- Author, Sophie Hardach
- Role, Da BBC Future
Quando era criança, eu pensava que todas as pessoas canhotas conseguissem escrever de trás para frente. E, como sou canhota, tentei algumas vezes começar a escrever no lado direito da folha e deixar as letras fluírem para a esquerda.
Era um bom alívio com relação aos garranchos que surgiam quando eu escrevia na forma padrão, da esquerda para a direita, contorcendo minha mão para evitar que a tinta ficasse manchada. E também era uma sensação especial — afinal, era assim que Leonardo da Vinci escrevia.
Até hoje, às vezes, ainda escrevo de trás para frente, o que acho relaxante. Mas acontece que essa técnica não é um superpoder dos canhotos. Na verdade, ela é o resultado de uma combinação de fatores fascinantes relacionados com a forma como nossa mente e nosso corpo se adaptam para escrever.
Conhecer esses fatores pode nos fazer entender melhor o que se passa no nosso cérebro quando escrevemos – e até tornar a experiência mais agradável.
Raízes evolutivas
A forma mais comum de escrever de trás para frente surge na infância. Se olharmos os primeiros livros de ortografia de qualquer criança, frequentemente encontraremos letras e números individuais escritos no sentido inverso, ou até uma palavra inteira escrita de trás para frente.
“A escrita de trás para frente que você vê na infância é uma parte absolutamente normal do desenvolvimento”, segundo Robert McIntosh, professor de neuropsicologia experimental da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido. “É mais uma fase que toda criança que está aprendendo a escrever irá atravessar. Não é mais comum entre as crianças canhotas do que nas destras.”
Existe um motivo relacionado à evolução que explica por que acontecem essas inversões. Nossos cérebros evoluíram para “generalizar o inverso”, ou seja, quando olhamos para um objeto, aprendemos automaticamente a também reconhecer sua imagem espelhada.
Isso é útil porque, se observarmos o mesmo objeto de um ângulo diferente, entendemos que se trata dele próprio, apenas visto de outra forma.
“O cérebro é configurado para generalizar o inverso porque é eficiente”, explica McIntosh.
“Se você quiser colocar em um contexto evolutivo, imagine sua mãe apontando para um predador perigoso, um leão, dizendo: ‘fique longe daquilo, é um animal perigoso’. Você quer reconhecer que é o mesmo animal perigoso quando observá-lo andando na direção contrária”, explica ele.
Mas, por mais útil que seja, esta habilidade também cria problemas quando aprendemos a ler e escrever.
Ao contrário do leão, existem letras como “d” e “b”, que mudam de identidade, dependendo da sua orientação. Mas o nosso cérebro evoluiu para tratá-las como visões diferentes da mesma coisa.
Afinal, se você pudesse andar em volta de uma letra “d” e olhar para ela do outro lado, ela pareceria ser um “b”.
À medida que aprendemos a ler e escrever, nosso cérebro gradualmente percebe que a nossa generalização do inverso aplica-se aos objetos na natureza, mas não às letras e palavras.
Existe dentro do cérebro uma região chamada área de forma visual das palavras, que usamos para ler e escrever. Com isso, o processo de generalização do inverso é desligado, segundo McIntosh.
Este processo de supressão seletiva na forma visual da palavra ajuda a explicar por que, quando somos adultos, normalmente não conseguimos ler palavras espelhadas, enquanto reconhecemos imagens de objetos ou animais no espelho.
Até que as crianças desenvolvam essa capacidade, elas estão sujeitas a inverter as letras. Mas a inversão não é aleatória. Na verdade, existe maior propensão a inverter as letras que não ficam “de frente” para a direção normal da escrita.
No alfabeto latino que usamos para escrever em português, por exemplo, a maioria das letras fica voltada para a direita, ou seja, elas têm partes que apontam para a direita, como minúsculos sinais de trânsito.
McIntosh compara esses sinais com bandeiras tremulando ao vento. As letras E, B, C e K são bons exemplos.
