• Edison Veiga
  • De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil

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Ícone copta, autor desconhecido, ilustra Jesus multiplicando os peixes

Historiadores contemporâneos não têm dúvidas: a região do Oriente Médio onde nasceu Jesus há pouco mais de 2 mil anos era um solo fértil para o surgimento de profetas e aclamados messias. Nesse sentido, religião à parte, o homem considerado o fundador do cristianismo era muito semelhante a diversos outros que ficaram restritos à história do seu tempo.

E por que, então, Jesus se tornou tão grande a ponto de, ainda hoje, ter bilhões de seguidores em todas as partes do planeta? Por que os outros tantos messias não tiveram o mesmo sucesso com suas palavras e ensinamentos?

A resposta parece ser a universalidade do cristianismo. Universalidade esta que, conforme apontam pesquisas mais recentes, não foi mérito exatamente de Jesus, mas sim de seus primeiros seguidores, sobretudo aqueles que se dedicaram a espalhar a mensagem cristã a partir do fim do primeiro século e ao longo do segundo.

A leitura acadêmica traça diferenças substanciais entre o “movimento de Jesus com Jesus”, ou seja, enquanto ele ainda era um líder vivo, e o “movimento de Jesus sem Jesus”, ou seja, a maneira como o cristianismo passou a ser organizado pelas primeiras gerações de seus seguidores.

Seguidores estes que se espalharam e se tornaram disseminadores dos ensinamentos adquiridos junto àquele líder carismático e sólido.

“Esse anúncio proporcionou a abertura de um movimento, de exclusivamente intrajudaico, para um movimento que ganharia contornos universais”, ressalta o historiador André Leonardo Chevitarese, professor do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e autor do livro Jesus de Nazaré: Uma Outra História (editora Annablume), entre outros.

Na interpretação do historiador, essa pregação posterior do “movimento de Jesus” fez com que as ensinamentos daquele homem “ganhassem contornos universais”. “Isto é, saíssem do ambiente étnico, de um povo, do povo judeu, para se tornar uma questão dos seres humanos, na infinita pluralidade de culturas contidas dentro do império romano”, salienta. “Há um viés histórico e antropológico que ajuda a entender, que ajuda a explicar como o movimento de Jesus com Jesus, que foi intrajudaico, se tornou o movimento sem Jesus, algo além das fronteiras de Israel.”

Celeiro de líderes messiânicos

Mas para entender essa especificidade, primeiramente é preciso compreender por que aquela região, naquela longínqua época, foi um polo efervescente para o surgimento de revoltas populares de cunho religioso e político, um caldeirão perfeito para mobilizar discursos messiânicos.

Candidatos a messias

“Historicamente, houve uma quantidade muito grande de candidatos a messias, antes, durante e depois de Jesus. Este é um ponto central”, comenta Chevitarese.

“A Palestina no tempo de Jesus era dominada politicamente pelos romanos. Mas isso não explica tudo”, ressalta o teólogo Paulo Nogueira, professor da pós-graduação em ciências da religião da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e autor dos livros Narrativa e Cultura Popular no Cristianismo Primitivo (Paulus), Religião e Poder no Cristianismo Primitivo (Paulus) e Breve História do Cristianismo das Origens (Santuário).

“Também havia uma profunda percepção dessa dominação, o que gerava a busca desesperada por alternativas e solução”, prossegue ele. “Ainda que a comunidade judaica fosse relativamente marginal no contexto político e econômico do império, eles tinham uma autoconsciência da liberdade e de um destino grandioso prometido por Deus.”

“Mas como alcançar a prometida liberdade? Como serem fiéis ao Deus que lhes daria um futuro grandioso? Isso gerou muitas respostas ao lado da religião sacerdotal e oficial”, contextualiza. “Profetas, milagreiros, pretendentes messiânicos, grupos revolucionários, entre outros, prometeram e ofereceram respostas.”

Mas a dominação romana não explica tudo, afinal, fosse apenas o único ingrediente, candidatos a messias também teriam surgido em diversas outras partes da Europa, por exemplo.

De acordo com o teólogo, historiador e filósofo Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie, as raízes desse fenômeno estão em dois fatores: a ideia de que esse povo, os judeus, se sentiam os “escolhidos por Deus”, e o passado recente daquele período, quando os judeus foram expulsos daquela área conhecida como Terra Santa.

