- Author, Peter Hoskins
- Role, Da BBC News
O desaparecimento no mês passado do empresário chinês Bao Fan reacendeu o interesse em um fenômeno recente do país: o desaparecimento de bilionários.
O fundador da China Renaissance Holdings — com uma lista de clientes que inclui as gigantes Tencent, Alibaba e Baidu — é visto como um magnata no setor de tecnologia do país.
O caso de Bao segue um padrão já conhecido: ele esteve sumido por dias, até que sua empresa anunciou que estava “cooperando em uma investigação realizada por certas autoridades da República Popular da China”.
Como também é comum, ainda não há informações sobre qual órgão do governo está conduzindo a investigação, do que ela se trata ou qual o paradeiro atual de Bao.
O mistério que envolve seu desaparecimento ocorre depois que vários líderes empresariais chineses desapareceram nos últimos anos, incluindo o chefe da Alibaba, Jack Ma.
Embora bilionários desaparecidos tendam a receber muito mais atenção, também houve vários casos menos divulgados de cidadãos chineses desaparecidos após participarem, por exemplo, de protestos contra o governo ou de campanhas de direitos humanos.
O desaparecimento de Bao reforça a tese de que esta é uma das formas usadas pelo presidente Xi Jinping para garantir seu controle sobre a economia da China.
Isso tudo aconteceu em meio ao anúncio no Congresso Nacional do Povo (NPC) de planos para a maior revisão dos últimos anos no sistema de regulação do setor financeiro da China.
Um novo órgão regulador será criado para supervisionar a maioria dos setores financeiros. As autoridades disseram que isso fecharia as brechas do sistema atual, em que várias agências — em vez de um só órgão —monitoram diferentes aspectos da indústria de serviços financeiros.
Somente em 2015, pelo menos cinco executivos estão incomunicáveis, incluindo Guo Guangchang, presidente do conglomerado Fosun International, mais conhecido no Ocidente por ser dono do Wolverhampton Wanderers, time de futebol da Premier League inglesa.
Guo desapareceu em dezembro de 2015. Posteriormente, sua empresa anunciou que ele estava ajudando nas investigações.
Dois anos depois, o empresário sino-canadense Xiao Jianhua foi detido em um hotel de luxo em Hong Kong. Ele era uma das pessoas mais ricas da China. No ano passado, ele foi preso por corrupção.
Em março de 2020, o magnata do setor imobiliário Ren Zhiqiang desapareceu depois de chamar Xi de “palhaço” por sua gestão da pandemia de covid. Naquele mesmo ano, em um julgamento que durou um dia, Ren foi condenado a 18 anos de prisão por corrupção.
O bilionário sumido de maior destaque é o fundador do Alibaba, Jack Ma, que era a pessoa mais rica da China. Ele desapareceu no final de 2020 após criticar os reguladores financeiros do país.
O plano de listar em bolsa as ações da sua gigante de tecnologia financeira, o Ant Group, foi abandonado.
E apesar de doar quase US$ 10 bilhões para o fundo ‘Prosperidade Comum’, ele não é visto na China há mais de dois anos. Ele não foi acusado de nenhum crime.
O paradeiro de Ma ainda é incerto, embora haja relatos de que ele foi visto no Japão, Tailândia e Austrália nos últimos meses.
O governo chinês insiste que as ações tomadas contra algumas das pessoas mais ricas do país são estritamente legais e prometeu erradicar a corrupção. Mas as ações de Pequim também ocorrem no contexto de décadas de liberalização do que é hoje a segunda maior economia do mundo.
A abertura chinesa gerou uma casta de bilionários que, com sua imensa riqueza, tinham potencial para exercer um poder considerável no país.
Agora, segundo analistas, o Partido Comunista Chinês sob o comando de Xi quer retomar esse poder. E isso está sendo feito em meio a muito mistério.
As grandes empresas, especialmente a indústria de tecnologia, viram seu poder crescer sob as políticas dos antecessores de Xi no poder — Jiang Zemin e Hu Jintao.
Antes disso, o foco de Pequim estava em controlar os centros tradicionais de poder, como militares, indústria manufatureira e governos locais.
Analistas acreditam que Xi manteve um controle rígido sobre essas áreas e ampliou seu foco para outros setores. Sua política de Prosperidade Comum desencadeou repressões a diversos setores da economia. A indústria de tecnologia foi uma das principais atingidas.
“Às vezes, esses incidentes são orquestrados de forma a enviar uma mensagem mais ampla, particularmente para uma indústria ou grupo de interesse específico”, diz Nick Marro, analista da The Economist Intelligence Unit, à BBC.
“No final das contas, isso reflete uma tentativa de centralizar o controle e a autoridade sobre uma certa parte da economia, que tem sido uma característica fundamental do estilo de governança de Xi na última década”, acrescentou.
“Pequim continua focado em garantir que grandes plataformas e players de tecnologia não desenvolvam suas próprias marcas e influências que os tornem difíceis de controlar e mais propensos a ir contra as preferências do governo”, diz Paul Triolo, chefe de política de tecnologia da empresa de consultoria Albright Stonebridge Group.
Para a política de Prosperidade Comum, é fundamental que as mesmas regras sejam aplicadas tanto aos ricos quanto aos pobres.
Pequim sustenta que a política visa reduzir a crescente diferença de riqueza, que muitos acreditam ser uma questão importante que pode minar a posição do Partido Comunista se não for abordada.
A desigualdade está crescendo na China e acredita-se que Xi está sendo pressionado por ultraesquerdistas que querem voltar às raízes socialistas do partido.
O mistério em torno do desaparecimento dos bilionários e outras preocupações mais amplas sobre como Pequim lida com o mundo dos negócios podem ter consequências importantes.
Alguns analistas sugerem que o governo corre o risco de desencorajar novos talentos empresariais.
“O perigo para Pequim de transformar bilionários tecnológicos em alvos é colocar mais pressão sobre os empreendedores que esperam se tornar o próximo Jack Ma”, disse Triolo.
Xi parece estar ciente do risco de assustar os empresários. Em um discurso aos delegados do Congresso nesta semana, ele enfatizou a importância do setor privado para a China.
Mas ele também pediu às empresas privadas e aos empresários que “sejam ricos e responsáveis, ricos e justos, ricos e amorosos”.
Além do anúncio de um novo órgão para supervisionar o setor financeiro, os banqueiros também foram alertados no mês passado para não seguirem o exemplo de seus colegas ocidentais “hedonistas”.
Analistas veem isso como mais um sinal de que Xi está de olho no sistema financeiro.
“Nos últimos meses, temos visto indícios da agenda da Prosperidade Comum vazar para os serviços financeiros, particularmente no que diz respeito a esquemas de remuneração e bônus para executivos de alto escalão, bem como as diferenças salariais entre a administração e o pessoal júnior”, diz Marro.
Resta saber se a repressão de Xi aos bilionários o ajudará a aumentar significativamente seu poder.
O que certamente está em risco, porém, é a confiança nos mercados financeiros e nos negócios da China e, em última análise, na economia como um todo.
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