- Author, Rone Carvalho
- Role, De São José do Rio Preto (SP) para BBC News Brasil
Afirmar que animais conseguem prever tempestades não é utopia.
Pesquisadores brasileiros conseguiram comprovar cientificamente que a mudança de comportamento sexual de insetos pode indicar a chegada de tempestades e ventanias.
A explicação está na capacidade dos insetos em detectar as mínimas alterações da pressão atmosférica na natureza, segundo o entomologista e professor da USP José Maurício Simões Bento.
Um estudo conduzido pelo Departamento de Entomologia e Acarologia da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ), da Universidade de São Paulo (USP), de Piracicaba (SP), em parceria com pesquisadores da Universidade Estadual do Centro-Oeste (Unicentro) e da University of Western Ontario, do Canadá, comprovou que os insetos preveem mudanças bruscas no tempo e dão indicações por meio de alterações no seu comportamento sexual.
“O que percebemos é que, ocorrendo um evento de baixa pressão atmosférica, que normalmente antecede um temporal, os insetos interrompem o acasalamento e vão procurar abrigo. Isto acontece, geralmente, entre quatro a seis horas antes da chuva, fornecendo uma certa previsibilidade”, explicou o professor.
A descoberta desta capacidade nos insetos e sua alteração de comportamento começou após o professor Bento e sua equipe notarem que, em dias de chuva, os insetos não acasalavam, mesmo com todas as condições controladas de temperatura e umidade em laboratório.
“Como a força exercida pela pressão atmosférica é a mesma, independentemente de se estar num ambiente externo ou interno de um laboratório (ou de uma casa), decidimos comprovar nossa hipótese, a partir do comportamento sexual dos insetos”, conta.
No estudo, os cientistas analisaram três espécies distintas de insetos comumente encontrados no Brasil: o besouro, popularmente conhecido como ‘brasileiro’ ou ‘patriota’, por ter cor verde e pintas amarelas (Diabrotica speciosa); o pulgão da batata (Macrosiphum euphorbiae) e a lagarta da pastagem (Pseudaletia unipuncta).
Com auxílio de uma câmara barométrica – equipamento que pode controlar ou alterar a pressão atmosférica –, os pesquisadores conseguiram comprovar que, sob queda de pressão atmosférica, as três espécies de insetos reduziram sua atividade sexual e acasalaram menos que em condições normais de pressão.
“Diferentemente de nós, seres humanos, que temos um relógio que nos mostra as horas ao longo do dia, nos permitindo ‘marcar horários’, a maioria dos insetos se guiam pelo amanhecer e entardecer (crepúsculo). Sendo assim, muitos deles acasalam nestes períodos, como um encontro pré-determinado, independente da época do ano. Porém, o que percebemos em nosso estudo é que, com a queda da pressão e a previsibilidade da chuva, eles evitavam estes encontros para acasalar e procuravam abrigo.”
Isso acontece porque os insetos possuem um instinto de sobrevivência muito apurado na natureza.
“O simples impacto de uma gota de chuva pode parecer pouco para nós seres humanos, mas para estes organismos diminutos, como os insetos, pode ser fatal.”
Agora, os cientistas tentam descobrir quais estruturas no corpo dos insetos os tornam capazes de perceberem a mudança da pressão atmosférica, horas antes de um temporal.
“A gente já comprovou que os insetos conseguem antever tempestades e ventanias por uma questão de sobrevivência. São seres vivos que evoluíram por milhões de anos, o que os torna amplamente adaptados na Terra. Agora queremos descobrir um pouco mais com eles, e desvendar suas estruturas aprimorando nossos métodos de previsão do tempo”, apontou Bento.
Formigas aceleram o transporte de folhas
Outra pesquisa do grupo feita na Escola de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP em Piracicaba, demonstrou que formigas cortadeiras, também chamadas de saúvas (Atta sexdens) passam a executar tarefas rotineiras de corte e transporte das folhas de forma mais rápida horas antes de um temporal.
“Da mesma forma que os outros insetos, as saúvas conseguem pressentir a chegada de uma chuva e aceleram seu trabalho, com o objetivo de coletar e armazenar a maior quantidade possível de alimentos para o ninho”, explicou Bento, que também liderou o projeto.
O estudo realizado por meio de uma câmara barométrica foi dividido em etapas: na primeira, como forma de simular a chegada de uma chuva, os cientistas introduziram as formigas cortadeiras em um ambiente de baixa pressão atmosférica; e, nas demais etapas, simularam condições de estabilidade e de alta pressão, que representam pouco risco de chuva e temporais.
Os resultados mostraram que em uma condição de baixa pressão – indicativo de chuva -, as formigas deixaram seus ninhos 2,8 vezes mais rápido que quando a pressão foi constante.
Também ficou comprovado que entre 1,5 e 2 vezes mais folhas foram cortadas e trazidas para o ninho pelas formigas durante a queda da pressão atmosférica.
“O esforço do grupo para transportar e trazer uma quantidade maior de alimento em menos tempo, diante de uma iminente tempestade comparado às condições normais, demonstrou a alta capacidade de tomada de decisão individual dos insetos diante de um indício de risco”, concluiu.
