O medicamento usado em mais da metade dos procedimentos de aborto nos EUA está no centro de uma disputa entre o governo do presidente americano Joe Biden e o estado do Texas que pode chegar à Suprema Corte e afetar o país todo.
A mifepristona foi aprovada há mais de 20 anos para uso no país pela FDA, a agência de vigilância sanitária dos EUA. Sua segurança e eficácia são apoiadas por organizações médicas tradicionais, incluindo o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG) e a Organização Mundial da Saúde (OMS).
A FDA passou quatro anos revisando a mifepristona antes de aprová-la em 2000, e colocou a pílula em uma categoria seleta de apenas 60 remédios sob um regime de restrições extras e reavaliações periódicas.
A disputa do governo com o Texas começou no início de Abril, quando um juiz do estado, Matthew Kacsmaryk, decretou a interrupção da distribuição de mifepristona, questionando a aprovação do FDA e dizendo que o órgão havia infringido regras federais sobre a aprovação de medicamentos na decisão sobre a pílula do aborto.
Nesta semana, um tribunal de segunda instância, o Tribunal de Apelações do Quinto Circuito dos EUA, decidiu que a aprovação do medicamento deveria permanecer porque já se passou muito tempo para questionar a decisão do FDA.
No entanto, o tribunal de apelação determinou a reversão de várias medidas aprovadas pelo FDA em 2016 que ampliavam o acesso ao medicamento, incluindo a possibilidade das pacientes receberem a pílula pelo correio. O tribunal também encurtou a janela para o uso aprovado da mifepristona, de até 10 semanas de gravidez para 7.
O Departamento de Justiça então anunciou que vai pedir à Suprema Corte do país que restaure o acesso total à mifepristona e derrube as restrições determinadas pelo tribunal do quinto circuito, que deveriam entrar em vigor no fim de semana. Por enquanto o medicamento permanece disponível.
“Buscaremos uma liminar de emergência da Suprema Corte para defender a análise científica da FDA e proteger o acesso dos americanos a cuidados reprodutivos seguros e eficazes”, disse o procurador-geral dos EUA, Merrick Garland, em um comunicado na quinta-feira.
Repercussão nacional
Embora a decisão de tribunal de apelação que aprovou as restrições em tese só devesse afetar os estados sob sua jurisdição – Alabama, Flórida, Geórgia, Texas, Louisiana e Mississippi – a disputa na Suprema Corte terá repercussões de longo alcance tanto para o acesso ao aborto quanto para a regulamentação de medicamentos nos Estados Unidos.
“Estamos em um território sem precedentes”, dz à BBC Areta Kupchyk, ex-conselheira-chefe associada da FDA. Ela afirma que não consegue se lembrar de nenhum outro exemplo em que o FDA tenha sido forçado a retirar a aprovação de um medicamento há muito considerado seguro para uso.
Ativistas antiaborto que se opõem à aprovação da mifepristona pela FDA alegaram que a agência tomou uma “decisão politicamente motivada” ao aprovar o medicamento e que ela que “não seguiu os protocolos adequados”.
Kristi Hamrick, porta-voz de uma organização antiaborto, elogiou a decisão do Texas, chamando-a de “rejeição baseada em evidências” dos “padrões de segurança precários” que os ativistas alegam terem sido usados para regular as pílulas abortivas.
Para o advogado Lawrence Gostin, professor de direito de saúde na Universidade de Georgetown, a interferência dos tribunais do Texas na decisão do FDS é “profundamente proecupante.
“Estas são decisões científicas que não devem ser feitas por juízes leigos”, disse ele. “É profundamente preocupante que os juízes de apelação pensem que podem microgerenciar as decisões da FDA para mifepristona e outros medicamentos aprovados.”
Gostin disse à BBC que esperava que a Suprema Corte decidisse a favor do FDA, mas que não aposta nesse resultado, já que juízes conservadores têm uma maioria de 6 a 3 na composição atual do tribunal constitucional.
Na quinta-feira, a vice-presidente Kamala Harris também opinou sobre a batalha judicial, dizendo em um comunicado que os esforços para minar a aprovação do FDA “ameaçam os direitos dos americanos em todo o país”.
“Nossa administração continuará lutando para proteger a saúde das mulheres e o direito de tomar decisões sobre o próprio corpo”, disse a vice-presidente.
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