- Author, Jocelyn Timperley
- Role, Da BBC Future
Se um povo alienígena viesse à Terra e alinhasse os seres humanos ao lado dos outros primatas, as primeiras diferenças que eles poderiam observar seriam a nossa posição ereta, nossas formas exclusivas de comunicação – e o corpo humano aparentemente sem pelos.
Em comparação com a maioria dos mamíferos, os seres humanos não costumam ter pelos (a não ser, claro, pelas conhecidas exceções). Poucos mamíferos têm essa mesma característica, como o rato-toupeira-pelado, o rinoceronte, a baleia e o elefante.
Mas por que acabamos ficando sem pelos? A pele desnuda trouxe algum benefício para nós? E como explicar a presença de grossos e densos cabelos em algumas partes do corpo?
Na verdade, é claro que os seres humanos têm muitos pelos. Em média, existem cerca de cinco milhões de folículos de pelos na superfície do nosso corpo.
Mas a maior parte dos folículos dos corpos humanos produz filamentos finos, curtos e difusos, que crescem a partir de folículos rasos, diferentes dos pelos mais profundos e espessos encontrados apenas na nossa cabeça e, após a puberdade, nas axilas, regiões púbicas e, principalmente entre os homens, no rosto.
“Tecnicamente, temos pelos em todo o corpo, mas são folículos em miniatura”, afirma Tina Lasisi, bioantropóloga da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, especializada na ciência da pele e dos cabelos. “Mas eles são miniaturizados a ponto de, funcionalmente, não nos protegerem mais.”
Os cientistas não sabem ao certo qual o motivo que levou a essa mudança, transformando nossos pelos crespos e espessos nesses filamentos leves. Eles também não sabem exatamente quando isso aconteceu.
Mas diversas teorias sugerem o que pode ter causado a queda dos nossos pelos do corpo.
A opinião dominante entre os cientistas é a chamada hipótese do “resfriamento do corpo”, também conhecida como a “hipótese da savana”. Segundo ela, a crescente necessidade de termorregulação dos primeiros humanos teria levado à perda dos pelos.
Durante o período Pleistoceno, o Homo erectus e outros hominídeos começaram a praticar na savana aberta a caça de persistência, perseguindo suas presas por várias horas até levá-las à exaustão. Este método eliminava a necessidade de instrumentos de caça sofisticados, que só surgiriam mais tarde, segundo os registros fósseis.
Este exercício de resistência pode ter colocado os hominídeos em risco de superaquecimento. Daí, a perda de pelos, que teria permitido que eles suassem com mais eficiência e se refrescassem com maior rapidez, sem precisar fazer intervalos para recuperação de energia.
As evidências desta teoria vêm de estudos que encontraram alterações em alguns dos genes responsáveis por determinar se certas células se desenvolvem para formar glândulas sudoríparas ou folículos capilares.
“Tudo isso tem um caminho de desenvolvimento relacionado”, segundo Lasisi.
“Se analisarmos em combinação com algumas conclusões que conseguimos tirar sobre genes que aumentaram a pigmentação da pele humana, podemos imaginar, com um pouco de confiança, que, 1,5 a 2 milhões de anos atrás… os seres humanos (no processo de evolução) provavelmente perderam os pelos do corpo”, acrescenta.
Uma teoria relacionada, elaborada nos anos 1980, indica que a mudança para a posição bípede vertical reduziu os benefícios dos pelos para refletir a radiação dos nossos corpos (exceto no alto da cabeça). Como conseguimos suar melhor sem pelos, eles se tornaram relativamente menos benéficos para os seres humanos.
A hipótese de resfriamento do corpo, aparentemente, faz todo sentido e pode ter alguma razão. Mas ela apresenta falhas em alguns campos, segundo o professor de biologia evolutiva Mark Pagal, da Universidade de Reading, no Reino Unido.
“Quando estudamos o aquecimento do nosso corpo por um período de 24 horas, nós perdemos mais calor à noite que o desejado”, argumenta ele. “Por isso, o efeito médio de perder os pelos é que estamos todo o tempo com uma espécie de déficit de energia.”