Animais preveem terremotos?
Além de tempestades, pesquisadores tentam comprovar cientificamente há anos se animais conseguem prever terremotos. E, caso sim, de qual forma.
Foi em busca dessas respostas que o professor Jean Pierre Raulin, coordenador do Centro de Rádio Astronomia e Astrofísica Mackenzie (CRAAM) participou de um estudo que explicou o que levou aves e mamíferos do Parque Nacional Yanachaga Chemillen, no Peru, a deixar a região dias antes do terremoto Contamana, de 7,0 graus de magnitude na escala Richter, atingir os Andes peruanos, em 2011.
Na literatura mundial, a referência mais antiga registrada sobre comportamentos incomuns dos animais antes de um desastre natural data de 373 a.C., quando o historiador grego Tucídides relatou que ratos, cães, cobras e doninhas abandonaram a cidade de Hélice, na Grécia, dias antes de um terremoto catastrófico.
Junto da pesquisadora inglesa Rachel Grant e Friedemann Freund, da agência espacial Nasa (Estados Unidos), Jean Pierre encontrou uma explicação: o gás que sai de baixo e vem para a superfície a partir da movimentação de placas tectônicas faz aumentar a produção de íons positivos na atmosfera, que, perceptível aos animais, provoca um aumento dos níveis de serotonina nos bichos, deixando-os agitados.
“Foi por isso que eles abandonaram a região antes do terremoto.”
Para chegar à conclusão, cada pesquisador estudou de uma forma o comportamento dos animais antes do terremoto.
A partir de câmeras instaladas no parque, que eram acionadas de forma automática no momento que o animal passava na sua frente, sem que eles visualizassem, os pesquisadores atestaram que, em um dia comum, os animais eram avistados, em média, de 5 até 15 vezes no dia.
“Porém, no intervalo de 30 dias que antecedeu o terremoto notamos que o número de avistamentos de animal caiu progressivamente até atingir zero, no dia do evento sísmico”, contou Jean.
Ao mesmo tempo, monitoramento da propagação das ondas de rádio de baixa frequência, nos dias que antecederam o terremoto, constatou que as mesmas partículas atômicas liberadas pelo gás (da movimentação das placas tectônicas) provocou alterações nas ondas de rádio da atmosfera da região.
“Unindo os dados, chegamos à conclusão que isso pode sim ter influenciado o comportamento animal de fugir da região antes do terremoto acontecer.”
Como funciona a previsão humana do tempo
Desde antes de Cristo, observar o tempo é crucial para a humanidade.
No passado, era através da observação dos céus que as pessoas previam se choveria ou não. O objetivo era evitar perdas no cultivo de plantações que dependiam dos ciclos de chuvas.
Até a Bíblia, em Mateus, capítulo 16, versículos 2 e 3, cita a forma em que se previa o tempo na época de Jesus. “Haverá bom tempo, porque o céu está rubro. E, pela manhã, haverá tempestade, porque o céu está de um vermelho sombrio.”
Contudo, foi a partir do desenvolvimento da ciência que o ser humano passou a usar equipamentos para decifrar quando choveria.
Foi a partir do século 16, por exemplo, com o desenvolvimento do termômetro (temperatura) e do barômetro (pressão do ar), que o tempo passou a ser previsto pelo homem por meio da tecnologia.
Depois, além do termômetro e do barômetro, profissionais passaram a utilizar uma infinidade de novas tecnologias para prever se vai chover ou não.
É assim que, atualmente, meteorologistas preveem o tempo por meio de dados atmosféricos, fornecidos por estações meteorológicas; imagens de satélite; e radares meteorológicos instalados em diversas partes do mundo.
Os estudos que permitem a identificação de mudanças bruscas no tempo se baseiam em dados de precipitação, ventos, umidade relativa do ar e a própria pressão atmosférica – que animais conseguem captar sem o uso de equipamentos tecnológicos.
No Brasil, somente o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) administra 750 estações meteorológicas.
Em regra, as estações automáticas captam os dados e enviam para uma central meteorológica, onde, por meio de supercomputadores, meteorologistas realizam simulações com apoio de imagens de satélite sobre a previsão do tempo das próximas horas.
Essas observações, realizadas de maneira sistemática, uniforme, e em horas estabelecidas, permitem que o ser humano fique sabendo se vai chover ou não em determinada localidade.
Animais podem ajudar a prever desastres naturais
Com a enorme dificuldade encontrada para prever terremotos, surge o questionamento: será que seres humanos poderão prever tempestades e terremotos com maior antecedência, a partir da observação dos animais?
O professor da Universidade de São Paulo (USP), José Maurício Simões Bento; e Jean Pierre Raulin, da Universidade Presbiteriana Mackenzie dizem que sim, mas defendem antes a necessidade de maiores investimentos em pesquisas sobre o tema no mundo.
“As pesquisas são somente mais um indício de como os animais não precisam do ser humano para sobreviver na natureza, mas de como nós precisamos deles”, defendeu Bento.
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