No dia 11 de dezembro de 2022, foi anunciada em Honolulu, no Havaí, a morte de Abigail Kinoiki Kekaulike Kawānanakoa, conhecida como a última princesa do arquipélago.
O Palácio ‘Iolani, a única residência real em território norte-americano, destacou que a herdeira do trono morreu pacificamente aos 96 anos de idade. Ela deixou quase a metade da sua fortuna, de mais de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1,04 bilhão), a uma fundação de apoio à comunidade nativa havaiana.
A morte de Kawānanakoa trouxe de volta discussões sobre um tema que ainda gera polêmica no arquipélago famoso pelas suas praias paradisíacas: a derrubada da monarquia havaiana por empresários americanos em 1893, que levou à anexação do Havaí pelos Estados Unidos.
Assim, o arquipélago localizado no meio do Oceano Pacífico, a 3,2 mil quilômetros do continente americano, tornou-se o 50° Estado dos Estados Unidos (o último a ser admitido na União). Mas o aconteceu com a família real havaiana que governava até então?
O reino do Havaí
As 137 ilhas vulcânicas que formam o Havaí foram governadas por pequenos clãs até 1810. Naquele ano, elas foram unificadas sob o comando de Kamehameha 1°, líder da ilha do Havaí, que deu nome a todo o arquipélago.
O rei ficou conhecido como Kamehameha, o Grande; ele fundou a dinastia que reinaria no Havaí por seis décadas.
Em 1820, seu herdeiro, Kamehameha 2°, abriu as portas do arquipélago a um grupo de missionários da Nova Inglaterra, nos Estados Unidos. Em poucos anos, os missionários conseguiram converter a maior parte da população em cristãos protestantes.
Eles também atraíram o interesse de investidores do seu país, que foram comprando grandes terrenos no Havaí, seduzidos pelos relatos de terras intocadas e condições climáticas ideais para o cultivo da cana-de-açúcar. E, assim, a influência dos latifundiários norte-americanos foi aumentando.
Em 1839, o novo rei, Kamehameha 3°, promulgou a Constituição do Havaí. Segundo ela, a monarquia reinante no arquipélago deixava de ser absoluta e passava a ser constitucional. Muitos historiadores consideram que este foi um sinal de que o poder real começava a diminuir.
Os descendentes dos primeiros missionários haviam feito fortuna no Havaí e formaram seu próprio partido político, o Partido da Reforma, mais conhecido como Partido Missionário.
Na década de 1870, a economia havaiana era fortemente dependente do seu comércio com os Estados Unidos. Os empresários e latifundiários do Partido Missionário começaram então a reivindicar maior poder político.
Em 1887, eles decidiram enfrentar a situação e, ameaçando usar a força, obrigaram o governante da época, o rei Kalākaua 1°, a outorgar uma nova Constituição, que só concedia direito a voto aos latifundiários brancos. Ela ficou conhecida como a “Constituição da Baioneta”.
David Kalākaua, que havia chegado ao trono por ser descendente de uma prima de Kamehameha 1° (já que Kamehameha 5° morreu sem deixar herdeiros), foi o fundador do que seria a última dinastia a reinar no Havaí.
Durante seus primeiros anos, ele precisou enfrentar as pressões crescentes do Partido Missionário, que queria reformar o sistema para adotar um modelo monárquico similar ao britânico, no qual o rei é uma figura com prestígio, mas sem poder real.
“O monarca alegre”, como era conhecido, começou seu reinado em 1874 percorrendo as ilhas, o que aumentou sua popularidade.
Ele também negociou um tratado de reciprocidade com os Estados Unidos, chegando a se reunir na capital americana, Washington, com o presidente Ulysses S. Grant. O tratado permitiu que os principais produtos de exportação do Havaí, açúcar e arroz, entrassem nos Estados Unidos livres de impostos.
O acordo concedeu também aos Estados Unidos o direito exclusivo de manter bases militares nas ilhas.
Durante seu reinado, Kalākaua deu grande importância às relações internacionais. Ele foi o primeiro monarca da história a dar a volta ao mundo, em 1881.
Partindo de San Francisco, nos Estados Unidos, ele visitou, entre outros países, o Japão, a China, a Índia, o Egito e várias nações europeias. E também se reuniu com muitos chefes de Estado, como o rei Humberto 1°, da Itália, o papa Leão 13 e a rainha Vitória, do Reino Unido.
