- Author, Alejandro Millán Valencia
- Role, Da BBC News Mundo
Após a rendição em maio de 1945 e o fim da Segunda Guerra Mundial, a Alemanha era um país em ruínas, com pouca mão de obra disponível para sua reconstrução.
Em três anos, os poderosos bombardeios dos aliados haviam transformado cidades como Dresden, Berlim, Hamburgo e Colônia em montanhas de escombros.
Estima-se que cerca de oito milhões de moradias foram arrasadas pelas bombas, sem falar na infraestrutura destruída, como pontes, estradas e ferrovias, além de redes de água, esgoto, gás e eletricidade.
Mesmo com o empenho generalizado para reconstruir o país, a mão de obra disponível era pouca nos dois lados da Alemanha, oriental e ocidental. Afinal, 15 milhões de homens foram mortos no conflito ou capturados pelas tropas inimigas.
“Havia escombros por toda parte, além de armas e munições deixadas para trás pelos soldados”, segundo Helga Cent-Velden – uma das milhares de mulheres que se encarregaram de limpar, recolher os escombros e ajudar na reconstrução de uma Alemanha destruída e dividida após a guerra.
Seu trabalho consistia em ajudar a remover das principais cidades do país 500 milhões de metros cúbicos de escombros, segundo as estimativas da época. O volume era suficiente para construir 150 pirâmides de Gizé.
Estas mulheres ficaram conhecidas como as “mulheres dos escombros” (“Trümmerfrauen”, em alemão). Elas se tornaram um dos símbolos da reconstrução da Alemanha após os estragos da guerra. Existem monumentos dedicados às mulheres dos escombros em muitas cidades alemãs, em agradecimento pelo seu trabalho.
“Estas mulheres são o símbolo do renascimento. Elas saíram às ruas da Alemanha para que fosse novamente possível viver no seu país. Isso as torna uma espécie de mito”, declarou a historiadora Jane Freeland, da Universidade Queen Mary de Londres, à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Tudo isso, segundo Freeland, “especialmente porque os escombros que elas estavam recolhendo foram produzidos por bombas que destruíram os lugares onde elas moravam. Elas estavam limpando os destroços de uma guerra que haviam perdido”.
Ressurge a Fênix
Durante a Segunda Guerra Mundial, a Alemanha nazista foi constantemente bombardeada pelos esquadrões aliados. E, enquanto duraram os combates, a maioria dos escombros era recolhida pelas pessoas encarceradas nos campos de concentração.
Mas, quando a guerra terminou e as potências aliadas assumiram o controle do território alemão, o processo de remoção dos escombros passou a ser trabalho das pessoas que permaneceram no país.
Helga Cent-Velden era uma dessas pessoas. Ela morava em Dresden, no nordeste da Alemanha, uma das cidades mais atingidas pelos bombardeios aliados. Ela foi convocada pelo Conselho de Controle Aliado para o processo de limpeza.
“Fomos divididas em dois grupos”, ela conta. “A única coisa que víamos era destruição e ruínas. Nosso trabalho consistia em recolher os escombros e, se não houvesse neles nada perigoso, colocá-los dentro das crateras abertas pelas bombas.”
“Se encontrássemos algo perigoso, como uma granada, eles nos pediam que as colocássemos em um lago próximo. Fizemos isso durante vários dias”, recorda Cent-Velden.
Com o passar do tempo, ela percebeu que o processo seria muito maior do que a simples limpeza dos escombros. Era preciso reconstruir a partir do zero.
“Um dia, eles me levaram para um edifício localizado na rua Potsdamer”, ela conta. “Era um prédio que havia desabado, mas uma parte permaneceu de pé. A mulher que estava comigo disse que precisávamos limpar para que ele pudesse ser remodelado.”
“Mas não havia nada para remodelar ali”, prossegue Cent-Velden. “Não havia teto, não havia janelas. Levamos nove meses para retirar os escombros, só daquele lugar.”
As colunas (“Kolonnen”, em alemão) das mulheres dos escombros estenderam-se pelas regiões alemãs controladas tanto pela União Soviética, quanto pelos Estados Unidos, França e Reino Unido.
Cent-Velden conta que o trabalho foi feito, especialmente no início, sem a ajuda de máquinas pesadas. “Agradeci no dia em que me deram luvas”, relembra ela.
Diversos historiadores ressaltam que o pagamento pela retirada de escombros pesados, quase sem maquinário, era abaixo do esperado.
“Fomos principalmente nós, as mulheres, que abrimos o caminho com pás entre os escombros do centro de Aachen, que ficou totalmente destruído, em troca apenas de um prato de sopa dos americanos”, declarou a um jornal local a Trümmerfrau Elisabeth Stock.
Mas o trabalho das mulheres trouxe vários outros benefícios.
“Esses escombros foram os que depois serviram não só para tampar as crateras deixadas pelas bombas, mas também para construir ferrovias e edifícios”, destaca Freeland.
Pouco tempo depois, o Conselho de Controle Aliado contratou serviços profissionais de remoção de escombros. Mas esses serviços continuaram contando com as mulheres que trabalharam na primeira etapa.
“Foi um processo impressionante”, segundo Freeland. “Nas décadas de 1950 e 1960, enquanto ainda podiam ser observados vestígios das bombas em Londres e em outras cidades europeias – e existem até séries de TV dos anos 1960 sobre esses lugares -, a reconstrução estava quase terminada na Alemanha Ocidental.”
Para a historiadora, o trabalho desempenhado pelas mulheres foi fundamental para permitir a reconstrução de um país que, hoje, é a principal potência econômica da Europa.
“Elas simbolizam essa ideia de ‘ave fênix’ que possibilitou à Alemanha recuperar-se, renascer e tornar-se novamente o país que elas queriam, onde é possível viver”, acrescenta Freeland.
Desmistificando a história
A lenda das mulheres dos escombros perpetuou-se na sociedade alemã.
Monumentos foram erguidos monumentos em homenagem a elas. As mulheres foram condecoradas e, por anos, foram escritos livros contando como elas limparam e deram início ao caminho para a reconstrução da Alemanha, na falta de homens disponíveis para o trabalho pesado.
Mas, nos últimos anos, alguns acadêmicos destacaram que seu trabalho, ainda que importante, não teve a dimensão sugerida por muitos textos históricos.
“Em Berlim, cerca de 60 mil mulheres participaram da retirada dos escombros. Esta é apenas uma parte do total de mulheres que moravam em Berlim naquela época”, segundo a historiadora Leonie Treber, no seu livro Mythos Trümmerfrauen (“O mito das mulheres dos escombros”, em tradução livre).
Treber afirma que não se trata de menosprezar o “caráter heroico” das mulheres, mas de ser fiel ao que aconteceu naqueles anos.
“Embora seja verdade que muitos homens haviam morrido e outros estavam presos, a verdade é que, na Alemanha, muitos homens também participaram dessa reconstrução”, destaca ela. “O Conselho Aliado contratou empresas dirigidas por homens para fazer esse trabalho.”
Outro ponto destacado pela autora no seu livro é que, diferentemente do indicado por acadêmicos e políticos que homenagearam as mulheres dos escombros, salientando o que elas “fizeram de forma voluntária”, houve, na verdade, uma ordem que as obrigava a apresentar-se para realizar o trabalho nas principais cidades do país.
“O papel da mulher na reconstrução da Alemanha após a guerra foi heroico e houve muitos exemplos de mulheres empoderadas, trabalhadoras e fortes, mas a verdade é que elas foram uma minoria”, afirma Treber.
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