- Author, Julia Braun
- Role, Da BBC Brasil em Londres
- Twitter, @juliatbraun
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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu nesta segunda-feira (12/6) com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
O encontro aconteceu no Palácio do Planalto, em Brasília e abordou, entre outros temas, o acordo entre União Europeia (UE) e Mercosul.
Em negociação há cerca de 24 anos, o pacto foi assinado em 2019, no governo de Jair Bolsonaro (PL), mas ainda não foi ratificado por nenhum dos blocos.
Eurodeputados envolvidos no processo admitiam, até o ano passado, que a gestão de Bolsonaro era considerado um empecilho para a ratificação, especialmente após algumas declarações feitas pelo ex-presidente sobre a conservação da Amazônia e a resposta brasileira à pandemia de covid-19.
A impressão que se tinha era de que, com a passagem do bastão em Brasília, o pacto avançaria.
O presidente Lula chegou a prometer que concluiria o acordo ainda em 2023, mas disse em abril que os termos atuais são impossíveis de serem aceitos e que o Brasil proporia novas mudanças.
Em uma audiência no Senado em maio, o ministro de Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que que o país apoia o pacto, mas não pode se iludir, pois ainda vai demorar para que ele saia do papel.
“O acordo foi negociado, mas ainda não foi sequer assinado. Quando for assinado, será submetido ao Parlamento Europeu e ao Parlamento de cada um dos 27 países da UE, e o mesmo ocorrerá nos 4 países do Mercosul. O que quer dizer que também há perspectiva, e isso não é um segredo, de um período longo para a entrada em vigor. Isso é um fato concreto e inevitável”, disse.
A viagem de von der Leyen ao país acontece três meses após a vice-presidente-executiva da Comissão Europeia, Margrethe Vestager, ter se reunido em Brasília com o vice-presidente Geraldo Alckmin para o início da discussão dos novos termos.
Mas afinal, o que está travando a entrada em vigor do pacto?
Meio ambiente
Entre os entraves, ainda permanece a questão ambiental, liderada atualmente pela França.
Os franceses insistem que o acordo não deve ser implementado sem garantias “sólidas” sobre o cumprimento do Acordo de Paris, o tratado mundial sobre as mudanças climáticas.
O pacto tem como principal objetivo reduzir as emissões de gases de efeito estufa para limitar o aumento médio de temperatura global a 2ºC, quando comparado a níveis pré-industriais. O Brasil estabeleceu suas próprias metas de redução de emissões quando assinou o documento, em 2015, e mais recentemente se comprometeu com a eliminação total do desmatamento ilegal até 2030.
A UE também tem insistido em estabelecer padrões de sustentabilidade para a entrada de produtos do Mercosul no bloco, principalmente no que se refere a desmatamento da Amazônia, uso de agrotóxicos e direitos humanos – em abril, o Parlamento Europeu aprovou uma norma que proíbe a venda no continente de produtos oriundos de desmatamento em florestas.
A questão dos agrotóxicos tem se mostrado especialmente problemática, já que o Brasil usa substâncias banidas ou de uso reduzido na Europa, dizem especialistas.
No texto atual do acordo, as cláusulas relacionadas ao meio ambiente são não-vinculativas. Por isso, a UE negocia um termo adicional para tornar o compromisso obrigatório.
A França, em especial, defende a ideia de que os produtos do Mercosul só poderão entrra na UE se seguriem as mesmas regras que valem internamente no bloco, que membros do governo brasileiro consideram muito rígidas.
“A questão da lei de desflorestamento na Europa é muito complexa, pode afetar as exportações com possibilidade, inclusive, de retaliações, sem uma entidade que julgue e determine. Quer dizer, quem é que vai determinar, a União Europeia? Não tem mais floresta para desmatar lá (deveriam ter preservado), mas as nossas estão, e nosso compromisso é preservá-las”, afirmou Mauro Vieira em maio.
Nos bastidores, porém, fontes afirmam que muita da oposição relacionada às clausulas ambientais está ligada ao protecionismo agrícola — como o Brasil é grande produtor de alimentos agrícolas, produtores franceses temem concorrência desfavorável em um cenário de eliminação de tarifas.
O governo brasileiro tem expectativa de que pode haver uma janela para avanço do acordo no segundo semestre deste ano, quando a Espanha — um dos maiores entusiastas da parceria dentro do bloco europeu — assume a presidência do Conselho da União Europeia.
O Brasil também tem defendido, segundo o portal G1, que a inclusão de eventuais sanções em caso de descumprimento de metas ambientais deve ser revista, incluindo, por exemplo, a chamada reciprocidade – o que vale de sanção para o Mercosul vale também para a União Europeia.
Protecionismo
A isenção de tributos também é, sem dúvida, um ponto de discórdia. O chanceler Mauro Vieira, inclusive, já apontou o “viés protecionista” da União Europeia como um empecilho.
“A União Europeia, sem crítica direta ao grupo, a nenhum dos países diretamente, tem um viés muito protecionista. E nós estamos reavaliando o acordo. Esse documento [com demandas da UE] é extremamente duro e difícil, criando uma série de barreiras e possibilidades, inclusive de retaliação, de sanções”, disse.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, também disse que o “protecionismo” em alguns setores europeus era o maior desafio para um acordo de livre comércio.
O tema ainda já foi apontado pela própria UE como um problema. No passado era o bloco europeu quem advertia que as “posturas protecionistas” de alguns países do bloco sul-americano tornavam o acordo difícil.
Reindustrialização e mercado local
Mais recentemente, cresceu a preocupação entre o governo brasileiro com um possível impacto dos termos atuais do acordo na indústria e comércio locais.
O temor é de que, com a maior abertura do mercado para a Europa, a produção nacional seja afetada negativamente pela concorrência e as promessas de ampliar a reindustrialização propostas pelo governo Lula não consigam ser cumpridas.
“Os que os europeus querem no acordo? Que o Brasil abra as portas para compras governamentais. Ou seja, eles querem que o governo brasileiro compre as coisas estrangeiras ao invés das coisas brasileiras. E se eles não aceitarem a posição do Brasil, não tem acordo. Nós não podemos abdicar das compras governamentais que são a oportunidade das pequenas e médias empresas sobreviverem nesse país”, disse Lula no início do mês.
“Cabe ao estado brasileiro garantir a sobrevivência da indústria brasileira para que a gente possa um dia ser competitivo com o mundo exterior. Então, se nós temos que comprar uma coisa, temos que valorizar aquele produto brasileiro que gera emprego e renda no Brasil, e melhore a qualidade de vida das pessoas”, afirmou ainda o presidente, em um evento de inauguração em São Bernardo do Campo (SP).
A questão é um dos pontos abordados nos ajustes apresentados pelo governo brasileiro à UE durante as últimas rodadas de negociação.
Representantes da indústria brasileira, porém, já defenderam o acordo publicamente, dizendo que ele estimularia a reindustrialização.
Em um artigo publicado no jornal O Estado de S.Paulo em maio, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, afirmou que o pacto contribuirá para “a retomada da relevância da indústria na pauta comercial brasileira com a União Europeia” e para “a diversificação das nossas exportações, que são fortemente dominadas por bens primários de menor valor agregado”.
“Essa parceria com a União Europeia traz evidentes benefícios à nossa economia: diversificação das exportações, estímulo à competitividade dos produtos brasileiros no mercado externo, cooperação para a transição energética e fomento à geração de empregos”, disse.
Fonte: BBC
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