Nos últimos anos, Portugal se beneficiou por ser um dos principais destinos turísticos da Europa e por oferecer aos cidadãos estrangeiros um dos mais atraentes programas de “vistos de ouro” do mundo.
Estes dois aspectos foram fundamentais para ajudar na recuperação do país depois da crise econômica de 2008 e fizeram com que o país se transformasse em um modelo de crescimento.
Mas diversos analistas afirmam que o auge do turismo e o boom do chamado “visto de ouro” português foram importantes fatores para levar à grave crise imobiliária que o país enfrenta atualmente.
Os preços das moradias aumentaram drasticamente, chegando a níveis impagáveis para os próprios portugueses.
Por isso, no dia 16 de fevereiro, o Conselho de Ministros de Portugal anunciou o programa “Mais Habitação”, que inclui uma série de medidas para lutar “contra a especulação de preços no setor imobiliário”.
Entre as mudanças, ficam limitadas as licenças de apartamentos para uso turístico e não serão mais emitidos os vistos que ofereciam residência portuguesa a pessoas de fora da União Europeia em troca da compra de imóveis, grandes investimentos ou geração de empregos – o “visto de ouro”.
O primeiro-ministro português, António Costa,já havia declarado há alguns meses que este programa “já cumpriu a função que tinha a cumprir”.
Uma solução e um problema
Os programas de “vistos de ouro”, adotados em diversos países para atrair investimentos estrangeiros e oferecidos em quase toda a Europa, costumam favorecer as pessoas com muito capital, que passam a ter acesso aos benefícios de um país sem a obrigação de adotá-lo como local de moradia.
Em Portugal, a medida entrou em vigor em 2012. Desde então, o país recebeu mais de US$ 7 bilhões (cerca de R$ 36,2 bilhões) e 90% deste valor foram destinados ao setor imobiliário, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal.
Um estudo da consultoria britânica Henley & Partners comparou, em 2022, os programas de vistos de ouro de mais de 40 países. Portugal ficou em primeiro lugar – era o que oferecia mais benefícios para o investidor estrangeiro.
Cidadãos chineses foram os que mais fizeram uso do programa. Eles representaram quase a metade das pouco mais de 11,5 mil autorizações de residência que foram aprovadas.
Mas estes benefícios econômicos não ficaram livres de controvérsias. A União Europeia tratou de restringir esses programas, devido ao risco de serem empregados para lavagem de dinheiro, evasão fiscal, financiamento do terrorismo, corrupção e infiltração do crime organizado.
Para a Comissão de Liberdades Civis do Parlamento Europeu, estes sistemas são “questionáveis do ponto de vista ético, jurídico e econômico”.
Até em Portugal, muitas pessoas foram contrárias desde o princípio à criação do programa. Elas consideravam que os vistos oferecem mais desvantagens do que benefícios para o país – especialmente devido aos efeitos sobre o mercado imobiliário.
O programa ‘Mais Habitação’
Costa acredita que o programa “Mais Habitação” seja aprovado em março, já que seu governo detém maioria absoluta no Parlamento português.
Segundo o programa, os “vistos de ouro” já concedidos só poderão ser renovados se as pessoas beneficiadas por terem comprado uma casa morarem na residência, se nela morar um dos seus descendentes ou se ela for oferecida para aluguel de longo prazo.
Outras medidas incluem a proibição de novas licenças de aluguel de temporada, exceto em locais da zona rural onde não haja pressão urbanística.
As licenças já concedidas serão revisadas em 2030 e submetidas em seguida a avaliações periódicas a cada cinco anos.
O plano também pretende impor o aluguel de moradias desocupadas, mediante intervenção do Estado.
Este foi o ponto que gerou mais polêmica, devido à função a ser cumprida pelo Estado na mediação dos aluguéis, estabelecendo o preço e cobrindo os valores que não forem pagos.
O advogado e político Luís Marques Mendes foi ministro-adjunto (vice-primeiro-ministro) e ministro de Assuntos Parlamentares de Portugal. Ele se manifestou contra a medida no seu comentário semanal transmitido pela TV portuguesa SIC.
Para ele, “perderão os proprietários, perderão os inquilinos e ganharão os advogados”.
Marques Mendes acredita que a medida não será aprovada para não “contaminar” todo um plano que, segundo ele, tem pontos positivos.
Não é o primeiro
O custo do programa “Mais Habitação” é calculado em cerca de US$ 962 milhões (cerca de R$ 5 bilhões).
Portugal não é o primeiro país a eliminar seu programa de vistos de ouro. Em fevereiro de 2022, o Reino Unido cancelou o seu programa, frente à iminente ameaça de invasão da Ucrânia pela Rússia.
O programa de vistos britânico havia sido criado em 2008 e foi encerrado como parte de um novo plano de imigração e de uma ofensiva “contra o financiamento ilícito e as fraudes”.
Já a Irlanda tomou medidas similares em 15 de fevereiro de 2023. O país havia suspendido o programa para cidadãos russos em março do ano passado.
O ministro da Justiça irlandês, Simon Harris, explicou que o programa de vistos foi estabelecido em 2012 para “estimular os investimentos” frente às “dificuldades econômicas sem precedentes”.
Embora o plano tenha gerado mais de US$ 1,3 bilhão (cerca de R$ 6,7 bilhões) em investimentos, segundo ele, sua eliminação já vinha sendo analisada há tempos.
O fim dos vistos de ouro pode também estender-se para outros países, como a Espanha.
Um projeto de lei eliminando o regime de residência por compra de imóveis já foi apresentado ao Congresso espanhol.
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