- Author, Jonathan O’Callaghan
- Role, BBC Future
Se você navegar pelo Oceano Pacífico daqui a oito anos, poderá ter uma visão surpreendente.
Talvez você consiga observar cerca de 400 toneladas de metal rasgando o céu. Será um tremendo inferno incandescente, devido à reentrada na atmosfera terrestre. E irá cair no oceano, atingindo uma área que pode ter milhares de quilômetros de extensão.
Será o fim de um dos maiores projetos da humanidade: a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês).
A ISS orbita a Terra desde o início da sua construção, em 1988. Ela já recebeu mais de 250 visitantes de 20 países desde a chegada da sua primeira tripulação, em novembro de 2000.
“A estação espacial é um imenso sucesso”, afirma Josef Aschbacher, chefe da Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês). A agência é uma dentre as mais de dez parceiras do programa.
A ISS é uma conquista da colaboração global, principalmente entre os Estados Unidos e a Rússia, que firmaram sua parceria pouco depois da queda da União Soviética.
“Realmente, é uma das grandes vitórias internacionais”, segundo Thomas Zurbuchen, ex-chefe de ciências da Nasa (agência espacial dos EUA).
Mas grande parte dos seus equipamentos tem décadas de idade e, algum dia, a estação pode se tornar perigosa ou até incontrolável em sua órbita da Terra. Foi o que aconteceu em 1985 com a estação espacial soviética Salyut 7, que precisou de dois cosmonautas para repará-la.
“Com certeza não queremos passar por aquilo de novo”, afirma a historiadora espacial Cathy Lewis, do Museu Nacional do Ar e do Espaço dos Estados Unidos.
Para evitar que uma catástrofe espacial como aquela ocorra novamente, a ISS será retirada de órbita em 2031. Ela será trazida através da atmosfera até mergulhar com segurança no Oceano Pacífico. Será a maior reentrada espacial da história.
Como controlar a queda?
Planejar exatamente como retirar a estação de órbita é uma tarefa imensa.
Em março, a Nasa pediu ao Congresso americano recursos para iniciar o desenvolvimento de um “rebocador espacial” que pode ser necessário para a tarefa – uma aeronave para empurrar a estação de volta para a atmosfera. A chefe do programa de voos espaciais humanos da Nasa, Kathy Lueders, revelou que o custo estimado do rebocador seria de pouco menos de US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5 bilhões).
Muitos objetos grandes já se queimaram na atmosfera terrestre. Os mais notáveis foram a estação espacial russa Mir, em 2001, e a estação espacial Skylab, da Nasa, em 1979.
Depois de fazer a órbita da Terra 34.981 vezes, a Skylab teve sua energia cortada e foi enviada rumo a uma queda descontrolada sobre a atmosfera terrestre, no dia 11 de julho de 1979. Esperava-se que ela se partisse sobre o extremo sul da África e caísse sobre o Oceano Índico.
A maior parte dos destroços realmente caiu no oceano, mas houve também uma chuva de fragmentos sobre áreas pouco povoadas do sudoeste da Austrália, ao longo de uma área de mil km de comprimento por 200 km de largura.
Já a estação espacial soviética Salyut 7 fez uma reentrada descontrolada no dia 7 de fevereiro de 1991. Depois de ficar nove anos em órbita, ela caiu em uma região montanhosa da Argentina.
Esperava-se que a Salyut 7 ficasse em órbita até 1994, até que um período de alta atividade solar aumentou o arrasto atmosférico sobre a estação espacial, acelerando sua queda orbital.
Mas a ISS é um problema completamente novo. Ela é, por exemplo, três vezes maior do que a Mir.
Para o astrônomo Jonathan McDowell, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsoniano, nos Estados Unidos, “é um desafio significativo”. “Um objeto de 400 toneladas caindo do céu é algo grande.”
A estação começou a ser montada em 1998. Inicialmente, era um único módulo chamado Zarya, construído pelos russos.
Hoje, ela é enorme – são 16 módulos, vastos painéis solares montados sobre uma armação metálica e radiadores para retirar o calor. Uma tripulação itinerante de sete pessoas mora atualmente na estação.
A ISS tem 109 metros de comprimento e é do tamanho de um campo de futebol. É a maior estrutura humana já montada no espaço. “É como as pirâmides de Gizé”, afirma a analista espacial Laura Forczyk, da empresa de consultoria americana Astralytical.
A vida útil da ISS já foi ampliada várias vezes. Mas o consenso é que seria perigoso estendê-la além de 2030.
Outras soluções, como elevar a estação até uma órbita mais alta, são impraticáveis, segundo a Nasa. Seriam necessárias dezenas de espaçonaves para empurrar a ISS para uma altitude segura.
Por isso, o plano delineado pela Nasa no ano passado é empurrar a estação inteira de volta para a atmosfera.
O processo
Tudo começará em 2026, quando se permitirá que a órbita da ISS comece a cair naturalmente com o arrasto atmosférico. Ela irá cair de 400 para cerca de 320 km em meados dos anos 2030.
Nesse momento, uma última tripulação será enviada à estação, provavelmente para retirar equipamentos ou objetos de significado histórico remanescentes. Essa retirada também ajudará a reduzir o peso da ISS.
“Isso ainda está em discussão”, segundo Aschbacher.
Após a saída da última tripulação, a altitude da estação irá cair ainda mais, para 280 km. Essa altitude é considerada o ponto de não retorno – a estação não poderá ser impulsionada de volta, acima da força de arrasto causada pela atmosfera mais densa do nosso planeta.
