A indicação inesperada ao Oscar da atriz britânica Andrea Riseborough gerou debate em Hollywood. A campanha popular que defendeu sua nomeação para concorrer ao prêmio mais famoso do cinema quebrou alguma regra?
Muitos observadores de premiações ficaram surpresos quando Riseborough foi indicada para melhor atriz na semana passada por sua atuação no filme To Leslie.
Não porque ela não merecesse (muito pelo contrário), mas por causa do quão incomum foi a campanha para sua indicação já que ela praticamente não esteve presente em premiações anteriores.
Nomes de peso como Gwyneth Paltrow, Edward Norton e Courteney Cox tentaram angariar apoio para Riseborough nos últimos dias da votação.
A atriz, nascida em Newcastle, no nordeste da Inglaterra, interpreta uma mãe alcoólatra que desperdiça seus salários na loteria. O filme foi muito elogiado pela crítica, mas é pouco conhecido do público.
Apesar dos esforços das estrelas terem sido bem-sucedidos, foram levantadas dúvidas sobre como a indicação de Riseborough foi alcançada e se alguns dos que fizeram campanha por ela quebraram alguma regra.
O Conselho da Academia indicou que o assunto fará parte da agenda em sua próxima reunião nesta terça-feira (31/01), depois que a diretoria da premiação foi inundada com ligações e e-mails sobre a inclusão da atriz.
Em um comunicado na sexta-feira, a Academia disse que seu objetivo é garantir que a premiação seja “conduzida de maneira justa e ética”.
O órgão disse que queria confirmar que “nenhuma diretriz foi violada” e examinar “se mudanças nas diretrizes podem ser necessárias em uma nova era de mídia social e comunicação digital”.
Concorrência
A Academia vai analisar se postagens que defendiam a nomeação de Riseborough também fizeram referência a seus concorrentes ao prêmio – algo estritamente proibido.
Segundo as regras, a Academia “não tolera quaisquer formas de comunicação pública por qualquer pessoa diretamente associada a um filme elegível que tente jogar luz negativa ou depreciativa sobre um filme ou realização concorrente”.
“Em particular”, acrescenta a norma, “qualquer tática que destaque ‘a competição’ por nome ou título é expressamente proibida” e punível com suspensão de um ano de inscrição para infratores primários.
Uma postagem do Instagram excluída desde então, que foi particularmente colocada sob os holofotes, foi publicada pela conta oficial de To Leslie.
O post citava um texto do jornalista Richard Roeper, crítico de cinema do jornal americano Chicago Sun-Times. “Por mais que eu admire o trabalho de [Cate] Blanchett em Tár, minha atuação favorita de uma mulher neste ano foi apresentada pela camaleônica Andrea Riseborough”, dizia a publicação.
Embora não exista nenhum problema na opinião do jornalista, é possível que tenha havido delito por parte da campanha de To Leslie por escolher uma citação que comparava os trabalhos de Riseborough e de Blanchett.
Da mesma forma, a atriz Frances Fisher, conhecida por suas atuações em Titanic e 60 Segundos, citou outras candidatas a melhor atriz, como Blanchett e Michelle Yeoh, ao postar seu apoio a Riseborough.
Curiosamente, a própria Blanchett elogiou Riseborough – ao lado de outras atrizes – durante um discurso da premiação Critics Choice Awards.
Essas aparentes violações de regras poderiam muito bem ter sido cometidas inocentemente. É improvável que todos os membros da Academia e equipes de relações públicas estejam cientes de todas as regras de campanha do Oscar.
Independentemente disso, é improvável – embora não impossível – que Riseborough seja desqualificada da corrida de melhor atriz no Oscar. Já houve casos de indicações canceladas antes, embora nunca em uma categoria de atuação.
O lobby é historicamente uma das violações de regras mais comuns que resulta em uma indicação cancelada. Embora seja permitido promover e anunciar a si mesmo ou ao seu filme, não é permitido entrar em contato pessoalmente com os jurados da Academia por telefone.
Quais outras indicações foram retiradas?
