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‘A Crucificação’, pintura de Jean François Portaels (1886)

O político e filósofo romano Cícero considerava a crucificação a punição “mais cruel e terrível” que poderia existir.

“Somente a palavra ‘cruz’ por si só deveria estar longe não apenas do corpo de um cidadão romano, mas também de seus pensamentos, de seus olhos, de seus ouvidos.”

“Das três formas mais brutais de executar alguém na antiguidade, a crucificação era considerada a pior”, disse Louise Cilliers, autora e pesquisadora do Departamento de Estudos Clássicos da Universidade do Estado Livre, na África do Sul, à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.

“Era seguida pela cremação e pela decapitação.”

“Foi uma combinação de absoluta crueldade e espetáculo para fazer o máximo de terror possível na população”, disse Diego Pérez Gondar, professor da Faculdade de Teologia da Universidade de Navarra.

Em muitos casos, a morte do executado ocorria dias após ser crucificado, diante do olhar dos transeuntes.

O corpo passava por um misto de sufocamento, perda de sangue, desidratação, falência de diversos órgãos, entre outros problemas.

Jesus, o homem que transformou o mundo com uma mensagem de paz, foi um dos muitos que morreram na cruz, um castigo cujas origens remontam a séculos.

Isto é o que se sabe de onde e como surgiu.

Os assírios

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Ilustração de um rei assírio de 883 a 859 aC. carregando uma oferenda aos deuses

No auge, o império assírio se estendia desde as costas do Golfo Pérsico até o que hoje é a Turquia e o Egito.

Sua última etapa é conhecida como império neoassírio, quando se tornou o maior do mundo até então.

Entre o ano 900 a. C e 600 a.C, aproximadamente, tornou-se uma grande civilização, uma superpotência tecnológica, graças à riqueza de seus mercadores e à crueldade de seus exércitos.

De fato, um de seus reis, Senaqueribe, é considerado o expoente original do que hoje é conhecido como guerra total.

Os assírios tiveram o cuidado de deixar testemunho não apenas de seu poder, mas também dos cruéis castigos que impuseram a seus rivais.

E embora os inimigos estivessem presentes na narrativa e no discurso da realeza em todo o Oriente Médio, isso se tornou “especialmente evidente nos textos e na arte neo-assírios, onde a guerra e o castigo dos inimigos são ainda mais importantes do que para outros reis” da região.

Assim escreveu a historiadora Eva Miller no artigo Crime and Testament: Enemy Direct Speech in Inscriptions of Esarhaddon and Ashurbanipal (Crime e testamento: discurso direto do inimigo nas inscrições de Assaradão e Assurbanípal) da revista especializada Journal of Ancient Near Eastern History.

Dessa forma, os inimigos deveriam estar no centro dessas manifestações de expressão para “poderem recriar sua subjugação e derrota”.

Postes

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Ilustração que mostra uma coleção de gravuras antigas da civilização assíria

De acordo com Cilliers, o castigo da crucificação provavelmente “se originou com os assírios e babilônios e foi usada sistematicamente pelos persas no século VI a.C”.

O professor Pérez aponta que as informações mais antigas disponíveis vêm de algumas decorações de palácios assírios.

“Nas paredes havia relevos com desenhos que representavam algumas batalhas e conquistas e a forma como os prisioneiros eram executados. Aparece a técnica da empalação, algo semelhante ao que seria uma crucificação.”

Um desses relevos, relata a historiadora Rebecca Denova, mostra “prisioneiros pendurados em postes, com o poste inserido em suas costelas”, após a conquista da cidade israelita de Laquis por Senaqueribe em 701 a.C.

“O objetivo dessa punição excruciante era enfatizar a crueldade e o terror que aguardavam os prisioneiros e rebeldes”, indicou em um artigo da World History Encyclopedia.

Cilliers, junto com F. P. Retief, escreveu o artigo The history and pathology of crucifixion (A história e patologia da crucificação) para o South African Medical Journal.

