- Priscila Carvalho
- Do Rio de Janeiro para a BBC News Brasil
A programadora brasileira Amanda B.*, de 28 anos, foi uma das estrangeiras que decidiu ir para Califórnia, nos Estados Unidos, e viver a dura rotina de um “trimmigrant”. Eles são responsáveis por colher e trimar a maconha, durante meses, em fazendas ilegais espalhadas pelo Estado americano.
O uso recreativo já é liberado no território desde 2018, sendo que somente maiores de 21 anos podem consumir. No entanto, devido às altas taxas e licenças impostas aos produtores legais, o mercado informal cresce a cada ano.
Conhecida como Emerald Triangle (“Triângulo das Esmeraldas”), a área é responsável por ser a maior região produtora de maconha em solo americano, atraindo imigrantes que desejam fazer muito dinheiro em pouco tempo.
Amanda chegou a ganhar entre entre US$ 100 e US$ 150 (entre R$ 500 a R$ 750) por dia nas cinco semanas que trabalhou lá. Apesar do bom dinheiro, ela não recomenda a experiência — que é crime — a ninguém. Pessoas pegas pela polícia podem ser deportadas ou expulsas dos EUA e até mesmo responder pelo crime no Brasil.
As autoridades americanas vêm promovendo ações contra as fazendas ilegais de maconha. Segundo dados oficiais e balanços de 2021 do Departamento de Justiça da Califórnia, o governo estadual erradicou 1,2 milhão de plantas de maconha e apreendeu 81 toneladas da droga. Em 491 operações policiais foram apreendidas 165 armas. O governo não informa quantas pessoas foram presas.
“Você vê pessoas sentadas nas calçadas com placas procurando fazendas de maconhas. Os fazendeiros vão andando de carro pela cidade”, diz à BBC News Brasil.
Trabalho abusivo
Assim como eles, a programadora também foi em busca dessa promessa, já que precisava se mudar para Europa no mesmo ano e não tinha recursos financeiros suficientes. Diferentemente de muitos que procuram a região do “Triângulo Esmeralda” para começar o trabalho, ela estava na cidade de Santa Cruz. “Não é algo tão seguro de se fazer. Tem muita gente da Europa e do México. Eu só fui porque um amigo já tinha ido algumas vezes”, conta.
Com a ajuda desse amigo, ela embarcou para os EUA e como a atividade não é regulamentada, ela entrou no país com o visto de turista, seguiu pelas cidades da Califórnia e depois chegou à plantação.
Quando chegou à fazenda de maconha em Santa Cruz, Amanda já sabia que a “hospedagem” não ia ser das melhores. No entanto, não esperava condições tão precárias como encontrou na que ficou.
Dividindo o espaço com outras seis pessoas, incluindo brasileiros e estrangeiros, ela conta que eles precisavam dormir em barracas e água corrente era somente para uma pessoa. Fazer xixi e cocô também eram bem difíceis. “Cocô eu fazia em um balde e xixi no chão. Banho também era de balde”, relembra. Também não havia sinal de celular, internet e tampouco água quente.
Mesmo diante do frio, o único trailer que podia servir de abrigo era habitado por ratos à noite. Por lá, existia um cooler, no qual eles podiam deixar alguns mantimentos para gelar. Há fazendas, segundo ela, em que as condições de trabalho são um pouco melhores, mas quase nenhuma oferece um bom ambiente para ficar.
Os gastos também chegam a ser mínimos, já que os trimmigrants não pagam por estadia e só precisam comprar mantimentos. A ida ao mercado era feita da forma mais discreta possível, pois qualquer descuido poderia ensejar uma denúncia à polícia. A preparação envolvia tomar banho, trocar de roupa e limpar bem as unhas, que ficavam pretas devido ao processo de trima da maconha. “Os dedos ficam pretos por conta do haxixe”, diz.
Colher, secar e trimar
Geralmente, os donos das fazendas começam a plantar a maconha ao longo do ano e não precisam de muitos funcionários para o serviço. Na época de outono no país, as colheitas começam e há ofertas de trabalho nas plantações.