“O exílio funcionou como uma espécie de punição aos judeus. Quando eles voltam, há uma autocrítica. Eles querem entender por que Deus permitiu que eles passassem por tantas tribulações”, pontua.

“Eles se tornam, então, extremamente zelosos. Passam a tomar a lei de Moisés como sendo uma regra de fé e prática para conduzir suas vidas, uma regra moral e religiosa. Quanto mais zelosos eles fossem com relação à lei, mais Deus os abençoaria, afinal, entendiam que haviam sido punidos porque tinham agido de forma relapsa”, acrescenta ele.

Contudo, eles reencontram uma área geográfica alvo de interesses políticos. Uma região que sucessivamente era dominada por alguma potência estrangeira. E a bola da vez eram os romanos.

Esse contexto faz surgir algumas condições no seio do judaísmo. “Uma delas é a renovação do profetismo, por meio da chamada literatura apocalíptica”, pontua Moraes. “É um movimento literário mas também religioso que procura trabalhar de maneira cifrada e simbólica as mensagens de renovação e esperança para um povo sofrido. Isto se torna uma maneira de resistir à opressão estrangeira.”

“Fruto desse processo, se fortalece muito a noção do messianismo”, afirma ele. Ou seja: a ideia de que alguém viria libertar esse povo das agruras do domínio romano, daquela condição ruim. “E esse alguém seria um enviado de Deus”, pontua.

Àquela altura, ninguém ousava falar como seria esse enviado ou de que forma ele viria. Tampouco se seria um herdeiro da dinastia de Davi ou um rei político. Ou, ainda, alguém capaz de conduzir um exército forte o suficiente para banir daquelas terras os inimigos.

“Foram seis séculos gestando essas ideias, a partir do movimento apocalíptico e do messianismo”, diz Moraes. “Nesse período, começam a aparecer vários e vários candidatos a cumprirem as profecias apocalípticas, a cumprirem os pré-requisitos de serem os libertadores. Os dias de Jesus são propícios para isso.”

Bandidos, profetas e messias

Costuma-se dizer que, naquele período em que viveu Jesus, havia três tipos de agitadores sociais na região: os bandidos, os profetas e os messias.

Os bandidos eram os classificados como “bandidos sociais”, ou seja, aqueles que promoviam uma resistência ao domínio romano por meio de saques e outras contravenções. Geralmente viviam de forma clandestina, em cavernas na região.

“Foram vários”, diz Moraes. Entre eles, houve um sujeito chamado Ezequias, que agiu entre os anos 47 e 38 antes de Cristo. Outro insurgente conhecido foi Eleazar Ben Jair, que viveu pouco tempo depois de Cristo. Mais ou menos no mesmo período também se destacou o grupo comandado por Tolomau. “E também houve um sujeito chamado Jesus, na década de 60”, afirma.

Na mesma categoria, Moraes também inclui o líder rebelde João de Giscala.

Segundo essa classificação, profetas eram aqueles que realizavam um trabalho missionário mas deixavam claro que haveria um messias subsequente. Assim, Moraes lembra de João Batista, o religioso que batizou Jesus. “E também um homem conhecido como Samaritano, que atuou ali entre os anos 26 e 36, mais ou menos”, diz. “Também houve um sujeito apelidado de Egípcio. E outro chamado de Jesus, filho de Ananias. Enfim, a literatura é povoada desse nomes.”

Messias eram aqueles que encarnavam a ideia de serem os enviados. O teólogo lembra de “Judas, filho de Ezequias, que surgiu por volta do ano 4”, e “no mesmo ano, um sujeito chamado Simão”. Também cita Judas, o Galileu, e Simão Bar Giora.

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João Batista, em pintura de Raphael Menga, do sec. 18

“Isso acontece porque era uma região dominada por potências estrangeiras durante vários séculos”, contextualiza.

“E uma região alimentada religiosamente pela mentalidade apocalíptica e por uma mentalidade messiânica. Então os candidatos a messias aparecem aos montes e, naquele tempo, Jesus era mais um entre os candidatos.”

