- Author, Leandro Prazeres
- Role, Da BBC News Brasil em Brasília
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder político e está inelegível até 2030. O julgamento que comprometeu o futuro político do principal líder de direita do Brasil não teve, porém, um caráter meramente jurídico.
Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que os votos e, especialmente, o resultado do processo enviou uma série de mensagens claras ao sistema político brasileiro a serem observadas nos próximos anos.
Bolsonaro foi condenado por cinco votos a dois pelo TSE na sexta-feira (30/06) no processo em que ele era acusado de ter cometido abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação no episódio em que se reuniu com embaixadores de países estrangeiros, em Brasília, em julho de 2022.
Na ocasião, Bolsonaro fez um discurso aos diplomatas colocando em xeque a segurança do sistema eletrônico de votação do Brasil. O evento foi transmitido por emissoras oficiais e em redes sociais.
O TSE condenou Bolsonaro a ficar inelegível por oito anos a partir das eleições de 2022. Ainda não está claro, porém, quando Bolsonaro poderá voltar a disputar cargos eletivos novamente.
Especialistas em direito eleitoral argumentam que o ex-presidente ficará de fora das eleições de 2024, 2026 e 2028, mas poderia disputar as eleições de 2030, quando terá 75 anos. Outra corrente, porém, defende que Bolsonaro poderá ficar de fora das disputas eleitorais de 2030.
Sua defesa, liderada pelo ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira, argumenta que o ex-presidente não cometeu nenhuma irregularidade durante o evento com os embaixadores e disse que aguarda a publicação do acórdão do julgamento para decidir se irá recorrer ao TSE ou ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas se por um lado o futuro político de Bolsonaro ainda deverá ser decidido nos próximos meses e anos, os recados enviados pelo TSE ao longo do caso envolvendo o ex-presidente foram bem claros, na avaliação de cientistas políticos e advogados especializados em direito eleitoral.
Os três principais recados notados por eles foram:
- Ataques ao sistema eleitoral não serão tolerados
- Fake news terão consequências
- Popularidade não deve blindar candidatos
Reação a ataques ao sistema eleitoral
Um dos pontos mais destacados nos votos dos cinco ministros que votaram pela condenação de Bolsonaro (Benedito Gonçalves, Floriano de Azevedo, André Ramos Tavares, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes) foi o teor do discurso feito por Bolsonaro durante a reunião com os embaixadores.
No episódio, Bolsonaro fez críticas diretas a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) que integravam ou integrariam o TSE, entre eles o presidente da Corte Eleitoral, Alexandre de Moraes. Ele também colocou em dúvida a lisura das eleições daquele ano.
“Olha, quem está duvidando do que está acontecendo, não sou eu. É o próprio Tribunal Superior Eleitoral que ele (Alexandre de Moraes) agora não quer deixar que se aperfeiçoe, que ele realmente mostre no dia 2 de outubro do corrente ano, os números reais das eleições pelo Brasil”, disse Bolsonaro à plateia de diplomatas estrangeiros.
O discurso foi na mesma linha de outras manifestações do presidente em que ele, por exemplo, defendia a implantação do voto impresso como medida para garantir a segurança da eleição. Em outros momentos, Bolsonaro chegou a afirmar, sem provas, que ele teria ganho as eleições de 2018 no primeiro turno como uma forma de indicar uma suposta manipulação dos votos naquela ocasião.
Para a advogada especializada em direito eleitoral Juliana Bertholdi, os votos apresentados durante o julgamento mostram que o TSE reforçou sua reação contra ataques ao sistema eleitoral.
“Um ponto que eu vejo como essencial foi a necessária severidade do TSE com os ataques ao sistema eleitoral. Essa questão já vinha sendo trabalhada há tempos em votos muito emblemáticos, como a mudança jurisprudencial que entendeu pela cassação do então deputado paranaense Fernando Francischini por abuso dos meios de comunicação, ao divulgar notícias falsas contra o sistema eletrônico de votação”, disse.
O caso mencionado pela advogada é o do ex-deputado estadual Fernando Francischini (União Brasil-PR) que teve seu mandato cassado pelo TSE em 2021 por conta de publicações em redes sociais nas quais denunciava, sem provas, supostos problemas em urnas eletrônicas que impediram votos em Jair Bolsonaro.