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Alexandre, o Grande, se tornou rei da Macedônia com apenas 20 anos de idade. E em pouco mais de uma década ele derrotou os persas e forjou um império que se estendia da Grécia à Índia.

No texto, eles explicam que os persas realizaram as crucificações em árvores ou postes em vez de uma cruz formal.

“Combinar a pena de morte com o escárnio do condenado e uma morte cruel era frequente e uma das técnicas era deixá-lo pendurado em um pedaço de madeira para que morresse de asfixia e cansaço”, disse Pérez.

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Flavio Josefo foi um historiador judeu

Disseminação

No IV a.C, Alexandre, o Grande, levou a punição para os países do Mediterrâneo oriental.

“Alexandre e suas tropas sitiaram a cidade de Tiro (atual Líbano), que era mais ou menos inexpugnável”, disse Cilliers.

“Quando finalmente entraram, crucificaram cerca de 2.000 habitantes.”

Os sucessores de Alexandre, o Grande, introduziram o castigo no Egito e na Síria, bem como em Cartago, a grande cidade norte-africana fundada pelos fenícios.

Durante as Guerras Púnicas, os romanos aprenderam a técnica e “a aperfeiçoaram por 500 anos”.

“Onde as legiões romanas iam, praticavam a crucificação.”

E em alguns lugares em que a implementaram, os locais a adotaram,

No ano 9 d.C, o líder alemão Arminio mandou crucificar os soldados do general romano Varo, após um confronto conhecido como a batalha da Floresta de Teutoburgo (hoje território alemão) e que representou uma derrota humilhante para os romanos.

No ano 60 DC. C., Boudica, a rainha da tribo britânica dos Iceni, liderou uma grande revolta contra os invasores romanos e crucificou vários de seus legionários.

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Terra Santa

Em Israel, antes da chegada dos romanos, esse tipo de castigo também foi usado.

“Temos fontes que falam de crucificações anteriores à dominação romana na Terra Santa”, disse Pérez.

A informação surgiu graças ao historiador, político e soldado judeu Flávio Josefo, nascido em Jerusalém no século I.

Um de seus relatos é sobre o que aconteceu durante o reinado de Alexandre Janeu (125 a.C-76 a.C), que governou os judeus por 27 anos.

Depois de conquistar vários territórios vizinhos, o líder expandiu a dinastia asmoneu ao seu apogeu.

No entanto, ele intensificou o conflito entre os fariseus e os asmoneus, iniciando uma guerra que deixou milhares de mortos.

“Enquanto ele estava celebrando com suas concubinas em um lugar visível, ele ordenou a crucificação de cerca de oitocentos judeus e a morte de seus filhos e esposas diante dos olhos dos infelizes que ainda estavam vivos”, escreveu Flávio Josephus sobre o que aconteceu no ano 88 a.C.

Os romanos

De acordo com o artigo de Cilliers e Retief, os romanos também chegaram a crucificar os condenados em árvores ou postes, mas incorporaram uma variedade de cruzes, como uma cruz em forma de X (crux decussata).

“No entanto, na maioria dos casos, eles usavam a familiar cruz latina (crux immissa) ou tau (T) cruz (crux commissa). Essas cruzes podiam ser altas (crux sublimis), mas as baixas (crux humilis) eram mais comuns, e consistiam em um poste vertical (stipes) e uma barra transversal (patibulum)”.

O condenado era obrigado a carregar a parte horizontal da cruz até o local da execução.

As mulheres de Jerusalém, dizem os autores, ofereciam ao condenado uma bebida que tinha efeitos analgésicos.

“Se ele não estava nu, sua roupa era removida e ele era deitado de costas com as mãos estendidas ao longo do patíbulo.”

Amarravam os braços à trave ou cravavam pregos nos pulsos e não tanto nas palmas das mãos porque às vezes não suportavam o peso do corpo, rasgavam e se soltavam.