De todos os nomes político-religiosos surgidos na época, além de Jesus, Chevitarese destaca três: Judas, o Galileu; João Batista; e O Egípcio.

Mas, antes, ele ressalta que não lhe parece correto classificar esses movimentos como seitas. “Porque todas as experiências religiosas, sem exceção, são multifacetadas. Nenhuma das experiências vieram do céu para a terra, mas sim todas da terra para o céu: são os seres humanos quem as fazem, e não a divindade”, pontua.

Segundo ele, para entender o surgimento desses grupos é preciso ver que a região e a época em que Jesus viveu foi propícia para o surgimento de diferentes percepções religiosas.

“Eram diferentes, mas o elemento central é que a terra é essa em que os judeus vivem”, diz. “Essa terra, que tem um mito que a sustenta, o mito de que Deus tirou os hebreus do Egito e os levou para a terra onde corria o leite e o mel, uma terra que pertence a Deus e onde os primeiros hebreus chegaram e, posteriormente, com as divisões havidas, os judeus ali eram os inquilinos de Deus.”

Mas o ambiente do século 1 parecia um pouco distante dessa ideia idílica. “A exploração econômica era levada a graus absurdos. Para se ter uma ideia, de cada quatro ou cinco peixes que o indivíduo pescava, um era para o dízimo da Igreja, um era para pagar o aluguel da terra, do barco e da rede, um era para pagar os impostos a Roma”, comenta. Chevitarese. “O que sobrava para o cara era o mínimo da sobrevivência, da subsistência. Isso produziu uma revolta.”

Líderes emblemáticos

Chevitarese acredita que, analisando esse cenário, “talvez o grande líder messiânico tenha sido Judas, o Galileu”. O personagem, que liderou uma revolta contra o censo romano no ano 6 depois de Cristo, é mencionado no livro bíblico dos Atos dos Apóstolos como alguém que “levou muito povo atrás de si”. Ele também é mencionado nos relatos do historiador romano Flávio Josefo (37-100).

“Esse cara disse, entre outras coisa, que seria considerado afastado da comunidade judaica todo aquele judeu que aceitasse pagar impostos que não fossem para Deus”, diz Chevitarese. “Todo aquele que aceitasse como senhor qualquer outra pessoa que não Deus. Então o que o explica é a resistência à presença romana, lembrando suas dimensões politeístas, numa terra da qual Deus seria o dono.”

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Flavio Josefo, em ilustração antiga

“Esse tipo de tensão explica tanta pluralidade de experiências religiosas na terra de Israel no século 1”, conclui ele. Judas era uma liderança política galileia de bases campesinas, que conseguiu arregimentar um conjunto muito grande de camponeses.

“Era alguém que reivindicava princípios caros, como por exemplo se era lícito pagar impostos que não fossem a Deus, se só existia um senhor Deus… Foi um movimento que não gerou frutos de longa duração, mas aquela perguntinha que ecoa nos evangelhos, sobre se é lícito ou não pagar impostos a César está se referindo, do ponto de vista ideológico, a uma das pautas do Judas.”

Chevitarese situa entre esses líderes político-religiosos o próprio João Batista, na Bíblia situado como primo de Jesus e aquele que o teria batizado. “Foi um movimento, o do Batista. Ele foi contemporâneo a Jesus e não é aquele que nos evangelhos é citado como quem ‘não seria digno’ de atar as sandálias dos sapatos de Jesus”, afirma o historiador.

“Na época dos dois, de Jesus e de João, ele, João Batista, era infinitamente maior e mais importante do que Jesus. Muito mais conhecido. Ele era o grande candidato messiânico. E Jesus se tornou seu discípulo após o batismo, permaneceu com ele no movimento, aprendeu com ele”, relata o historiador da UFRJ.

“O movimento de Batista sem o Batista [ou seja, depois da morte dele], tal e qual o movimento de Jesus sem Jesus, vai tensionar ao longo de todo o século 1 e primeira metade do século 2”, conta.

“A questão era quem é o messias: João Batista ou Jesus de Nazaré? Quem seria o Cristo? Repare que estamos olhando por um viés sociológico esses movimentos populares, saindo das amarras teológicas tendenciosas”, diz.

“Há muitas questões subentendidas naquelas narrativas evangélicas”, acredita.

