Quando um ataque violento a uma escola acontece, aumenta a probabilidade de ataques semelhantes se repetirem, o que é chamado por especialistas de “efeito contágio”.
Segundo Michele Prado, pesquisadora do Monitor do Debate Político no Meio Digital da USP (Universidade de São Paulo), este fenômeno pode ajudar a explicar a proximidade entre os ataques dessa quarta-feira (5/4) a uma creche em Blumenau (SC), e o atentado a uma escola de São Paulo, que deixou uma professora morta e quatro pessoas feridas ao fim de março.
E a especialista em radicalização alerta: novos ataques podem acontecer.
“Estamos no que chamamos de ‘janela de efeito contágio’, quando há um potencial de imitadores”, diz Prado.
“Quando a mídia publica imagens do agressor ou cenas do atentado, tudo isso potencializa esse efeito contágio para outros que estão sendo radicalizados. Eles se sentem mais mobilizados a cometer atentados que já estavam planejando.”
Segundo Prado, a literatura mostra que essa “janela” dura cerca de 13 ou 14 dias após um ataque acontecer e ganhar notoriedade.
“O ataque de Blumenau parece estar ligado a subculturas extremistas online. Algumas dessas subculturas vêm planejando atentados simultâneos. Então há um potencial grande para o ataque de hoje não ser único”, alerta a especialista.
Em coletiva de imprensa na tarde desta quarta-feira, o delegado-geral da Polícia Civil de Santa Catarina, Ulisses Gabriel, afirmou que o ataque em Blumenau foi um “caso isolado” e que não há indícios de que o ato foi coordenado por outros indivíduos por meio de redes sociais, jogos ou outras plataformas virtuais.
Prado observa que o atentado de São Paulo em 27 de março foi muito comemorado nessas subculturas de ódio online, pelo fato de, mesmo tendo sido realizado com arma branca, ter resultado em morte.
“Em algumas dessas subculturas, eles já estavam anunciando e instruindo que os alvos deveriam ser mais vulneráveis. Então o agressor de Blumenau pode ter buscado uma creche, pois ali as vítimas são mais vulneráveis a um ataque de arma branca”, avalia a pesquisadora.
Antes do caso de Blumenau, e sem incluir na conta um ataque a faca em escola no Rio de Janeiro, 11 desses casos haviam sido registrados somente em 2022 e 2023. Com os dois casos mais recentes, portanto, os últimos dois anos já superam em número de ataques os 20 anos anteriores.
Levantamento feito por pesquisadores da Unicamp chegam a números semelhantes.
Considerando apenas casos envolvendo alunos e ex-alunos como agressores, o grupo liderado pela pesquisadora Telma Vinha, registra 22 ataques entre 2002 e 2023, sendo 10 deles nos últimos dois anos.
A maioria dos agressores são jovens (de 10 a 25 anos), brancos e do sexo masculino.
O que Estado, escolas e sociedade podem fazer
Para Daniel Cara, professor da Faculdade de Educação da USP e um dos coordenadores da equipe de transição do governo de Luiz Inácio Lula da Silva para a área de Educação, o avanço no número de ataques é fruto de uma sociedade que tem sido vitimizada pela falta de perspectiva dos jovens.
“É uma sociedade que não tem enfrentado a emergência do discurso de ódio, que é um problema global, não um caso específico do Brasil”, diz o educador.
Para Cara, entre as culturas mobilizadoras desses ataques estão a do ódio às mulheres, a do racismo e a exaltação de símbolos neonazistas e fascistas. “Esse é um tema que o Brasil resiste a enfrentar”, avalia.
Cara lembra que, durante os trabalhos da equipe de transição do novo governo, aconteceu o caso do ataque a escola em Aracruz, no Espírito Santo, que deixou quatro mortos e ao menos 11 feridos em dezembro de 2022.
Foi esse caso que motivou a elaboração do relatório O extremismo de direita entre adolescentes e jovens no Brasil: ataques às escolas e alternativas para a ação governamental, produzido por um grupo multidisciplinar de pesquisadores e que traz recomendações de políticas públicas para enfrentar esse problema.
Segundo o especialistas, trata-se de uma questão complexa, multifatorial e que necessita de uma articulação da sociedade para o enfrentamento adequado.
Entre as prioridades nesse enfrentamento ele cita a necessidade de monitoramento do discurso de ódio na internet; realização se campanhas de conscientização e condenação social sobre ataques nas escolas; processos de formação nas escolas sobre o risco de ataques e prevenção a eles; além de protocolos para lidar com ataques e para evitá-los.
“Essa é a maior urgência, porque, por exemplo, a própria forma como a imprensa tem lidado com os ataques acaba realizando o objetivo dos atacantes: ter a imagem deles divulgada, ganhar notoriedade. Por isso o efeito [do ataque] de São Paulo gerou gatilhos”, observa o especialista.
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