- Heloisa Villela
- De Nova York (EUA) para a BBC News Brasil
Anthony Amojera é paramédico do corpo de bombeiros, em Nova York, há 19 anos. Ele socorre, diariamente, pessoas com problemas de saúde mental que precisam de tratamento mas estão nas ruas da cidade. Ele e os colegas atendem frequentemente as mesmas pessoas que entram e saem dos hospitais, mas não encontram solução para os problemas financeiros e de saúde que estão enfrentando.
Ele conhece o problema por dois ângulos distintos. Aos vinte anos, Anthony também foi sem-teto. Passou uma noite apenas em um abrigo de Nova York. “Eles não têm pessoal suficiente para atender as pessoas e os lugares não têm segurança”, conta.
Anthony achou melhor dormir em seu carro porque, por sorte, tinha um. E foi o que fez durante dois anos. Hoje ele atende os telefonemas de socorro que são cada vez mais numerosos.
Antes da pandemia, a média era de 3,5 mil a 4 mil chamadas por dia. Hoje são mais de 6 mil e pelo menos 10% são por causa de problemas mentais. Há dois meses, uma colega de trabalho dele perdeu a vida tentando ajudar uma pessoa durante surto psicótico. Levou vinte facadas.
Não é um incidente comum. Mas ele diz que os paramédicos sofrem chutes, socos e mordidas com frequência. No começo do ano, Alyssa Go, de 40 anos, estava na plataforma do metrô, na estação da Times Square, quando um homem se aproximou e a empurrou na frente de um trem que se aproximava. Ela morreu na hora. O homem foi internado em um centro psiquiátrico. Não tinha condições mentais de responder a julgamento.
Preocupado com esse tipo de incidente, o prefeito de Nova York, Erick Adams, anunciou a intenção de recolher, nas ruas, as pessoas com problemas de saúde mental para serem internadas a força em hospitais psiquiátricos. E disse, ainda, que todos que não apresentarem condições de suprir suas próprias necessidades básicas serão recolhidos também.
A notícia causou reações entre as organizações que cuidam da população de rua e das que representam pessoas com doenças mentais. Na última quarta-feira (07/12), vários grupos se reuniram nas escadarias da sede da prefeitura para exigir que Adams abandone a ideia.
Matt Kudish, presidente da Aliança Nacional de Doenças Mentais (NAMI), foi um deles.
Kudish lembra de uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos de 1999 que determinou que os estados têm que atender as pessoas com doenças mentais de forma integrada na comunidade. Ou seja, não podem manter os pacientes presos em hospitais psiquiátricos.
O estado tem que garantir moradia adequada a esses pacientes para que se reintegrem à sociedade.
Na prática, diz Matt, os hospitais deram alta a esses pacientes que estão na rua – mas sem moradia e sem condições de continuar o tratamento, eles voltam a ter os mesmos problemas.
“O que acontece é que a forma como se lida com isso é como enxugar gelo”, afirmou.
Segundo ele, um morador de rua que tem problemas mentais é recolhido pela polícia, ou pelos paramédicos do corpo de bombeiros, quando está em crise. Essa pessoa passa algumas horas no hospital, ou um dia inteiro. Fica um pouco mais estável e volta para as ruas. O problema não se resolve, só se repete, diz.
Michael Anderson passou oito anos assim, entrando e saindo dos hospitais. Ele foi diagnosticado com bipolaridade e volta e meia esquecia de tomar os remédios, entrava em crise, era recolhido e levado a uma instituição de saúde e depois de um dia ou dois recomeçava o ciclo.
Mas Anderson diz que teve muita sorte porque um dia foi internado em um hospital que só dava alta aos pacientes que tinham uma situação mais estável, uma possibilidade de solução. Depois de três meses no hospital, a prefeitura encontrou uma moradia subsidiada para Michael e há 17 anos ele mora sozinho, se cuida e nunca mais precisou ser internado. Hoje ele trabalha como voluntário da NAMI.
Jacquelyn Simone, diretora da Coalizão pelos Sem-Teto, uma das organizações mais antigas de Nova York nessa área, disse que a população de rua costuma ser vítima de crimes e não autora deles.
“Mas o prefeito continua fazendo os sem-teto e as pessoas com problemas mentais de bode expiatório”, disse.
Ela defende a necessidade de ampliação dos programas de saúde mental na cidade porque boa parte dos que mais precisam de ajuda não tem condição financeira de arcar com os custos dos tratamentos.
Os Estados Unidos não tem um sistema de saúde pública.
“Em 2021, 93.925 adultos se enquadravam nos programas de saúde mental da cidade mas apenas 2.179 foram atendidos, ou seja, apenas 2,3%. A prefeitura deveria expandir o acesso aos programas psiquiátricos para quem quer se tratar”, afirmou.
Nas escadarias da prefeitura, Matt Kudish também fez discurso criticando a proposta do prefeito Erick Adams. Mas disse que Nova York tem uma chance histórica e única que não pode ser desperdiçada.
“O prefeito pelo menos está disposto a falar sobre o assunto e seria muito triste perder essa oportunidade”.
A organização que ele dirige entrou com uma ação preventiva na Justiça, para impedir que o plano do prefeito seja executado.
Ao mesmo tempo, a entidade mantém contato com interlocutores do governo municipal para que Nova York crie um grupo de profissionais da área de saúde e de habitação para traçar um plano de atendimento mais humanitário.
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