, às vezes acaba expulso do grupo.
E também há relatos de que alguns que foram mortos, o que também acontece, claro, na sociedade humana, quando o líder é tão impopular que não é apenas afastado de seu cargo, mas executado.
BBC: Então, qual é o perfil de um macho alfa?
De Waal: Muitas vezes ele é um macho muito vigoroso e fisicamente saudável, pois se ele perder a saúde, outros machos tomarão seu lugar.
Entre as fêmeas é muito diferente, porque todas as fêmeas costumam ser dominantes, então as fêmeas alfa não são muito fortes fisicamente, mas são respeitadas pela idade.
Mas alfa não é um tipo de personalidade.
As pessoas começaram a usar o termo para descrever algo que realmente não é como usamos na primatologia.
BBC: Mas o senhor é um pouco culpado por termos essa imagem de macho alfa nos seres humanos…
De Waal: Há algum tempo escrevi o livro “Política do Chimpanzé” (Chimpanzee Politics: Power and Sex among Apes) no qual usei muito o termo macho alfa.
E então os políticos em Washington começaram a usá-lo, mas geralmente eles queriam dizer outra coisa.
BBC: Qual era a diferença?
De Waal: Entre os chimpanzés, por exemplo, muitos dos machos alfa protegem os oprimidos, interrompem as brigas, têm muita empatia, mantêm o grupo unido e contam com algum senso de responsabilidade, portanto não são ditatoriais.
Às vezes existem tiranos, mas na maioria das vezes são bons líderes.
Mas os políticos em Washington começaram a usar o termo para um tipo de homem forte.
BBC: Ou seja, o conceito foi distorcido?
De Waal: Não fiz comparações com a sociedade humana. O livro era principalmente sobre chimpanzés. Falei muito pouco sobre as pessoas.
Mas nos políticos, e depois na comunidade empresarial na América, eles começaram a usá-lo para um homem que não é apenas forte e um líder, mas também um valentão, alguém agressivamente dominador.
Nunca usei o termo nesse sentido, mas foi o que eles fizeram dele.
Então agora não estou muito feliz porque introduzi o termo da maneira que um primatologista o introduziria e depois ele foi alterado.
Acho que devemos voltar ao significado original, que é o do homem, e muitas vezes da mulher, de nível superior, que pode ser um líder muito responsável, alguém que mantém o grupo unido e garante a paz.
Na verdade, é isso que um verdadeiro líder normalmente faz.
Toda essa bobagem de mostrar a todo mundo quem manda e quem fica com as garotas e toda essa bobagem que está rolando agora está errada, na minha opinião.
O termo foi distorcido na ideia de um macho que muitas vezes deixa claro de forma agressiva quem manda, na política, no cargo ou nos relacionamentos.
BBC: Tudo o que aconteceu recentemente desde que seu livro foi lançado o incomodou?
De Waal: Não, todo o hype do macho alfa veio muito mais tarde.
O livro saiu em 1982 e foi adotado pelos republicanos em Washington por volta de 1995.
E o hype em torno dos machos alfa é algo das últimas duas décadas, portanto é um fenômeno mais recente.
Agora é usado para pessoas como, digamos, Bolsonaro, Trump e Putin.
É para isso que o usam: líderes muito fortes, muitas vezes muito mandões, obtusos e egoístas.
BBC: Esses tipos de interpretações errôneas podem ser perigosos porque quando se afirma que algo vem da natureza é mais difícil de refutar. Por exemplo, no passado, as pessoas diziam que a homossexualidade não era natural, alegando que nenhum animal era homossexual, o que não era verdade. Mas foi um argumento forte porque não apenas tinha um ‘fundo’ de ciência, mas parecia ser uma questão de fato, e quem pode argumentar com os fatos?
De Waal: Sim, infelizmente as palavras natural e antinatural são usadas como um julgamento moral: natural é bom e antinatural não é.
E muitas vezes é uma projeção.
As pessoas têm uma ideologia e querem ter uma justificativa para olhar para a natureza e nela você pode encontrar quase tudo, para que sempre encontre algum fundamento para sua posição.
Diz-se, por exemplo, que a competição é natural, porque olhe para o mundo animal, há muita competição.
Mas se você olhar para a natureza, verá uma quantidade enorme de cooperação, muitos animais que cooperam: os leões, os elefantes, os insetos sociais… A cooperação está em toda parte.
Portanto, se você quiser fazer uma declaração sobre cooperação, também pode dizer que é natural.
As pessoas usam a natureza para justificar ideologias, e isso é perigoso.
Por exemplo, para a homossexualidade, como você mencionou, há muitas evidências de comportamento homossexual no reino animal, então não é antinatural.
Na verdade, há uma quantidade enorme de diversidade de gênero.
Quando as pessoas dizem “isso é natural ou não é natural”, acho que deveriam conversar com os biólogos, e provavelmente vão ouvir que tudo é muito mais complexo do que pensam.
Eu diria a elas:
“Observe com mais atenção o reino animal e provavelmente verá que, para tudo o que encontrar na sociedade humana, encontrará alguma equivalência na sociedade animal, especialmente em animais tão próximos de nós quanto os primatas.”
BBC: E vice versa? O senhor já viu machos alfa no sentido real do termo na sociedade humana?
De Waal: Um verdadeiro macho alfa costuma ser muito popular porque proporciona segurança e harmonia ao grupo.
E às vezes você os vê entre os humanos, por exemplo, os alemães tiveram uma fêmea alfa governando-os por mais de 10 anos.
Alfa é uma posição muito importante para manter o grupo unido.
É verdade que às vezes existem indivíduos abusivos, também entre os primatas, mas na maioria das vezes não são assim.
Agora, se você pensar em termos de força física, os machos costumam ser dominantes porque são fisicamente maiores e mais fortes.
Se você pensar em poder político, a fêmea alfa pode ser muito poderosa.
Fonte: BBC
Você precisa fazer login para comentar.