Esta orientação, provavelmente, é o resultado natural dos nossos movimentos dos olhos e das mãos ao escrever, varrendo as linhas em uma direção. Mas existem algumas exceções, como a letra J e o número 3, que apontam na direção oposta – contra o vento, por assim dizer.
Este fenômeno pode ser encontrado em muitos tipos de escrita diferentes. No alfabeto osco (uma forma de escrita antiga da Itália, da direita para a esquerda), as letras E, B e K têm a mesma aparência do nosso alfabeto, mas são invertidas, como se tivessem sido giradas ao contrário, de forma harmônica com a direção da escrita.
Pesquisas dos psicólogos Jean-Paul Fischer e Anne-Marie Koch, da Universidade de Lorena, na França, indicam que as crianças aprendem implicitamente essa regra das letras voltadas para a direção da escrita e a aplicam às letras e números que não seguem a norma.
Outros estudos revelaram o mesmo padrão – crianças mais propensas a inverter as letras e os números voltados “para o lado errado”, como o J e o 3. É como se, inconscientemente, as crianças tentassem tornar a escrita mais coerente.
McIntosh e sua equipe encontraram o mesmo efeito em um estudo usando caracteres inventados, parecidos com letras. As crianças apresentaram propensão três vezes maior a inverter os caracteres voltados para o lado esquerdo.
A pesquisa não publicada pela equipe de McIntosh indica que as crianças que escrevem em árabe, da direita para a esquerda, aplicam a mesma regra inconsciente, apenas no sentido inverso. Elas são mais propensas a inverter letras em árabe voltadas para a direita, em sentido inverso à direção da escrita do idioma.
A inversão da escrita entre os adultos
A inversão acidental da escrita entre as crianças é apenas mais uma etapa do seu desenvolvimento. E quanto às pessoas que escrevem intencionalmente no sentido inverso, até na idade adulta?
Bem, em primeiro lugar, esta habilidade resulta ser muito menos especial do que eu pensava.
Para as pessoas destras e as canhotas que foram forçadas a escrever com a mão direita, ela pode simplesmente resultar da forma como nos movemos para escrever, segundo McIntosh.
Quando escrevemos com a mão direita em português, fazemos um movimento para fora. E, se pegarmos uma caneta com a mão esquerda e começarmos a escrever, nossa tendência natural é fazer esse mesmo movimento para fora. O resultado é que a escrita, nesse caso, flui para a esquerda e fica invertida.
“Como os nossos braços, direito e esquerdo, são imagens espelhadas um do outro, eles fazem naturalmente movimentos espelhados, de forma que o mais natural para um destro é escrever com a mão esquerda de trás para frente”, explica McIntosh.
Mas, no meu caso pessoal, houve uma reviravolta. Fui ensinada a escrever com a mão esquerda, usando um movimento para dentro e fixando meu pulso em uma espécie de gancho – um movimento claramente desconfortável.
O movimento para fora, com o pulso reto – como faço quando escrevo de trás para frente – é mais confortável, o que pode explicar por que acho escrever ao contrário tão relaxante.
Mas essa facilidade só se aplica à escrita, não à leitura. Para ler minha própria escrita invertida, preciso segurar o papel em frente a um espelho – o que sustenta ainda mais a ideia de que a minha reversão está relacionada ao movimento, não a uma visão de mundo diferente.
Foi apenas quando pesquisei para esta reportagem que descobri que os canhotos agora aprendem uma forma muito melhor de escrever do que com o pulso em posição de gancho fixo. Eles colocam a folha de papel em ângulo e escrevem com o pulso reto. Se eu tivesse aprendido este estilo quando era jovem, talvez não tivesse sido levada a escrever de trás para frente.
Esta descoberta me deu um novo objetivo na escrita: finalmente aprender a técnica adequada para os canhotos. Pode não ser tão interessante e misterioso quanto escrever de trás para frente, mas talvez me faça sentir mais tranquila com a escrita comum, da esquerda para a direita.
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