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Por que há tantos incidentes com tubarão em Pernambuco? O que pode ser feito para evitá-los?

Em duas semanas, Pernambuco registrou três novos casos de incidente com tubarão em seu litoral – um em Olinda, na praia de Milagres, e dois em Jaboatão dos Guararapes, na praia de Piedade, sendo ambos em um intervalo de 24 horas. Com 77 ocorrências documentadas desde 1992 pelo Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões (Cemit), o Estado enfrenta uma problemática que se arrasta há décadas. 

A topografia do litoral pernambucano ajuda a explicar as ocorrências com tubarões: há um canal profundo que acompanha a extensão costeira do Estado. Esse canal, que começa no Pina, passa por Boa Viagem e Piedade até chegar em Candeias, facilita o deslocamento de tubarões para mais próximo das praias, onde os banhistas costumam ficar. 

É por isso que os incidentes se concentram entre essas praias urbanas, que são bastante frequentadas e estão em áreas populosas. Há também a elevada descarga de poluição orgânica oriunda do rio Jaboatão e a influência de correntes marinhas, que contribuem para a turbidez da água e a influência de correntes de retorno. 

De acordo com o oceanógrafo Múcio Banja, o desequilíbrio que causa a alta incidência de encontros com tubarão no Estado decorre das condições do litoral. “Temos uma história muito antiga de degradação da nossa costa, principalmente dos estuários. Juntando-se a isso as operações que aconteceram nos últimos 40 anos na região de Suape, que tem um conjunto de estuários muito significativo”, explicou.

Esses fatores prejudicaram a reserva pesqueira do Litoral, segundo o pesquisador. “O animal está vivendo numa área onde o alimento é muito escasso para ele. O tubarão é um animal extremamente ativo, predador. E o predador precisa se alimentar com muita frequência. Quando não tem peixe, ele tenta se alimentar do que está disponível e por isso acontecem esses acidentes”, completou. 

Em geral, o tubarão está numa zona de baixa quantidade de alimentos, com fome e vai tentar comer o que encontrar pela frente. Por isso, é preciso tomar cuidado inclusive ao entrar na água com nível baixo. Além disso, a água turva também é um ponto que contribui para o maior número de incidentes. O animal morde como uma forma de “teste” para saber se aquele alimenteo interessa para ele ou não – a carne humana não faz parte da dieta do tubarão. 

Múcio Banja defende ainda que o fechamento de praias para banhocomo está determinado desde julho de 2021 no trecho da igrejinha de Piedade, onde ocorreu o incidente com o adolescente de 14 anos no último domingo (5) – no momento atual seria uma medida emergencial. “Tem que ser seguida mesmo. As pessoas precisam tomar cuidado e o poder público tem que cuidar das pessoas, então tem que manter as pessoas afastadas, mas isso não pode ser a vida toda, tem que ter um limite”, defendeu o pesquisador. 

Trecho da praia de Piedade, próximo à Igrejinha, é onde ocorreram mais incidentes desde o início da série histórica (Foto: Alexandre Aroeira/Folha de Pernambuco)

Possíveis soluções


O litoral pernambucano tem placas de alerta para o risco de incidentes e com orientações para a população. Os trechos que recebem a sinalização são aqueles de mar aberto, que tenham canal submarino e sejam um local com incidência de animal marinho. 

As placas elencam algumas recomendações, além da principal de evitar o banho: não entrar na água durante maré alta e em períodos do dia como amanhecer e entardecer, além de áreas profundas e turvas, assim como portando objetos brilhantes, como relógios e joias, que podem levar o animal a confundir a pessoa com um peixe. Tais placas, no entanto, parecem não inibir o uso dos trechos para banho

O oceanógrafo Múcio Banja defende a implantação de políticas a curto, médio e longo prazo em busca da redução do número de incidentes. A curto prazo, ele defende a implantação de medidas educativas. A médio prazo, o ideal seria estabelecer mais condições para pesquisas científicas como o Cemit está fazendo. 

