- Leandro Prazeres
- Da BBC News Brasil em Brasília
Com o aval do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o relator do orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), protocolou no Senado nesta segunda-feira (28/11) a chamada “PEC da Transição”.
O nome é uma alusão a uma proposta de emenda constitucional sugerida pela equipe de transição que prevê, entre outras coisas, tirar as despesas com o Auxílio Brasil do teto de gastos. No total, a estimativa é que em torno de R$ 198 bilhões por ano fiquem fora do teto.
A formalização do texto junto ao Senado dá a largada para que ele seja votado no Congresso Nacional. A PEC é considerada vital pelo comando da transição para o novo governo do presidente Lula porque permitiria o cumprimento de algumas promessas de campanha do petista, como a manutenção do Auxílio Brasil em R$ 600 e a recomposição do orçamento de programas como o Farmácia Popular.
Mas o texto que foi entregue ao Senado é diferente da versão original da medida que havia sido divulgado há pouco mais de uma semana. Inicialmente, o governo eleito queria que as despesas com o Auxílio Brasil ficassem fora do teto de gastos por prazo indefinido. A medida constava, inclusive, na minuta da PEC anunciada pela equipe de transição.
A falta de um prazo, porém, gerou críticas de adversários e reações negativas do mercado. A proposta representa um recuo em relação à anterior e, agora, prevê que essa excepcionalidade durará por apenas quatro anos (2023 a 2026).
O texto prevê outras medidas consideradas importantes para o novo governo petista.
Confira abaixo quatro pontos para entender a PEC da Transição.
As principais mudanças propostas são:
- Retirar os investimentos no programa Auxílio Brasil (antigo Bolsa Família) do teto de gastos entre 2023 e 2026. O valor estimado para essa finalidade é de R$ 175 bilhões ao ano.
- Retirar do teto de gastos os investimentos em programas socioambientais ou relativo a mudanças climáticas custeados por doações
- Tirar do teto de gastos as despesas feitas por universidades ou institutos federais que sejam custeados por doações ou convênios
- Permitir que o governo gaste até R$ 23 bilhões em investimentos em caso de excesso de arrecadação
Para entrar em vigor, a PEC precisa ser aprovada por três quintos dos parlamentares em dois turnos em cada Casa Legislativa: Senado e Câmara dos Deputados. Caso obtenha os votos necessários, a PEC é promulgada sem necessidade do aval (sanção) do presidente da República.
Entre todas as medidas legislativas, a PEC é considerada a mais difícil de ser aprovada porque exige um quórum de votação mais elevado.
O governo eleito defende que, para garantir o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 a partir de 2023, a PEC precisaria ser aprovada ainda neste ano.
Como esse dinheiro vai ser usado?
Em entrevista à CNN Brasil no dia 14 de novembro, o senador eleito e um dos principais articuladores do governo de transição, Wellington Dias (PT-PI), afirmou que o dinheiro previsto pela PEC seria gasto com o pagamento do Auxílio Brasil de R$ 600 e um bônus de R$ 150 por criança com até seis anos de idade nas famílias que recebem o benefício.
“A proposta apresentada é um valor relativo ao necessário ao auxílio emergencial […] São R$ 157 bilhões e mais R$ 18 bilhões para o auxílio de R$ 150 por criança”, disse o senador.
Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, disse à BBC News Brasil que a PEC da Transição também permite ao novo governo ampliar seus gastos em outras áreas consideradas importantes.
Isso aconteceria porque, ao tirar os gastos do Auxílio Brasil daqueles sujeitos ao teto, abriria-se uma margem de R$ 105 bilhões (valor estimado do Auxílio Brasil de R$ 405) já previstos no orçamento enviado pelo governo Bolsonaro para o governo Lula gastar com outros programas.
“Ainda não estão claras em quais áreas o novo governo vai querer gastar esse dinheiro, mas há sinalizações de que ele queira gastar em programas como o Farmácia Popular, saúde indígena, retomada de obras e políticas de habitação”, disse Couri.
Um outro ponto previsto na minuta da PEC da Transição prevê um mecanismo que limita o quanto o governo poderá gastar em investimentos quando houver receitas extraordinárias, aquelas que ocorre fora do planejado pelo governo.
Pela proposta, segundo Marcelo Castro, caso o governo tenha excesso de arrecadação, ele poderá gastar até 6,5% desse valor (com base no patamar de 2021) em investimentos limitados a R$ 23 bilhões por ano.
