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As irmãs contam que começaram a ser estupradas pelo pai em 2005, e os abusos continuaram por seis anos

Atenção: Esta reportagem tem relatos que podem ser considerados perturbadores

As irmãs Alex e Chyann foram repetidamente violentadas pelo pai na infância.

E, depois dos abusos, elas enfrentaram uma longa batalha legal para processá-lo — o caso foi rejeitado três vezes pelo Crown Prosecution Service (CPS), o Ministério Público britânico.

Foram mais de dez anos, desde a primeira denúncia à polícia, até ele ser condenado no início deste ano — uma espera interminável que causou ainda mais sofrimento às jovens.

“Eu realmente não tive a chance de ser criança, tive que crescer muito rápido. Passei muito tempo com nojo de mim mesma. Sentia que era minha culpa, como se eu tivesse incentivado aquilo”, desabafa Alex.

As investidas do pai começaram em 2005, e os abusos continuaram por seis anos, conforme mostra o documentário Beyond Reasonable Doubt: Britain’s Rape Crisis, do programa Panorama, da BBC.

Chyann, a mais nova, tinha 10 anos quando denunciou pela primeira vez que era estuprada pelo pai, em 2011. Ela usou a “caixa de preocupações” da escola — onde os alunos podem depositar por escrito num papel pensamentos que despertem ansiedade. O conteúdo da caixa é checado regularmente pelos professores.

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Chyann em depoimento à polícia em 2011

Mas Alex, que era um ano mais velha, não confirmou a história na época, quando foi interrogada pela polícia. E disse que tudo não passava de invenção da irmã.

O pai também negou as acusações de estupro e, na ausência de evidências forenses, não foi acusado pelo CPS.

A família perdeu, no entanto, a guarda das filhas.

“O caso foi parar na vara de família, onde o ônus da prova é diferente. E com base na decisão de que era mais provável de ter acontecido, as autoridades retiraram as crianças dos cuidados dos pais”, explica o detetive Ryan Finnegan, da polícia de Derbyshire, na Inglaterra.

Anos depois, em novembro de 2017, Alex decidiu finalmente denunciar os abusos cometidos pelo pai à polícia.

“O que me levou a denunciá-lo foi que minha mãe e meu pai estavam se separando, e eu não sabia se ele ia começar a namorar outra mulher que tivesse filhos”, diz ela.

“Eu não seria capaz de viver comigo mesma se descobrisse que isso aconteceu de novo, e eu não havia dito nada.”

Ela explicou então por que havia desmentido a irmã inicialmente — em suma, porque acreditava que o comportamento do pai era normal:

“Eu pensei que era assim que eu fazia meu pai feliz. E não queria que parasse, queria que continuasse, porque achava que era uma relação normal entre pai e filha”, disse ela, em fevereiro de 2019, à polícia.

“Achava que era algo que acontecia quando seu pai te amava, e achava que era normal. (…) Ninguém me disse que não era normal.”

Mas, mesmo com a explicação de Alex, o CPS mais uma vez decidiu não abrir o processo.

“Você fez uma denúncia de crime sexual à polícia de Derbyshire. (…) Esta carta é para explicar por que decidi relutantemente que o processo não deveria ser aberto. (…) Uma fraqueza significativa é que quando sua irmã alegou o abuso em 2011, você negou ter sido abusada e disse que sua irmã estava mentindo”, diz parte da carta enviada a Alex.

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Alex em depoimento à polícia em 2017

“Embora aprecie que você tenha dado uma explicação para isso, meu receio é que, mesmo com a explicação, não seremos capazes de garantir ao júri o alto padrão necessário para garantir uma condenação.”

A polícia recorreu da decisão, mas o CPS recusou o caso novamente.

“Fiquei muito deprimida, com pensamentos suicidas, comecei a me automutilar, coisas assim”, conta Alex.

1% das denúncias resulta em condenação

Ativistas dizem que esta postura é parte de uma tendência preocupante. Apenas 1,3% dos casos de estupro denunciados à polícia na Inglaterra e no País de Gales resultam no suspeito sendo processado.

