- Author, Veronica Smink
- Role, BBC News Mundo, na Argentina
Na Argentina, muita gente está se perguntando a mesma coisa há uma semana: a quanto vai chegar o dólar blue?
Em um país com uma taxa anual de inflação que ultrapassa os 104% e uma das piores dívidas do mundo, a maior preocupação nos dias de hoje, tanto para economistas e políticos quanto para o público em geral, é a subida meteórica do “blue”, que aumentou cerca de 20% em poucos dias.
É o dólar paralelo, que, em outras partes do mundo, é mais conhecido como “dólar clandestino”, por ser usado em mercado ilegal. Mas, na Argentina, onde as pessoas quase não têm acesso legal à moeda americana, e o peso perde valor a cada semana, o dólar blue virou uma das principais referências econômicas.
Por isso, tantos argentinos compram o blue para economizar e se proteger da inflação. Ele é usado para comprar ou vender de tudo, desde casas e carros a computadores e celulares. É ele que determina o valor de muitos bens e serviços cobrados em pesos.
Por isso, o aumento do preço do blue, que passou de cerca de 400 pesos para quase 500 em uma semana, antes de começar a cair nesta quarta-feira (26/4), causou pânico geral no país e ameaça aprofundar a crise econômica nos últimos meses do governo de Alberto Fernández.
Por que o ‘blue’ dita a economia?
A Argentina é famosa por ter várias cotações de dólares.
Existe o “dólar oficial”, que em outros países seria o único, cujo valor é determinado pelo Banco Central da República Argentina (BCRA). Ele tem o preço mais baixo: vale cerca de metade do blue. Mas apenas entidades financeiras ou de comércio exterior têm acesso a esse dólar.
As outras pessoas têm que pagar mais pela moeda americana, já que o governo impôs uma série de taxas para sua aquisição. Há também uma cota para a compra do dólar oficial.
Se um argentino quiser comprar dólares legalmente, pode adquirir até US$ 200 por mês, pagando uma taxa de 75% (desde que cumpra os rígidos requisitos do BCRA, que excluem a maioria da população). Esse é o dólar ahorro” (ou “dólar da poupança”).
Se você usar seu cartão de crédito para pagar mercadorias em dólares, terá essas mesmas taxas (“dólar cartão”). Se você usá-lo no exterior e gastar mais de US$ 300, você paga um acréscimo de 25% (“dólar turismo”).
Por último, você tem a opção dos chamados dólares financeiros, que são adquiridos por meio da compra e venda de títulos. São aqueles usados pelas empresas e investidores mais sofisticados (ou com mais recursos).
O “dólar bolsa” ou “MEP” é obtido comprando títulos em pesos e vendendo-os em dólares, e o “CCL” (ou “conta com liquidação”) é semelhante, mas também permite a transferência de dólares para uma conta no exterior.
Assim como o blue, esses dólares financeiros — que são legais — são cotados pelo mercado, e são considerados por muitos economistas como um índice mais sólido do valor da moeda norte-americana, já que não costumam ser tão sensíveis à especulação como ocorre com o paralelo.
No entanto, no imaginário argentino, o blue é rei, e é por isso que para muitos —incluindo os comerciantes que remarcam seus produtos seguindo a cotação do dólar — é a referência que conta.
Seu uso é tão popular e difundido que até mesmo os principais jornais do país trazem essa cotação ilegal em suas primeiras páginas.
Por que o blue disparou?
Há uma série de especulações sobre o que motivou essa alta do câmbio.
O presidente Fernández, da coalizão peronista Frente de Todos, culpou ferozmente a oposição.
“É uma prática permanente da direita argentina”, disse ele na terça-feira (25/4), quando o blue atingiu a cotação recorde de 497 pesos.
“Primeiro, instalam boatos pela manhã, operam ao longo do dia e no fim da tarde retiram sua rentabilidade do mercado de câmbio. Assim, prejudicam a poupança da maioria dos argentinos. Sempre fazem a mesma coisa”, acusou ele, gerando a crítica de vários nomes da oposição, que acusam o governo de não se responsabilizar pela situação.
Na mesma linha, o ministro da Economia, Sergio Massa, tuitou algumas horas depois: “Há vários dias vivemos uma situação atípica de boatos, versões, notícias falsas e seu consequente impacto nos instrumentos financeiros vinculados ao dólar”.
“Vamos usar todas as ferramentas do Estado para ordenar esta situação”, afirmou.
A estratégia parece ter funcionado, já que nesta quarta-feira (26/4) o blue iniciou uma queda notória (fechou em 476 pesos).
No entanto, muitos economistas alertam que, por trás do aumento do blue, existem problemas macroeconômicos que persistem e que podem fazer com que o paralelo volte a subir.
Uma delas é a baixa quantidade de reservas em dólares que o BCRA possui. Um problema recorrente em um país que demanda muita moeda estrangeira para a produção e poupança, mas gera pouco (e menos este ano devido à gravíssima seca que afetou o principal gerador de dólares do país: o campo).
Segundo Fausto Spotorno, diretor da consultoria Orlando J Ferreres y Asociados, o país tem menos de US$ 2 bilhões em reservas líquidas. “Claramente pouco”, esclarece à BBC News Mundo (serviço em espanhol da BBC).
Mas, além disso, há a inflação muito alta, que em março atingiu o maior nível desde a crise de 2001-2002 (7,7% ao mês), fazendo o peso valer cada vez menos e, consequentemente, levando as pessoas a comprarem dólares novamente no mercado.
“Acredito que o mercado está se ajustando a uma nova realidade, com câmbio mais alto dada à baixa disponibilidade de moeda estrangeira”, diz o economista, que também dirige a Escola de Negócios da Universidad Argentina de la Empresa (UADE).
Paradoxalmente, a escalada do blue coloca mais pressão na inflação em abril. Até a semana passada, várias consultorias calculavam que ela ficaria em torno de 8%, mas agora essas estimativas subiram, pois mais empresas aumentaram o custo de seus produtos em linha com o “blue”.
Incerteza política
Além dos problemas econômicos, o contexto político que a Argentina atravessa não tem contribuído para a estabilidade.
Na sexta-feira (21/4), o presidente Fernández anunciou que não buscará a reeleição nas eleições de outubro, o que, na essência, o transformou em um presidente sem muito poder.
O anúncio, feito um dia depois de uma pesquisa da consultoria Poliarquía revelar que o presidente tem índices de desaprovação acima de 70%, também levantou dúvidas sobre o futuro da aliança que governa.
Enquanto isso, a principal força da oposição, o Juntos pela Mudança, também se envolve em uma disputa de poder após a decisão de seu principal nome, o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), de não se candidatar novamente.
Entre os dois, surge com cada vez com mais força a figura do “libertário” Javier Milei, que disse que se vencer fechará o Banco Central e dolarizará a economia argentina, provocando ansiedade em muitos setores.
O panorama eleitoral ficará mais claro no final de junho, quando se saberá quem serão os pré-candidatos a cada cargo, e ficará ainda mais claro quando forem realizadas as primárias, em agosto.
Mas o que muitos estão se perguntando agora é se a economia argentina, e particularmente o volátil dólar blue, resistirá à incerteza.
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