“E a longo prazo, tem que ter um programa de governo para recuperar os nossos estuários. Enquanto os rios estiverem detonados, não tiver saneamento básico nas cidades, não tiver mata ciliar, esse problema vai continuar acontecendo”, prosseguiu o pesquisador, lembrando que essa última não seria um plano de uma única gestão, mas deveria se transformar em política para o Estado. 

Para Banja, a implantação da recuperação dos estuários, por ser algo dispendioso, não tem tanta prioridade dos governantes. “É uma política de longo prazo. Enquanto os governantes não perceberem isso, a gente não vai sair desse problema. Vamos continuar gastando dinheiro com pesquisa, com educação e o problema vai continuar acontecendo”, lamentou o pesquisador. 

Um dos pontos integrantes desse processo de recuperação dos santuários é melhorar o sistema de tratamento de água e esgoto, para que não sejam lançados em rios. Outro seria recuperar as margens dos rios. “Isso gera um problema político seríssimo, porque você precisaria desapropriar pessoas para recuperar as matas e as margens dos rios, sobretudo na zona urbana”, completou o oceanógrafo, citando ainda a questão da melhoria nas calhas dos rios.

“Se a água está tratada, se existe mata ciliar e se o rio de calha para fluir, esse rio se recupera e os peixes vão entrar, vão reproduzir, vão alimentar a estrutura costeira de peixes e os tubarões vão ter peixes para comer e deixar as pessoas em paz”, detalhou Múcio Banja. “Enquanto a gente não tiver uma política de recuperação, infelizmente vamos sofrer muito com essa situação no nosso Estado”, arrematou.

Membro do Instituto Avançado de Tecnologia e Inovação (Iati), Banja também defende a utilização de tecnologia para mitigar as possibilidades de encontros com tubarões. “Temos que intensificar alternativas tecnológicas. Essa semana vamos fazer uma reunião no instituto. Há uma possibilidade de pensar numa tecnologia que pudesse testar uma segurança para o banhista, mas isso precisa ser pensado e trabalho”, completou o pesquisador. Entre as alternativas, poderiam ser usadas boias com emissões de sinais eletromagnéticos para repelir os animais. 

Nesse primeiro momento, as principais recomendações são: manter um nível de segurança que é estabelecido nas praias, entrar na água em altura segura ou tomar banho nas áreas protegidas pelas formações recifais. “Para que a gente não perca o valor das praias. Não podemos, de forma alguma, perder esse valor que a gente estabeleceu no nosso litoral por causa de um processo que pode ser ajustado a curto prazo, mas que também precisa de políticas a médio e longo prazo”, finalizou Múcio Banja. 

Tubarão cabeça-chata, uma das espécies que ocorrem em Pernambuco (Foto: Divulgação)

Estado debate e traça ações


Logo após as duas últimas ocorrências, o Governo de Pernambuco anunciou a retomada do estudo sobre incidentes com tubarões nas praias urbanas da Região Metropolitana do Recife junto às universidades – essas pesquisas estão paralisadas desde 2015. A gestão também anunciou que a gestão do Cemit será transferida da Secretaria de Defesa Social para a Secretaria de Meio Ambiente, Sustentabilidade e Fernando de Noronha. O objetivo é reforçar a prevenção.

“A gente vai deixar de ter uma atuação quando o incidente acontece para atuar mais preventivamente, entendendo o comportamento do tubarão em Pernambuco”, ressaltou a governadora Raquel Lyra.

Já o presidente do Cemit, coronel Robson Roberto, destacou o papel do comitê. “Vamos reforçar o apoio operacional, principalmente no verão, nos horários em que as praias estão mais bem frequentadas. Com apoio do pessoal de terra, seja ele Guarda Municipal, Polícia Militar ou Guarda-Vidas, vamos fazer um trabalho de orientação e, assim fazer com que os banhistas não entrem na água”.


 

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