A tentativa de aprovar a PEC da Transição acontece, entre outros motivos, porque a proposta de orçamento enviada pelo governo Bolsonaro para o ano de 2023 não previa os valores suficientes para o pagamento de R$ 600 por família que recebe o benefício.
“O orçamento enviado previa em torno de R$ 105 bilhões para o Auxílio Brasil, que era referente ao valor de R$ 405 por benefício. Apesar de o auxílio de R$ 600 também ter sido uma promessa de campanha de Bolsonaro, esse valor não constava no orçamento”, disse o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Daniel Couri, em entrevista à BBC News Brasil no dia 16 de novembro.
“Mesmo que o vencedor das eleições fosse o Bolsonaro, nós teríamos que estar discutindo uma PEC como essa para garantir o pagamento do Auxílio Brasil no patamar que foi prometido”, disse Carla Beni, economista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em entrevista coletiva nesta segunda-feira, Marcelo Castro disse que a aprovação PEC seria imprescindível para garantir os valores do Auxílio Brasil em R$ 600 no ano que vem.
“É imprescindível, é indispensável. A PEC precisa ser aprovada sob pena de o país não ter um orçamento adequado no ano que vem. É impossível e inimaginável que nós não tenhamos essa PEC aprovada”, disse Castro.
“Não há previsão no orçamento de 2023 previsão para manutenção do Auxílio Brasil no valor atual. É urgente garantir a manutenção desse valor. Tem milhões de pessoas que dependem desse benefício para o seu dia a dia. O governo eleito está procurando todas as formas possíveis para garantir isso”, disse o ex-ministro da Fazenda e membro da equipe de transição Nelson Barbosa.
Ao longo dos primeiros dias da transição entre governos, houve dúvidas sobre se a PEC seria o melhor mecanismo jurídico para executar essa operação orçamentária.
A dúvida existiu porque a tramitação da PEC é mais árdua. Por isso, outra possibilidade estudada foi a edição de uma Medida Provisória (MP) logo no início do governo Lula abrindo um crédito extraordinário no orçamento para o complemento do benefício.
Nos últimos dias, porém, a ideia perdeu força diante do risco de que a medida pudesse ser questionada judicialmente — dando margem para acusações de violação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O entendimento da equipe econômica e política de Lula é de que a PEC, apesar de mais trabalhosa do ponto de vista político, ofereceria maior segurança jurídica ao novo governo.
Quais os riscos?
Na avaliação da professora Carla Beni, o principal risco em torno da PEC da Transição está relacionado à incerteza sobre como essa expansão de gastos será paga. Segundo ela, o novo governo ainda não deixou claro os planos para reequilibrar as contas públicas.
“O governo ainda não disse como é que vai ser feito o financiamento dessa dívida. Não está claro de onde sairá o dinheiro para pagar essas despesas. Não se sabe, por exemplo, se vai ser a partir de uma nova reforma tributária, se vamos cortar desonerações que podem aumentar a arrecadação de impostos”, disse à BBC News Brasil.
Para Beni, se a medida valesse apenas por um ano, os riscos para a deterioração das contas públicas não seriam grandes. Mas, com o prolongamento deste prazo, ela demonstra preocupação com os impactos negativos nas finanças da União.
“Se o governo não fizer uma recomposição das suas receitas revendo desonerações, apontando novas fontes de arrecadação, aí isso pode afetar, sim, o nosso grau de endividamento”, afirmou a professora.
Daniel Couri, do IFI, segue a mesma linha de Carla Beni. Segundo ele, a tensão recente demonstrada pelo mercado em relação à condução da PEC da Transição é resultado das dúvidas sobre como o governo pretende pagar a conta.
“A tensão do mercado não está tão relacionada ao Bolsa Família [antigo nome do Auxílio Brasil], porque ambos os candidatos prometeram aumentá-lo para 2023. A tensão e a preocupação passam mais pelo tamanho do aumento de gastos e pela incerteza sobre como financiar isso nos próximos anos”, disse Couri.
Couri e Carla Beni afirmam que, se o governo não reequilibrar as contas nos próximos anos, os benefícios desejados pela equipe de Lula às populações mais pobres poderão ser reduzidos.
“Se não houver uma recomposição das receitas, o governo vai ter que emitir títulos da dívida para se financiar. Isso coloca o governo em uma situação frágil em caso de algum choque externo, por exemplo. Numa crise, essa fragilidade nas contas públicas pode, inclusive, comprometer os avanços que se quer junto aos mais pobres”, disse Couri.
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