Pagal também observa que existem muitas populações humanas que não praticam corrida de resistência há dezenas de milhares de anos, mas seus pelos não cresceram de volta, ainda que muitas delas agora vivam em regiões muito frias do planeta.
Já Lasisi afirma que a hipertermia – temperatura do corpo mais alta que o normal – provavelmente teria sido um problema muito maior que o seu oposto (a hipotermia) na África equatorial, onde evoluíram os seres humanos.
“Parece para mim que existe uma pressão um pouco mais forte para não sobreaquecer, não necessariamente para manter o calor”, afirma ela.
Lasisi também indica que muitas características genéticas podem ficar canalizadas – sua nova evolução em formas diferentes é difícil.
E, quando os seres humanos chegaram aos ambientes mais frios, eles já haviam desenvolvido outras tecnologias para manter o calor, como o fogo e as roupas.
Ela acrescenta que os seres humanos provavelmente também desenvolveram outras adaptações fisiológicas ao frio, como a adaptação da gordura marrom, por exemplo.
Em 2003, Pagal e seu colega Walter Bodmer, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, apresentaram outra explicação para a perda dos pelos humanos. Eles a chamaram de hipótese dos ectoparasitas.
Para eles, macacos sem pelos teriam sofrido com menos parasitas, o que é uma vantagem importante.
“Se você olhar pelo mundo, os ectoparasitas [ainda] são um enorme problema, como as moscas que picam e transmitem doenças”, explica Pagal. “E essas moscas se especializaram em pousar e viver nos pelos e ali depositar seus ovos… Os parasitas provavelmente foram e ainda são uma das maiores forças seletivas da nossa história evolutiva.”
Pagal afirma que “nada surgiu para nos fazer questionar” esta hipótese, desde que ele e Bodmer a apresentaram pela primeira vez.
Lasisi afirma que ela não exclui a possibilidade de outros fatores que contribuíram para a perda dos pelos humanos.
“Você precisa realmente se perguntar por que isso aconteceria com os seres humanos e não com os chimpanzés, os bonobos ou os gorilas”, afirma ela.
“Sou inclinada a me concentrar em hipóteses que possam sugerir comportamentos ou migrações para lugares que teriam separado os seres humanos dos outros primatas, de forma que a perda dos pelos fosse necessária”, explica Lasisi.
A hipótese do primata aquático
Outra teoria – esta, improvável – é a hipótese do primata aquático, proposta pela primeira vez em 1960 e hoje praticamente abandonada.
Segundo esta teoria, os chimpanzés que, um dia, transformaram-se em seres humanos eram diferentes dos outros primatas por terem se adaptado para passar parte significativa do tempo na água.
E as adaptações decorrentes explicam algumas características dos seres humanos modernos, como a falta de pelos e o bipedalismo.
O problema desta hipótese é que “antropologicamente, não existe um vestígio de evidência de que nós evoluímos nas praias ou perto da água, [nem que] tivemos uma fase aquática”, segundo Pagal. “É uma pena.”
Outros cientistas salientam que mamíferos semiaquáticos, como as lontras e os ratos-dos-lameiros, têm muitos pelos. Por que, então, os seres humanos teriam perdido seus pelos por esta razão?
Outras hipóteses
Um fator para a perda de pelos dos seres humanos pode ter sido o desenvolvimento de roupas feitas com a pele de outros animais, que os humanos podiam retirar e lavar quando necessário.
Neste caso, poderíamos definir a época da nossa perda de pelos em 100 mil a 200 mil anos atrás, muito depois do sugerido pela hipótese do resfriamento do corpo. Esta estimativa é baseada na época em que surgiram os primeiros piolhos do corpo humano, que vivem apenas nas roupas.
Pagal afirma que é levado a acreditar que essa linha do tempo é a mais provável para a maior parte da perda de pelos humanos, embora “ninguém realmente saiba”, já que o cabelo raramente se fossiliza.
