- Mariana Schreiber – @marischreiber
- Da BBC News Brasil em Brasília
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, está sendo pressionado por políticos democratas a mandar o ex-presidente Jair Bolsonaro de volta ao Brasil, depois de seus apoiadores terem invadido e vandalizado as sedes dos três Poderes da República em Brasília no domingo (08/01).
Bolsonaro deixou o país rumo aos EUA no dia 30 de dezembro, dois dias antes da posse do novo presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, e se instalou em Orlando, no Estado da Flórida.
“Quase 2 anos depois do dia em que o Capitólio dos EUA foi atacado por fascistas, vemos movimentos fascistas no exterior tentando fazer o mesmo no Brasil”, escreveu no Twitter a deputada Alexandria Ocasio-Cortez, em referência a invasão do Congresso americano em 6 de janeiro de 2021, por apoiadores do ex-presidente americano Donald Trump.
“Os EUA devem parar de conceder refúgio a Bolsonaro na Flórida”, acrescentou ela.
Biden, por sua vez, condenou no Twitter, o vandalismo de bolsonaristas, mas não se pronunciou sobre a situação de Bolsonaro nos EUA.
“Condeno o atentado à democracia e à transferência pacífica do poder no Brasil. As instituições democráticas do Brasil têm todo o nosso apoio e a vontade do povo brasileiro não deve ser prejudicada. Estou ansioso para continuar a trabalhar com @LulaOficial”, escreveu no domingo.
Diante da pressão de parlamentares democratas, qual seria a real possibilidade de Bolsonaro ser obrigado a deixar os Estados Unidos, seja por um processo de extradição ou de deportação?
Especialistas do Brasil e dos Estados Unidos ouvidos pela reportagem consideram que, ao menos até o momento, não há elementos jurídicos que permitam um processo de extradição.
Por outro lado, o governo americano poderia, em tese, revogar o visto do ex-presidente, obrigando sua deportação. Isso dependeria de uma avaliação política da administração Biden, sendo difícil de prever qual será sua decisão.
Além disso, mesmo que seu visto seja anulado, Bolsonaro poderia tentar alongar sua estadia nos Estados Unidos entrando com um pedido de asilo político, sob alegação de que sofreria perseguição no Brasil.
Um processo desse tipo pode levar meses ou anos para ser concluído e a pessoa que solicita o asilo, independentemente de ser um ex-presidente, pode permanecer nos EUA até que essa análise seja concluída.
“A deportação ocorre quando a pessoa passa a não ter mais documentos válidos. Se o visto expirou, por exemplo, a pessoa passa a ser um imigrante irregular e é automaticamente deportado quando é identificado, devolvido ao país de origem”, explica o advogado especialista em cooperação internacional Yuri Saihone.
“Ou o próprio governo dos Estados Unidos poderia simplesmente cancelar o visto. Até porque dar o visto é uma prerrogativa de cada país, um ato soberano”, acrescentou.
E como está o visto de Bolsonaro?
Não há informações claras sobre qual o atual status de Bolsonaro nos EUA. Como ele ainda era presidente do Brasil quando deixou o país, é possível que ele tenha entrado em solo americano com um visto do tipo A1, concedido a autoridades.
Outra opção é que ele esteja usando um visto de turista, que dá um prazo máximo de seis meses no país.
A Embaixada americana em Brasília disse que não poderia esclarecer a situação de Bolsonaro porque o visto de qualquer pessoa é considerado uma informação privada e sigilosa.
Independentemente de qual seja o visto de Bolsonaro, porém, qualquer modalidade poderia ser cancelada pelo governo americano, a qualquer momento.
Sem mencionar o caso específico de Bolsonaro, o porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Ned Price, disse a jornalistas que pessoas que tenham entrado no país com o visto A1 e não estejam mais em missão oficial por seu país são obrigadas a deixar os EUA no prazo de 30 dias ou solicitar um novo tipo de visto.
“Se um indivíduo não tem base para estar nos Estados Unidos, ele está sujeito a remoção pelo Departamento de Segurança Interna”, disse ainda Price, segundo a agência de notícia Reuters.
Um processo de extradição já é algo mais complexo que a deportação.
O advogado americano Jacques Semmelman, especialista em extradição nos Estados Unidos, explicou à BBC News Brasil que um processo do tipo precisa passar pelo sistema judicial americano. Ou seja, não seria uma decisão exclusiva do governo Biden.
Segundo ele, para que esse processo se inicie, seria necessário atender a alguns requisitos, entre eles, a existência de um processo criminal contra Bolsonaro no Brasil, o que não há até o momento.
E, a partir de um processo criminal, o governo brasileiro precisaria pedir ao governo americano a extradição.
“A acusação ou acusações criminais devem ser baseadas em causa provável (probable cause), o que significa basicamente provas suficientes para apoiar uma crença razoável de que o acusado cometeu o crime ou crimes pelos quais foi processado”, disse ainda Semmelman.
A partir daí, o sistema judicial americano analisaria o caso, havendo espaço para Bolsonaro apresentar sua defesa contra o pedido de extradição. Esse tipo de processo tende a levar meses ou anos.
O assessor de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, afirmou a jornalistas nesta segunda-feira (9/1) que a Casa Branca não recebeu qualquer pedido oficial do governo brasileiro sobre Bolsonaro.
“Se ele ainda está nos EUA, não estamos, que eu saiba, em contato direto com Bolsonaro. Portanto, não posso falar com certeza sobre o paradeiro dele”, disse Sullivan.
“Não recebemos, até o momento, nenhum pedido oficial do governo brasileiro relacionado a Bolsonaro. Claro, se recebemos tais pedidos, nós os tratamos da maneira que sempre os tratamos: com seriedade”, disse ainda o assessor de Segurança Nacional.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL), por sua vez, apresentou nesta segunda-feira uma petição ao ministro do STF Alexandre de Moraes para que inclua Bolsonaro no inquérito que investiga os atos antidemocráticos e que fixe um prazo máximo de 72 horas para o ex-presidente retorne ao Brasil para prestar esclarecimentos.
Calheiros pediu ainda que, na hipótese de Bolsonaro não atender esse prazo para voltar ao Brasil, seja decretada sua prisão preventiva com base no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Esse artigo prevê que “a prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova de existência do crime e indícios suficientes da autoria”.
Na avaliação de Yuri Saihone, o pedido de Calheiros tem mais caráter político do que fundamentação jurídica, parecendo pouco provável que seja atendido.
Ele ressalta que é o Ministério Público que tem autoridade para pedir investigação criminal, embora Moraes já tenha tomado decisões em inquéritos sem ouvir o órgão, por exemplo com base em pedidos da Polícia Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral.
O advogado lembra também que a lei brasileira não obriga uma pessoa investigada a conceder um depoimento, como pede Calheiros, já que o acusado tem direito a permanecer em silêncio.
Foi esse princípio, inclusive, que levou o STF a decretar inconstitucional a condução coercitiva de investigados para depor, como determinou em algumas ocasiões o ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, hoje senador eleito do Paraná, pelo União Brasil.
“Não tem materialidade para que ele seja obrigado a voltar ao Brasil. Até porque, mesmo que ele seja incluído como investigado, ele pode continuar a ser investigado estando nos Estados Unidos. Ele pode participar virtualmente de atos (como depoimentos). Isso não tem nenhum problema”, explicou Saihone.
“E não tem nenhuma indicação que ele, caso esteja nos Estados Unidos, vá se furtar a algum tipo de ato processual ou de investigação”, acrescentou.
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