Por último, é o processo de trima, que retira as folhas de cannabis próximas das flores, conhecidas como buds. É nessa fase que os fazendeiros recrutam mais pessoas, já que o trabalho demora horas. “A gente colhe, deixa secando e vai pegando os galhos. Mas o principal é trimar a maconha”, conta Amanda.
A rotina tinha pouco descanso: ela acordava cedo, tomava café e começava o processo. As pausas só ocorriam para refeições, idas ao banheiro e para dormir à noite.
Durante a colheita, os produtores costumam pagar 80 dólares por hora de trabalho. Já quando eles trimam, os valores variam entre US$ 120 e US$ 150 por meio quilo de maconha trimada.
Como não tinha muita experiência, a brasileira demorava em torno 12 horas por dia para atingir essa meta. Já os mais experientes costumavam fazer o trabalho em até oito horas. Amanda conta ainda que o serviço era bem organizado e tinha até uma espécie de gerente, anotando todas as pesagens e valores.
Segundo ela, o dono do local tinha pouco mais de 30 anos e ganhava muito dinheiro com o “negócio”. Ele ainda administrava uma outra fazenda maior. “É absurdamente muita grana . A mão de obra lá é muito barata. Para brasileiro que ganha em dólar soa maravilhoso, mas para a galera de lá não vale muito a pena”, ressalta.
Perigo e morte
Mesmo não passando nenhuma situação violenta ou de risco extremo, ela conta que não iria se não estivesse na companhia do amigo.
Muitas fazendas oferecem trabalho ao imigrante, mas durante a colheita e processo de trima, muitos deles sofrem assédio moral, sexual e diversos constrangimentos.
É muito comum ouvir relatos de pessoas desaparecidas, placas perguntando quando ele foi visto pela última vez e outras situações.
Ela conta ainda que ouviu histórias de mulheres que eram obrigadas pelos donos das plantações a trabalharem sem a parte de cima da roupa com uma arma apontada para o rosto. Diante desses casos, como o trabalho é ilegal, não há muito o que fazer e recorrer à polícia não é uma opção viável.
Em uma situação difícil, a brasileira e os outros trimmigrants quase foram pegos pela polícia americana. Quando estavam trabalhando, um helicóptero da corporação sobrevoou o local e todos começaram a se esconder em árvores. A prática ocorria com certa frequência, mas quando contaram ao dono, foram informados que os agentes nunca voltavam.
Brigas e saúde mental abalada
A princípio, a brasileira desejava passar dois meses nas plantações de maconha. Mas mesmo achando que ia aguentar sem nenhum problema, o cansaço mental superava o físico. Ela conta que somente na primeira semana de colheita sentiu o corpo.
Segundo Amanda, não é muito difícil ver pessoas brigando entre elas por dinheiro ou tendo sérios problemas mentais após o trabalho ou até mesmo durante a jornada. “Eu pensava que só queria meu dinheiro e ir embora dali. Falaram que o mental ficava abalado, mas eu não botei fé. As pessoas ficam meio malucas”, diz.
Situações estranhas também foram vividas pela brasileira. Seu grupo começou a brigar entre si e o clima foi ficando cada vez pior. Como a intenção era permanecer dois meses, ela disse que tentou aguentar mais um pouco, mas a sua permanência ficou insustentável. Mesmo tentando mudar para uma fazenda maior, não havia mais vaga, ela desistiu do trabalho e retornou ao Brasil.
Embora tenha obtido metade do valor, ela conta que a experiência foi muito diferente de tudo que já passou na vida. “A parte emocional é a que mais pega. Do resto eu me virei bem”, diz. Contudo, quem trabalha nas plantações por períodos de dois ou três meses consegue lucrar um bom valor, segundo a programadora.
Questionada se iria de novo, ela é categórica na resposta: não. “Vou poder contar isso para os meus netos. Mas é um ambiente muito ganancioso, competitivo e tem gente que se deixa levar. A pessoa fica no meio de bastante coisa ruim”, afirma.
Ela ainda ressalta que não aconselha ninguém ir sem conhecer alguém próximo no local ou “só pela experiência”, já que pode ser muito perigoso. “Eu estava em um ambiente seguro e me sentia segura. Mas a maioria das pessoas tem medo”, conclui.
* O nome da programadora foi omitido para preservar sua identidade.
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