Os pregos podiam medir até 18 cm de comprimento e 1 cm de espessura.

Procedimento

Quando o condenado estava preso à trave horizontal, era levantado e fixado na estaca vertical que já estava cravada no chão.

Os pés podiam ser amarrados ou pregados no poste vertical, um de cada lado ou os dois ao mesmo tempo, um em cima do outro.

Nesse caso, explicam os autores, um único prego era cravado nos metatarsos de ambos os pés, enquanto os joelhos estavam flexionados.

A dor era inimaginável, “muitos nervos eram tocados”, destacou o professor Pérez.

“Você tinha que forçar as pernas naqueles pregos para poder sentar e respirar.”

E nessas tentativas, “perdia-se muito sangue, havia uma dor tremenda, mas se não fizesse isso, morria sufocado”.

Em muitos casos, era uma morte lenta, alcançada após uma falência de múltiplos órgãos.

Isso, explicam Cilliers e Retief, era causado por um colapso circulatório devido ao choque hipovolêmico.

Os condenados sofriam “diminuição do volume de sangue (hipovolemia) devido à perda traumática de sangue e desidratação, mas talvez principalmente por insuficiência respiratória”.

Muitos morriam por asfixia.

Horas, dias de agonia

A crueldade da execução também se refletia no fato de que muitos dos executados demoravam dias para morrer, embora também pudessem morrer em questão de poucas horas.

“Como normalmente levavam dias para morrer, em alguns casos o que os soldados faziam para acelerar a morte era bater nos joelhos e quebrar as pernas. Dessa forma, o condenado não conseguia se levantar nem um pouco para respirar usando os músculos das pernas, isso fazia com que morressem em seguida”, contou Pérez.

Segundo o relato bíblico, os soldados romanos implementaram essa medida com outras pessoas que haviam sido crucificadas com Jesus, mas não fizeram isso com ele porque já havia morrido.

“E é que antes ele havia sofrido uma tremenda penalidade, tipicamente romana, a flagelação”, disse o acadêmico.

“Jesus já tinha sido espancado com flagelos, uma espécie de chicote com pedaços de metal, ossos pontiagudos, lâminas, tinha perdido muito sangue. Aliás, teve gente que morreu só com a flagelação.”

‘Os piores inimigos’

Amarrado ou pregado, o castigo da crucificação buscava “expor e humilhar” o condenado.

“Era uma morte reservada aos piores inimigos para deixar claro que não queriam ver ninguém cometendo o mesmo crime.”

Aplicava-se também a escravos e estrangeiros, muito raramente a cidadãos romanos.

“Em muitos casos, estava associado a traição, a levantes militares, a terrorismo, a algum crime que teria levado a derramamento de sangue, ou seja, quando alguém era especialmente violento, também era punido com violência especial”.

“É por isso que é muito impressionante que Jesus tenha sido crucificado, ele era um mestre que não havia cometido nenhum crime.”

“Mas também é impressionante que eles percebessem isso como um perigo, já que o que representava mudou o mundo.”

“E aqueles que não queriam que o mundo mudasse não apenas tentaram acabar com ele, mas com a forma como decidiram executá-lo, tentaram deixar claro que (sua mensagem) não deveria continuar.”

Mas ele continuou.

Constantino I aboliu a punição da crucificação no século IV d.C. e se tornou o primeiro imperador romano a professar o cristianismo.

Ele legalizou e seus seguidores ganharam privilégios que as religiões tradicionais perderam, levando à cristianização do império.

No entanto, a punição foi repetida em outro lugar. Por exemplo, no século XVI no Japão, 26 missionários foram crucificados, o que é considerado o início do que foi um longo período de perseguição contra os cristãos naquele país.

Apesar de seu passado cruel, a cruz representa para muitos cristãos e não cristãos uma mensagem de entrega por amor.