Chevitarese também lembra o papel desempenhado pelo líder conhecido simplesmente como O Egípcio, que aparece nas narrativas de Josefo e também nos Atos dos Apóstolos, da Bíblia. “Não és tu porventura aquele egípcio que antes destes dias fez uma sedição e levou ao deserto quatro mil salteadores?”, pontua o texto bíblico.

“Ele é outro que se assume como novo líder, mobilizando, levando gente, dizendo que iria fazer os muros de Jerusalém caírem, que iriam entrar lá e tomar posse”, comenta. “Uma posse não de modo pacífico, eram caras dispostos a partirem para a pancadaria, para matar ou morrer. Esse foi um movimento violentamente reprimido.”

O historiador deixa claro que, embora esses três casos sejam mais interessantes, foram muitas as figuras religiosas que arrebanharam multidões no período. Ele cita Atronges, João de Giscala, Simão Bar Giora, Menachem, Teudas… “Todos esses eram candidatos messiânicos antes, durante e depois de Jesus”, enfatiza.

Pesquisador de cristianismo antigo, Thiago Maerki, ligado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e à Hagiography Society, nos Estados Unidos, lembra de outro personagem messiânico desse tempo: Apolônio de Tiana.

“Há muitos paralelos sobre o que sabemos da vida de Jesus com esse tal de Apolônio. Parece que havia inclusive uma rivalidade na época entre Jesus e Apolônio”, afirma.

“Fala-se sobre Apolônio que, antes de ele nascer, sua mãe havia tido uma visita do céu e que essa personagem celeste havia revelado a ela que seu filho não seria um mero mortal, mas um ser divino, e que o próprio nascimento de Apolônio seria acompanhado por sinais divinos.”

Maerki ressalta que a figura era vista como alguém que não era “um ser humano comum, mas sim um enviado por Deus”. “Quando se fala assim, parece que estamos falando sobre Jesus, mas são informações de Apolônio”, compara.

“Há ainda relatos de que ele teria feito vários milagres para que se acreditasse em sua pregação, que ele teria ressuscitado mortos e que, no fim da vida, ele teria despertado oposição entre autoridades de Roma e levado a julgamento”, narra. “Por fim, ele teria subido ao céu, onde moraria até hoje. E para provar isso, teria ele aparecido a, ao menos, um de seus seguidores.”

Movimentos dentro do judaísmo

Em comum, todos esses movimentos, inclusive o protagonizado por Jesus, tinham o caráter político rebelde. “Eles compartilhavam a ideologia de resistência ao império romano”, define Chevitarese.

“No viés religioso, a partir de diferentes objetivos, centralizavam a ideia de que o Deus de Israel iria intervir na história e restabelecer o poder político na nação.”

Mas com tantos líderes politico-religiosos, de certa forma semelhantes, por que Jesus se tornou tão grande e os outros desapareceram?

Para os especialistas, a chave é entender que todos esses movimentos ocorreram dentro do judaísmo. Mas o cristianismo, o tal “movimento de Jesus sem Jesus”, foi o único capaz de ultrapassar essa fronteira.

“A história da origem do cristianismo só pode ser compreendida em sua origem judaica. O cristianismo surgiu como um movimento profético messiânico na Galileia, que viu seu messias morto pelos romanos em Jerusalém”, diz Nogueira.

“Como movimento judaico ele se disseminou pela diáspora judaica no Mediterrâneo e ali se articulou com outras formas religiosas do mundo greco-romano, mas até o segundo século adentro se sentiam como relacionados à religiosidade judaica e assim eram vistos pelos pagãos.”

“Esses candidatos a messias todos existiram, mas seus movimentos não deram certo porque todos eles, incluindo o movimento de Jesus, eram intrajudaicos. Foram pensados para discutir pontos de vista políticos, religiosos e econômicos do judaísmo”, completa Chevitarese.

“Eram questões específicas internas daquelas culturas judaicas, daquelas multiplicidades de percepções do judaísmo, tendo sempre como centralidade a figura de Deus, qual era o papel de Deus nesses embates, nessas lutas, qual era a expectativa de Deus na justiça de Israel.”

