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Desde o final de fevereiro, o Brasil deu início a mais uma etapa de campanha de vacinação contra a Covid-19 no país com a chegada das doses bivalentes que ampliam a imunidade contra a variante Ômicron e aumentam a proteção dos grupos de risco. Porém, pouco mais de um mês depois, a cobertura vacinal está muito abaixo do esperado — apenas 12% dos 63 milhões de brasileiros aptos a se vacinar procuraram os postos de saúde.
Uma das principais razões para isso é o novo efeito dominante das fake news sobre os imunizantes nas redes. As postagens mais propagadas alegam que as vacinas seriam mais perigosas do que a própria doença e que teriam provocado uma série de infartos súbitos.
Porém, os números de ocorrências não aumentaram após o início da vacinação no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, organizados a pedido do Globo, o número de óbitos por infarto em 2021, ano do início da vacinação, praticamente foi o mesmo de dois anos antes, em 2019: na casa dos 95.000.
As mentiras são disseminadas muitas vezes intencionalmente por grupos que se beneficiam da não adesão às vacinas, mas o formato que dá uma “cara de notícia” leva diversas pessoas a compartilharem o conteúdo por desconhecimento. Especialistas ouvidos pelo Globo contam que uma das perguntas mais frequentes que têm recebido é de fato se as doses causam doenças cardiovasculares.
As fake news são um perigo para a saúde pública, e o Brasil não é imune à ação do movimento antivacina, afirmam. De acordo com uma pesquisa do Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal), publicada na Nature Medicine, enquanto a intenção de se vacinar contra a Covid-19 aumentou 5,2% na tendência mundial de 2021 para 2022, no Brasil houve uma queda de 3,3%.
Por isso, O Globo reuniu as 6 principais fake news sobre as vacinas bivalentes e explica por que elas são não são verdadeiras:
Vacina bivalente causa problemas cardíacos
Desde o início da vacinação, circula uma nota da Anvisa de 2021 que alerta sobre possíveis riscos de miocardite e pericardite, tipos de inflamação no coração, após o imunizante da Pfizer. Isso porque a análise das doses passa por um controle rígido das autoridades sanitárias, que monitoram qualquer efeito adverso das aplicações, ainda que sejam poucos.
De fato, o efeito foi confirmado, embora considerado extremamente raro — uma ampla análise com mais de 190 milhões de vacinados publicada na JAMA Network Open constatou pouco mais de oito ocorrências a cada um milhão de doses. A maioria dos casos se resolveram sozinhos, e os estudos comprovaram que a baixa incidência faz com que os benefícios ultrapassem, em muito, qualquer risco.
— Com as doses bivalentes, os efeitos adversos estão na mesma frequência que com as doses anteriores, elas não têm efeitos adicionais. Esses eventos, muito raros, existem, mas o risco é muito pequeno em relação ao enorme benefício em prevenir a evolução para Covid grave — diz o vice-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Alexandre Naime Barbosa, professor da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp).
Isso porque, do outro lado, a Covid-19 é uma doença que já foi associada a inúmeras complicações para não vacinados, inclusive de miocardite. Um trabalho com 43 milhões de britânicos, publicado na revista científica Circulation, mostrou que a doença oferece um risco até 11 vezes maior de desenvolver uma inflamação do miocárdio do que o observado pelas vacinas.
— Quem de fato tem capacidade de aumentar risco de doença cardiovascular e muitas outras doenças é a própria Covid-19. É indiscutível a relação do vírus com essas complicações, e a vacina bivalente é a mesma estrutura da que já foi aplicada em bilhões de doses pelo mundo, a segurança observada é a mesma — lembra a diretora do comitê de imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), Rosana Richtmann.
Recentemente, devido ao mesmo olhar atento de antes, a agência reguladora dos Estados Unidos, a Food and Drug Administration (FDA), afirmou investigar uma possível relação entre alguns casos de derrame e a aplicação da dose bivalente em idosos. Porém, as análises de mais de 4 milhões de indivíduos, junto ao contato com agências de outros países, “não indicaram nenhum risco aumentado de derrame”.
Nova dose foi testada em apenas oito camundongos
Outra fake news que repercutiu nas redes com o início da campanha com as doses bivalentes é que elas teriam sido testadas em apenas oito camundongos antes de serem liberadas para a população. A informação, no entanto, é falsa.
— De forma nenhuma seriam aprovadas se não houvesse estudos em humanos. O que aconteceu com as bivalentes é que foi observado um desfecho mais prático, em vez de se avaliar o impacto nas hospitalizações e óbitos, foi avaliada a imunidade induzida, o nível de anticorpos, a partir de dosagem no sangue. E os estudos comparativos mostraram que a bivalente induz uma produção maior e mais específica de anticorpos para as cepas da Ômicron — explica Naime Barbosa.
Os testes clínicos da dose bivalente da Pfizer, que conta com metade da formulação da cepa ancestral, e a outra metade da Ômicron BA.4/BA.5, contaram com 900 participantes nos Estados Unidos com idades a partir de 12 anos. Todos humanos.