O rei Kalākaua usou muitos dos objetos e móveis que trouxe de suas viagens para decorar uma nova residência real, o Palácio ‘Iolani, considerado uma joia arquitetônica, que ele mandou reconstruir devido ao mau estado do palácio original, inaugurado durante o reinado de Kamehameha 4°.
O monarca tentou formar uma confederação de países polinésios e chegou a enviar representantes a Samoa com este propósito. Mas o projeto foi suspenso depois da “Constituição da Baioneta”, que retirou o poder da realeza havaiana e fortaleceu o Partido Missionário.
Poucos anos depois, em 1890, o rei, então com 54 anos de idade, começou a sofrer graves problemas de saúde. Por conselho médico, ele viajou novamente a San Francisco, onde morreu, sem deixar descendentes.
Por isso, quem assumiu o trono foi sua irmã, Lili’uokalani. Ela seria a última soberana do Havaí.
O fim da monarquia
Lili’uokalani havia exercido o poder como regente em 1881, durante a viagem internacional do seu irmão, o rei.
Quando chegou ao poder, ela tentou revogar a “Constituição da Baioneta” para devolver aos nativos o direito a voto, e o poder perdido à coroa. Mas foi acusada pelos súditos brancos de subverter a Constituição.
Além de buscar poder político, o grupo queria derrubar a monarca por motivos comerciais. Os Estados Unidos haviam decidido eliminar o privilégio do açúcar havaiano e os latifundiários queriam a anexação do Havaí aos EUA para poder desfrutar dos mesmos benefícios dos produtores locais.
Sob o argumento de que os direitos dos comerciantes e dos latifundiários de origem americana estavam sendo prejudicados, o embaixador dos Estados Unidos no Havaí, John L. Stevens, pediu a intervenção das tropas americanas estacionadas no arquipélago.
Em 1893, a rainha Lili’uokalani foi colocada em prisão domiciliar no Palácio ‘Iolani e foi formado um governo provisório.
O presidente norte-americano Grover Cleveland ordenou que fosse feito um relatório sobre os acontecimentos no Havaí, que concluiu que a deposição da rainha havia sido ilegal. O Congresso americano, entretanto, encomendou outro relatório, o relatório Morgan, que determinou, em 1894, que nem o embaixador Stevens, nem as tropas americanas, foram responsáveis pela deposição.
No dia 4 de julho daquele ano (o mesmo dia em que se celebra a independência dos Estados Unidos), o governo provisório havaiano proclamou a República do Havaí. Sanford Ballard Dole foi declarado seu líder, e Washington reconheceu o novo governo.
A rainha Lili’uokalani permaneceu detida até 1896. Ao ser libertada, ela se mudou para outra residência, onde viveu uma vida comum até a morte, em 1917.
Da mesma forma que seu irmão, a rainha não teve filhos. Mas, seguindo a tradição, nomeou outros familiares como seus herdeiros. Abigail Kinoiki Kekaulike Kawānanakoa, que morreu no início de dezembro, era descendente de um desses sucessores.
Em 1898, o presidente americano William McKinley (republicano, que havia derrotado Cleveland) assinou a anexação do Havaí aos Estados Unidos, apesar dos protestos da oposição, que considerava a anexação ilegal. Este ato abriria o caminho para que, em 1959, o Havaí se tornasse o 50° Estado dos Estados Unidos.
A transformação em Estado americano levou em conta o papel fundamental do arquipélago para Washington durante a Segunda Guerra Mundial. Afinal, os Estados Unidos entraram no conflito no final de 1941, quando o Império Japonês atacou de surpresa a marinha norte-americana estacionada em Pearl Harbor, na ilha havaiana de Oahu.
Durante o governo do presidente Dwight D. Eisenhower, em plena Guerra Fria, o Congresso americano finalmente aprovou a entrada do Havaí na União. A decisão foi amplamente ratificada pelos havaianos, mas alguns nativos mantiveram seus protestos contra o que é considerado um dos principais exemplos de colonialismo norte-americano.
Em 1993, 100 anos depois do golpe de Estado que depôs a rainha, o governo americano pediu desculpas formais aos havaianos pela deposição, o que os privou do seu direito à autodeterminação.
Mas, embora também reconhecesse que o povo nativo havia sido forçado a ceder mais de 700 mil hectares de terra, não ofereceu nenhuma compensação, deixando claro que não aceitaria reivindicações.
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