Charles Darwin acreditava que a nossa perda de pelos ocorreu devido à seleção sexual – nossos ancestrais simplesmente preferiam parceiros menos peludos. Mas a maioria dos pesquisadores hoje descarta esta possibilidade como a principal causa da perda de pelos.
Quando pensamos sobre a falta de pelos dos seres humanos, uma questão óbvia sempre aparece: por que ainda temos cabelos na cabeça, nas regiões púbicas e nas axilas?
“O que parece fazer sentido é que os seres humanos podem ter mantido os cabelos da cabeça, até fazendo crescer cabelos mais longos e especialmente ondulados, para minimizar o ganho de calor da radiação solar”, afirma Lasisi. Ela estudou este tema na sua tese de PhD e os resultados devem ser publicados em breve.
Particularmente, o cabelo humano, quando firmemente enrolado, forma uma estrutura complexa com bolsões de ar em aberto. Esta estrutura permite que o calor seja dissipado de forma muito eficaz, minimizando a quantidade de calor que chega ao couro cabeludo, segundo Lasisi.
“Quanto mais espaço você colocar entre o local atingido pela radiação solar (o topo da cabeça) e a parte que você quer proteger (que é o couro cabeludo), melhor você fica”, explica ela.
Com relação à região púbica e às axilas, Lasisi acredita que possa ser o chamado “spandrel” – um subproduto da evolução de outra característica – ou, potencialmente, um resíduo de ancestrais primatas que usavam feromônios para comunicar-se entre si. Não existem boas evidências que demonstrem que os seres humanos usem feromônios hoje em dia.
Feronômios são substâncias químicas produzidas internamente e que são expelidas para o exterior do corpo como estímulo de comunicação entre elementos da mesma ou de outra espécie.
Independentemente das causas da perda de pelos humanos, é extremamente provável que ela tenha coincidido com a pigmentação mais escura da pele entre os primeiros humanos, onde os pelos corporais antes eram necessários para proteção contra a radiação ultravioleta.
“É a conclusão lógica que podemos fazer”, segundo Lasisi. “Pode ser que alguns seres humanos simplesmente acabaram nascendo com corpos totalmente sem pelos e aquilo então se tornou uma adaptação conjunta com o desenvolvimento de pele mais escura por alguns daqueles humanos.”
“Ou talvez tenha havido uma redução um pouco mais gradual dos pelos que ocorreu com o aumento levemente mais gradual da pigmentação da pele”, explica ela.
A importância dos estudos
Embora seja interessante analisar como perdemos nossos pelos, pode parecer algo menos relevante para nossas vidas hoje em dia. Mas pesquisas indicam que o aumento da nossa compreensão pode ter implicações para pessoas com perda indesejada de cabelos, como a calvície, quimioterapia ou distúrbios que causam a queda de cabelos.
No início de 2023, o geneticista Nathan Clark, da Universidade de Utah, em conjunto com suas colegas Amanda Kowalczyk e Maria Chikina, da Universidade de Pittsburgh, ambas nos Estados Unidos, pesquisaram os genes de 62 mamíferos – incluindo os seres humanos – em busca de mudanças genéticas presentes nos mamíferos sem pelos, mas inexistentes nos seus primos peludos.
Eles concluíram que os seres humanos aparentemente possuem os genes que fornecem a cobertura completa de pelos do corpo, mas a nossa regulação genômica atualmente impede a sua expressão.
Eles também descobriram que, quando uma espécie perde os pelos, isso ocorre devido a mudanças repetidas do mesmo conjunto de genes e encontraram ainda diversos genes novos envolvidos no processo.
“Alguns desses genes [novos] não haviam realmente sido caracterizados antes, pois as pessoas não haviam realizado muitos rastreamentos genéticos sobre a presença e a ausência de pelos no passado”, afirma Clark. “Parece que [eles] talvez sejam controladores máster que podem ser manipulados no futuro, se as pessoas quiserem estimular o crescimento dos cabelos.”
Você precisa fazer login para comentar.