Três dos exemplos mais recentes de revogação de indicações ao Oscar:
– Em 2012, uma indicação para o filme norueguês Tuba Atlantic foi removida da categoria de melhor curta-metragem depois que foi descoberto que a obra foi transmitida na televisão norueguesa antes de seu lançamento nos cinemas, o que contraria as regras da Academia;
– Em 2013, uma indicação de melhor canção original para Alone Yet Not Alone, do filme cristão de mesmo nome, foi retirada depois que o compositor da canção, Bruce Broughton, enviou um e-mail diretamente aos membros do ramo musical da Academia para “torná-los cientes de sua apresentação”. O próprio Broughton era um ex-membro da Academia;
– Em 2017, uma indicação de mixagem de som para o filme 13 Horas: Os Soldados Secretos de Benghazi foi retirada após a descoberta de “lobby por telefone” que violava as regras de votação.
No caso de Riseborough, o mais provável é alguma forma de punição leve para quem violou as diretrizes da Academia.
A entidade também pode divulgar uma declaração após a reunião na terça-feira reiterando quais são as regras.
A maioria dos especialistas da indústria concorda que Riseborough teve uma atuação forte e memorável em To Leslie, mas alguns temem que sua indicação de melhor atriz possa ter ocorrido em detrimento de atrizes negras.
Viola Davis, por exemplo, estava concorrendo por A Mulher Rei.
Mas a ausência mais criticada foi a da atriz Danielle Deadwyler, que muitos elogiaram como excelente em Till – A Busca por Justiça, um filme sobre o linchamento de Emmett Till, de 14 anos, em 1955, no Mississippi.
A diretora do filme, Chinonye Chukwu, acusou a Academia de “misoginia descarada em relação às mulheres negras”. Já observadores da premiação expressaram consternação por Deadwyler ter sido esquecida.
Mesmo que a indicação de Riseborough seja revogada, isso não significa necessariamente que Deadwyler ou outra atriz ficaria com seu lugar. Na maioria dos casos anteriores de remoção, a categoria encolhe para quatro concorrentes em vez de adicionar um novo quinto candidato.
Vale a pena lembrar que muitos críticos elogiaram a indicação de Riseborough, e ficaram mais incomodados com as indicações de Ana de Armas, cujo filme Blonde foi amplamente criticado.
Outros criticaram a indicação de Michelle Williams para melhor atriz, pois achavam que ela deveria concorrer na categoria de atriz-coadjuvante por sua atuação em Os Fabelmans.
No final das contas, é claro, são os 10 mil jurados da Academia (cerca de 1.500 dos quais estão no ramo dos atores) que carregam a responsabilidade pelas indicações.
Potenciais indicados ao Oscar geralmente fazem campanhas caras para a receber a honraria, geralmente financiadas pelo estúdio que produziu o filme. Mas To Leslie, que arrecadou R$ 138 mil nas bilheterias, contou mais com a divulgação de seus grandes admiradores.
A indicação de Riseborough foi altamente incomum, principalmente porque ela não apareceu em nenhuma cerimônia da temporada de premiações, exceto no Independent Spirit Awards, focado em filmes independentes.
Talvez uma das comparações mais próximas a Riseborough seja a de Marina de Tavira, que atuou no filme Roma, de 2018. Os especialistas apontam que ela foi a única atriz a receber uma indicação ao Oscar sem ter concorrido a qualquer outra premiação antes.
Há outras comparações a serem feitas. Em 2004, uma campanha publicitária impressa foi lançada para promover a performance de Shohreh Aghdashloo em Casa de Areia e Névoa.
Três dos anúncios se referiam a Renée Zellweger (que acabou vencendo por sua atuação em Cold Mountain), citando críticos que disseram preferir a atuação de Aghdashloo à de Zellweger.
Bruce Davis, diretor-executivo da Academia na época, chamou a propaganda de “anúncio agressivo”, e os chefes do estúdio de cinema posteriormente pediram desculpas, dizendo que haviam cometido “um erro muito grave e imprudente”.
A possibilidade de a indicação de Riseborough ser retirada, no entanto, foi recebida com ceticismo pelos críticos de cinema nas redes sociais. O anúncio da reunião de terça-feira rapidamente se tornou um meme, com muitos críticos brincando que a Academia agora também estava revisando outras críticas anteriores ao Oscar.
Enquanto isso, muitos saíram em defesa de Riseborough.
A atriz Christina Ricci afirmou: “Parece hilário que a ‘indicação surpresa’ (o que significa que toneladas de dinheiro não foram gastas para indicar esta atriz) de uma performance legitimamente brilhante está sendo investigada. Portanto, são apenas os filmes e atores que podem pagar pelas campanhas que merecem reconhecimento? Parece elitista e, francamente, muito atrasado para mim. Se (a indicação) for retirada, será uma vergonha.”
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