Imunizante não aumenta proteção contra a Covid-19
Outro argumento que tem sido compartilhado é de que a vacina bivalente não seria necessária, pois não aumentaria a proteção contra a Covid-19. Porém, a imunologista e doutora em Biociências e Fisiopatologia, Letícia Sarturi, explica que a nova formulação induz uma resposta mais específica às variantes atuais do vírus, e por isso melhoram sim a resposta imunológica do organismo.
— A imunidade com a vacinação vai se especializando a cada nova dose, porque o sistema reconhece de maneira mais específica aquela proteína do vírus, gerando células de memória que duram mais tempo. Com as doses bivalentes, essa especialização é ampliada para as mutações da Ômicron, é uma nova parte do vírus que o sistema imune passa a reconhecer e combater melhor — explica a especialista.
Esse benefício na parte clínica tem sido comprovado por diversas análises. Uma revisão da Agência de Segurança da Saúde do Reino Unido (UKHSA) deste mês constatou que aqueles que receberam a dose bivalente tiveram uma redução de 52,1% nas hospitalizações pela Covid-19 em comparação com os vacinados há pelo menos seis meses que não receberam a aplicação extra.
Nos EUA, uma avaliação dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) identificou que a dose atualizada reduz em 41,2% os casos sintomáticos de Covid-19 em relação ao reforço com a dose antiga (monovalente) entre maiores de 65 anos. Ambos os estudos foram durante a prevalência das subvariantes BQ.1 e XBB.1.5, respectivamente.
— Mais de 50 milhões de doses da vacina bivalente já foram aplicadas nos Estados Unidos. Os dados de vida real até agora comprovam que ela aumenta a proteção contra a Covid-19, em especial contra as formas graves — afirma o diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Juarez Cunha.
Suprema Corte dos EUA suspendeu vacinação
Uma mensagem que circula em grupos de WhatsApp alega que a Suprema Corte dos Estados Unidos teria decidido que as doses contra a Covid-19 não são vacinas de verdade por envolverem uma tecnologia experimental e que, por isso, a aplicação teria sido suspensa. O caso teria chegado à Justiça por Robert F. Kennedy, sobrinho do ex-presidente John F. Kennedy, e abriria um precedente internacional, segundo a publicação.
A informação, porém, é completamente falsa. Não há qualquer caso do tipo que tenha sido julgado pela Corte americana sobre a legitimidade ou não das vacinas contra a Covid-19. Muito pelo contrário, o país segue com a campanha de imunização de forma ativa, ofertando as doses bivalentes a toda a população acima de seis meses de idade. Rosana, da SBI, lembra também que a tecnologia de RNA mensageiro não é experimental.
— Foi realizado um investimento muito grande para essas vacinas, o que acelerou o seu desenvolvimento e os testes, mas a tecnologia já estava em estudos até mesmo para tratamento do câncer. No meio desse caminho veio a pandemia, e o foco foi direcionado para a Covid-19 — explica.
Lula não recebeu a vacina de verdade
Depois do evento de lançamento da campanha de vacinação no Brasil, no último dia 27, diversos perfis nas redes sociais alegaram que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que recebeu a dose bivalente do vice-presidente, Geraldo Alckmin, durante a cerimônia, não teria se imunizado de verdade.
Os usuários afirmam que Alckmin teria “jogado o conteúdo da seringa fora” antes da aplicação, para que Lula não recebesse a dose. No entanto, o momento, capturado em vídeo, mostra que o vice-presidente, médico por formação, apenas moveu o êmbolo para retirar o ar da seringa antes de administrar a vacina, como é recomendado. Ainda que um pouco do líquido possa sair junto, é uma quantidade irrelevante que não compromete a imunização.
Vacinas causam variantes da Covid-19
Há ainda quem defenda que o avanço do novo coronavírus, com suas variantes e sublinhagens que provocam quadros de reinfecção, é consequência das vacinas. No entanto, os especialistas ouvidos pelo GLOBO explicam que a lógica é inversa.
— Nenhuma vacina da Covid-19 tem a capacidade de provocar novas variantes do vírus. É exatamente o contrário, o que estimula as variantes é a circulação do vírus. Então quanto menos pessoas vacinadas, maior a probabilidade de novas mutações — diz Cunha, da SBIm.
Isso acontece porque, embora a redução não seja tão significativa como a dos casos graves, os imunizantes também diminuem a chance de infecção e, consequentemente, de que o patógeno seja transmitido. Além disso, a proteção das vacinas ajuda a combater o vírus de forma mais rápida, dando menos tempo para ele se modificar no organismo.
— As mutações são geradas por replicações virais em excesso. Quando falamos que o vírus está se replicando muitas vezes isso é porque ele está infectando muitas pessoas, por isso as variantes têm relação com a disseminação da doença. As vacinas não poderiam acelerar isso porque elas induzem a nossa imunidade, então elas combatem o vírus e impedem o avanço da infecção — afirma Letícia.
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Fonte: Folha PE