“Nos últimos cinco anos, o CPS tomou a decisão de processar menos casos de estupro, a fim de aumentar sua taxa de condenação”, adverte Vera Baird, comissária de apoio às vítimas na Inglaterra e no País de Gales.

Atualmente, a taxa de condenação das denúncias de estupro está em 1% — o menor índice já registrado na região.

“O que parece acontecer agora é que os promotores tentam adivinhar se um júri gostaria do caso. Coisas do tipo: ela tinha bebido, estava flertando? Quanto tempo depois do evento ela denunciou? Qualquer mito deste tipo significa que uma condenação é menos provável.”

“Ou seja, os júris não estão tendo a chance de decidir por si mesmos, e processamos agora cerca de um terço das pessoas que processávamos antes”, avalia Baird.

Um porta-voz do CPS afirmou, por sua vez, que não houve mudanças na forma como o órgão decide que casos vão a julgamento.

“Uma revisão judicial independente descobriu que não houve mudanças de abordagem na forma como o CPS processa o estupro. Não importa quão desafiador seja o caso, sempre que nosso critério jurídico é atendido, sempre procuramos processar.”

“Estamos determinados a aumentar o número de casos de estupro que vão para o tribunal. Poucas vítimas estão vendo justiça ser feita e estamos trabalhando duro para mudar isso”, acrescentou.

Embora não se manifeste sobre casos individuais, Charlotte Caulton-Scott, do CPS, admitiu que o órgão nem sempre acerta:

“Acho que se qualquer organização sentar e dizer: Nós nunca erramos, seria ridículo. É por isso que temos um processo de apelação em vigor.”

O programa de Direito de Revisão da Vítima (VRR, na sigla em inglês), ao qual ela se refere, é destinado a permitir que decisões anteriores sejam examinadas e revogadas.

E foi justamente por meio deste sistema que Alex e Chyann decidiram fazer uma última tentativa — e entraram com um recurso contra a decisão do CPS.

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Alex e Chyann foram atormentadas por pensamentos suicidas e tiveram muita dificuldade de seguir em frente

Desta vez, a denúncia contra o pai foi finalmente aceita.

Mas ainda levaria dois anos até o caso finalmente chegar ao tribunal. Inicialmente marcado para março de 2021, o julgamento só foi realizado em janeiro de 2022, devido a atrasos provocados pela pandemia de covid-19.

A demora afetou profundamente as irmãs — ambas foram atormentadas por pensamentos suicidas, tiveram dificuldade de manter seus empregos e seguir em frente com suas vidas.

Já haviam decidido que se a audiência fosse adiada mais uma vez, não seguiriam em frente. Mas finalmente aconteceu.

‘Faço parte do 1%’

Alex foi interrogada pelo advogado do pai por mais de duas horas durante o julgamento, que durou sete dias.

“Foi literalmente a coisa mais estressante que eu já fiz. Não queria que ele pensasse que eu estava com medo ou que ainda tinha algum poder sobre mim. Tipo, eu não sou aquela garotinha que ainda está naquela situação. Só queria que todos vissem isso.”

Após deliberar por uma hora e meia, o júri considerou o pai das jovens culpado por unanimidade — e ele foi condenado a 40 anos de prisão.

“Eu não estava esperando por isso. Não estava. Quando você pesquisa quantos casos realmente resultam em condenação, não parece que há muita esperança. Mas aceitaram todas as 14 acusações, todos os 12 membros do júri.”

“Faço parte do 1%”, constatou Alex.

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As irmãs enfrentam o desafio agora de curar as feridas do passado

Para Chyann, o desfecho foi acompanhado de um certo alívio.

“Obviamente, ainda sofro, mas é administrável agora, porque não tem mais o processo judicial à espreita. Nunca vou superar isso. Mas posso começar a seguir em frente agora. Definitivamente”, diz ela.

As duas irmãs têm agora o desafio de curar as feridas abertas no seu relacionamento, abalado após Alex ter desmentido a irmã diante da polícia na infância.

“A principal coisa que temos em comum é que isso aconteceu. Passamos anos e anos brigando por causa disso”, diz Alex.

“Eu me sinto mal por isso, me sinto culpada por isso, mas preciso seguir em frente.”

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