No caso de Jesus, havia o anúncio do Reino de Deus em oposição à realidade. Ou seja: um reino da justiça divina em oposição à injustiça de César, um reino de paz em oposição àquele período bélico, um reino de comensalidade em oposição à fome.

“E um reino de igualdade de gêneros, onde homens e mulheres eram chamados à messe, em oposição às hierarquizações sociais do reino de César”, pontua Chevitarese.

Mas se todos os outros movimentos semelhantes acabaram restritos ao mundo intrajudaico, o cristianismo acabou ultrapassando as fronteiras justamente por conta do papel desempenhado pelos seguidores das gerações seguintes.

“Após a morte de Jesus, imbuídos da crença na ressurreição, seus discípulos passaram a atuar de maneira muito eficaz e competente”, comenta o teólogo Moraes. “A mensagem passou a não ser recebida apenas pelos judeus, assumiu um caráter universal. Esse rompimento das fronteiras fez com que, de alguma maneira, o movimento de Jesus se tornasse mais impactante.”

Ao mesmo tempo, os outros movimentos messiânicos ficaram presos às fronteiras nacionais e étnicas. “Nunca tiveram pretensões além disso”, avalia Chevitarese. “A geração que viu ainda lembrava, mas depois foram derrotadas, ao tempo em que a memória esquecia.”

“Já o movimento de Jesus sem Jesus, como transcendeu as questões propriamente judaicas, se tornou universalista. Passou a tratar dos problemas dos seres humanos”, afirma ele.

Para Nogueira, “é uma questão difícil” explicar porque Jesus sobreviveu aos séculos e seus contemporâneos de outras dissidências, não. “Eu diria que seu carisma, seu poder de interagir com seus seguidores e de influenciá-los, foi seu diferencial. Não há uma liderança de impacto histórico que não tenha competências marcantes, com características de liderança, poder milagroso, poder retórico, coerência moral, por um lado, e repercussão entre as pessoas que se tornaram suas seguidoras, por outro lado”, afirma.

“Não há como dissociar as duas coisas: Jesus foi um profeta e milagreiro poderoso e foi percebido como tal por seus seguidores.”

A visão religiosa

Também há a visão pragmática-religiosa, evidentemente. “Aqueles que creem vão dizer que o movimento de Jesus deu certo porque ele era mesmo o messias esperado, o filho de Deus encarnado”, afirma o teólogo Moraes. “Ele era aquele que havia sido prometido pelos profetas.”

A própria Bíblia trabalha com essa ideia. No livro dos Atos dos Apóstolos, há uma passagem em que um fariseu mestre da lei afirma que não seria necessário fazer nada para conter o movimento de Jesus, porque se ele realmente não fosse obra divina ele se extinguiria naturalmente.

“Essa é uma posição pragmática adotada pela linha crente: Jesus deu certo porque ele era, de fato, o filho de Deus, o verbo encarnado”, aponta Moraes.

Historicamente, contudo, Moraes lembra que houve uma coincidência na expansão do cristianismo com o período conhecido como Pax Romana — do ano 27 a.C. Com o ano 180 d.C. E isso, aliada à decisão dos primeiros seguidores de Jesus de disseminarem a história dele, foi um fator fundamental nessa universalidade do legado deixado pelo líder messiânico.

“O mundo criado por Roma impõe uma política violenta, mas de pacificação, a Pax Romana. Há uma espécie de globalização no mundo antigo, com a administração de Roma nas possessões mas uma espécie de livre trânsito de mercadorias e ideias”, pontua.

“Isso, em meio a um momento de judaísmo fragmentado, favorece o trabalho dos missionários cristãos na própria estrutura do império. Isso ajuda a explicar por que o cristianismo atingiu esse sucesso todo”, acrescenta.

Independência de visões

De acordo com os pesquisadores, em linhas gerais não havia um intercâmbio entre esses movimentos que coexistiram, exceto raras exceções.

Uma delas, aliás, é digna de nota: Jesus foi batizado e se tornou discípulo de João Batista.

“Ele aprendeu com o Batista”, enfatiza Chevitarese. “Houve um intercâmbio de aprendizado.”

“Jesus também bebeu na tradição de Judas, o Galileu, no sentido de não topar diálogo com romanos”, acrescenta ele.