O processo completo pode levar vários meses. O plano atual é que, ao atingir o ponto de não retorno, aeronaves russas Progress deem o impulso final para que a estação ingresse na atmosfera do planeta.
Mas recentes problemas verificados com alguns veículos Progress, aliados à deterioração das relações políticas entre EUA e Rússia, levaram a Nasa a pesquisar sua própria alternativa de rebocador espacial. Afinal, a Rússia já insinuou que pode se retirar da ISS em 2025.
“A Nasa está resguardando suas apostas na participação russa”, afirma Wendy Whitman Cobb, especialista em política espacial da Escola de Estudos Avançados do Ar e do Espaço da Força Aérea Americana.
Seja qual for a espaçonave utilizada, o impulso final fará com que a estação atinja a altitude de 120 km. Nesse ponto, ela irá atingir a atmosfera mais espessa da Terra a cerca de 29 mil km/h, iniciando sua reentrada propriamente dita.
Primeiramente, os painéis solares serão arrancados da estrutura. “O vento contrário será muito forte”, explica McDowell.
Estudos da reentrada da Mir indicam que isso pode acontecer a uma altitude de cerca de 100 quilômetros. A partir daí, será apenas questão de minutos para que todas as placas solares sejam arrancadas.
A cerca de 80 km acima da superfície da Terra, os módulos começarão a se separar antes de entrarem em chamas devido aos milhares de graus de temperatura na reentrada, que irão fazer com que eles derretam e se desintegrem.
Diversos estrondos serão ouvidos enquanto os destroços percorrerem o céu.
A saída de órbita da estação espacial Mir atraiu a audiência de todo o mundo. Mas a ISS é cerca de três vezes maior do que a Mir e suas 140 toneladas. Por isso, sua reentrada provavelmente será ainda mais espetacular.
“Agora, você tem 400 toneladas de fragmentos flamejantes voando através da atmosfera superior em velocidades orbitais”, segundo McDowell.
Mas, se tudo correr conforme o planejado, esses fragmentos flamejantes não representarão risco para a vida humana.
O local da queda
Os fragmentos que eventualmente sobreviverem à reentrada irão se dirigir ao Ponto Nemo – uma extensão do Oceano Pacífico entre a Nova Zelândia e a costa do Chile, frequentemente utilizada como cemitério de espaçonaves.
Essa área é considerada suficientemente distante de locais habitados para que o equipamento espacial possa ser descartado com segurança. E uma peculiaridade das correntes oceânicas faz com que ali haja relativamente poucos nutrientes e, portanto, pouca vida marinha.
Mesmo assim, o trajeto dos destroços da ISS será imenso e incomparável em relação a tudo o que já foi visto até hoje. Ele terá vários quilômetros de largura e, possivelmente, até 6 mil km de comprimento.
Por isso, será preciso restringir o acesso àquela parte do Oceano Pacífico durante a reentrada, para evitar acidentes.
“Ainda não sabemos como eles irão conseguir isso com navios e aviões”, afirma McDowell. Mas, para qualquer pessoa que presencie a morte da ISS, provavelmente será um espetáculo.
“Se eu fosse a Nasa, colocaria câmeras e sensores voadores para realmente detalhar a desintegração”, afirma McDowell. “Certamente existe ciência esperando para ser feita.”
O processo completo de reentrada, da separação inicial dos painéis solares até a queda no Ponto Nemo, deverá durar apenas 40 minutos.
Reaproveitar os recursos
O show de reentrada da estação espacial internacional deve ser impressionante, mas algumas pessoas receiam que a retirada da ISS de órbita seja um desperdício de materiais.
A ISS contém não só muitos equipamentos valiosos, mas também recursos que são úteis, como o metal da sua armação e seus painéis solares. E o transporte desses materiais para o espaço teve alto custo.
“É um custo perdido no oceano”, afirma o especialista em política espacial John Klein, da Universidade George Washington, nos Estados Unidos. “Vamos reutilizar o que pudermos.”
No final de 2022, um grupo de empresas, incluindo as americanas CisLunar Industries e Astroscale, apresentaram à Casa Branca uma ideia com esse propósito.
O plano poderá incluir o derretimento de parte do metal da armação para que seja reutilizado na construção de novas estruturas ou veículos espaciais. Até módulos inteiros poderiam ser separados e reutilizados em outras estações espaciais.
“Realmente acreditamos que existe aqui uma oportunidade”, afirma o executivo-chefe da CisLunar, Gary Calnan. “Queremos construir um ferro-velho no espaço.”
Um porta-voz da Nasa afirmou que a agência “está aberta para propostas de ideias novas e inovadoras”, mas, neste momento, a Nasa “não solicitou nem recebeu propostas de reutilização de grandes partes estruturais da Estação Espacial Internacional com novos propósitos”.
O presidente da Astroscale US, Ron Lopez, espera que a agência reconsidere. “Espero que tenhamos uma oportunidade de estudar todas essas opções”, afirma ele.
No momento, permanece o plano de descartar toda a ISS no Oceano Pacífico. Será um final dramático de décadas de engenhosidade e colaboração humana no espaço.
Se você, por acaso, estiver vagueando em uma área aparentemente desabitada do Oceano Pacífico em 2031, preste atenção. Você poderá se deparar com uma chuva de fragmentos quentes derretidos vindos do espaço.
“Será um espetáculo para a imprensa”, afirma McDowell. “Um show de fogos de artifício irresistível.”
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