Para a professora de Ciência Política da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), o julgamento de Bolsonaro no TSE sinaliza à classe política que ataques como os que foram feitos às urnas eletrônicas e ao sistema eleitoral como um todo nas eleições de 2018, 2020 e 2022 não serão mais tolerados.
“O TSE mandou uma mensagem bastante clara para a classe política. Ataques ao sistema eleitoral não serão mais tolerados. Isso é uma indicação importante porque nós vimos esse tipo de ataque se espalhar nos últimos anos e agora vemos um político com o peso de Bolsonaro ser punido por isso”, afirmou a professora à BBC News Brasil.
Fake news terão consequências
Para o advogado especializado em direito eleitoral Alberto Rollo, outra mensagem importante enviada durante o julgamento de Bolsonaro é de que a tolerância com as chamadas fake news ou com a desinformação será baixa.
“Um dos problemas no caso de Bolsonaro não é que ele tenha feito ataques ao sistema eleitoral, mas foi o fato de ele ter usado notícias sabidamente falsas para fazer isso. Não se trata de cercear o direito à liberdade de expressão, mas de punir a disseminação de notícias inverídicas sobre um determinado fato”, afirmou o advogado à BBC News Brasil.
Para o professor de ciência política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, a punição ao uso de desinformação como ferramenta política é um dos principais recados enviados pelo TSE durante o caso de Bolsonaro.
“Bolsonaro foi condenado por abuso de poder político, mas o menor dos problemas dele foi se encontrar com os diplomatas. Acho que o principal problema foi ele ter disseminado argumentos e informações que não paravam em pé. Já era hora de o sistema de justiça dar uma sinalização de que uso de informações falsas para fins políticos não será tolerado”, disse o professor à BBC News Brasil.
Juliana Bertholdi segue a mesma linha de Teixeira e Rollo.
“O voto do ministro Floriano de Azevedo fez uma boa comparação. Ele disse que podemos ter um sujeito terraplanista que livremente se expressa em círculos pessoais, mas se ele for professor da rede pública e ensinar isso para alunos da rede, teremos um funcionário público cometendo uma irregularidade […] existe limite para a liberdade de expressão e ataques às instituições, utilizando informações falsas e meios de comunicação públicos, são intoleráveis”, disse a advogada.
Popularidade não deve blindar político
O terceiro recado enviado pelo julgamento de Bolsonaro, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, é o de que a popularidade de um determinado político não deve blindá-lo de punições na esfera eleitoral.
Apesar de ser uma corte especializada em julgar casos eleitorais, o TSE é frequentemente questionado por críticos quando pune candidatos com grandes votações.
Isso ocorreu, por exemplo, quando o agora ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Avante-PR) foi cassado em maio por descumprimento da Lei da Ficha Limpa.
Alguns de seus apoiadores questionaram a decisão argumentando o fato de ele ter sido o deputado federal mais votado do Paraná em 2022, com 345 mil votos.
O caso de Bolsonaro, por sua vez, envolveu uma quantidade expressivamente maior de votos. O ex-presidente obteve 58,2 milhões de votos no segundo turno, o equivalente a 49,1% dos votos do país.
“Esse julgamento mostrou que não importa se você tem um caminhão de votos. Uma votação expressiva de Bolsonaro não deve servir como licença para o cometimento de arbitrariedades”, afirmou Marco Antônio Teixeira.
Denilde Holzhacker concorda, em parte, com Marco Antônio Teixeira.
“Há uma mensagem, sim, de que a popularidade não vai blindar o candidato e de que a justiça deverá ser aplicada nos casos em que ela for acionada e quado houver evidências. E nesse caso, em específico, havia muitas evidências e muito material disponível”, afirmou.
A professora, no entanto, pondera que a condenação de Bolsonaro acontece em um momento em que ele vem, aparentemente, perdendo tração junto à opinião pública e que isso pode, em alguma medida, ter facilitado a tarefa de punir um candidato que teve mais de 58 milhões de votos.
“A gente não viu nenhuma manifestação significativa nas ruas contra a condenação dele até agora. Desde o dia 8 de janeiro, a gente percebe que a popularidade de Bolsonaro parece vir caindo. Talvez o resultado desse julgamento fosse diferente se ele tivesse ganhado as eleições”, avalia.
Fonte: BBC
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