Um estudo que analisou genomas (sequência completa de DNA de um organismo) antigos das Américas, fruto de um doutorado em Arqueologia na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) em parceria com universidades americanas, revelou uma nova rota de migração ocorrida há aproximadamente 1.500 anos que partiu do Uruguai em direção ao norte, chegando ao Panamá, pela costa do Atlântico.
“A principal descoberta [do estudo] eu considero que foi uma nova rota de como foi povoada a América do Sul. Já se sabia sobre a rota que vai de norte a sul, que entra pelo Estreito de Bering, passando pela América do Norte e chegando na América do Sul, tudo isso pela costa do Pacifico, porém a proposta desse novo trabalho é uma nova rota de migração que vai do sul a norte, pela costa do Atlântico”, explicou Henry Lavalle Sullasi, professor da UFPE, coordenador do Laboratório de Estudos Arqueométricos e orientador do estudo.
Henry Lavalle Sullasi, professor da UFPE, coordenador do Laboratório de Estudos Arqueométricos. Foto: Arthur de Souza/ Folha de Pernambuco
A pesquisa, intitulada de “evidência genômica de antigas rotas de migração humana ao longo da costa atlântica da América do Sul”, é assinada pelo pesquisador cearense de pós-doutorado na Universidade Atlântica da Flórida, André Luiz Campelo dos Santos, que teve orientação de doutorado e supervisão de pós-doutorado com Henry Lavalle Sullasi.
Os professores estadunidenses Omer Gokcumen, da Universidade de Buffalo; John Lindo, da Universidade Emory; e Michael DeGiorgio, da Universidade Atlântica da Flórida, são coautores do estudo que foi publicado na revista científica Proceedings of the Royal Society B no dia 2 de novembro.
O estudo se iniciou enquanto André realizava um Doutorado Sanduíche da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) nos Estados Unidos. Desde então, há uma colaboração contínua entre a UFPE e universidades americanas que permite a realização deste tipo de pesquisa.
Sítio Alcobaça. Foto: Ana Lúcia Nascimento Oliveira/ Divulgação
De acordo com André, principal autor do estudo, os pesquisadores encontraram uma relação genética distinta entre os indivíduos antigos de Pernambuco, do Sudeste do Brasil, do Uruguai e do Panamá, quando comparados com os indivíduos da costa do Pacífico.
“Nós encontramos um componente de ancestralidade genômica ao longo da costa atlântica que não é detectado no outro lado do continente, ou seja, na costa do Pacífico. Nós também identificamos que a possível origem dessa ancestralidade se encontrava nos indivíduos antigos do Sudeste do Brasil, e que para a mesma chegar nos atuais Pernambuco, Panamá e Uruguai, teriam que ter ocorrido migrações tanto em direção ao Norte, quanto ao Sul, praticamente simultâneas”, explicou André.
Além da descoberta da nova rota de migração, também foi identificado, em parte dos genomas analisados, componentes genéticos desinovanos, uma espécie de hominídeos da Ásia extinta.
“Nós encontramos uma pequena porcentagem de DNA Denisovano nos indivíduos antigos das Américas. É a primeira vez que é detectado DNA Denisovano em Nativo Americanos antigos. Os Denisovanos foram uma forma de humanos arcaicos que ocuparam a Ásia Central e talvez até partes da Oceania há dezenas de milhares de anos atrás. Quando grupos humanos anatomicamente modernos, isto é, os Homo Sapiens, migraram da África em direção à Ásia, houve o encontro e a mistura com os Denisovanos, o que explicaria a presença deste DNA nos descendentes antigos e modernos”, destacou o pós-doutorando.
“Atualmente, é possível encontrar uma pequena proporção de DNA Denisovano em praticamente todas as populações modernas do mundo. As exceções são as populações africanas subsaarianas”, acrescentou André.
Pesquisador cearense de pós-doutorado na Universidade Atlântica da Flórida, André Luiz Campelo dos Santos. Foto: Arquivo pessoal
De acordo com o autor principal, o objetivo da pesquisa era estudar a ancestralidade dos Nativo Americanos antigos que ocupavam o nordeste do Brasil antes da chegada do colonizador europeu.
“Isso nos permitiria observar possíveis relações genômicas com outros indivíduos antigos e modernos. Assim, talvez nós também conseguiríamos melhor entender como se deu a ocupação humana da região, e até mesmo em um nível continental. O povoamento das Américas ainda é um evento do passado que possui muitas lacunas, e nós conseguimos contribuir com esta discussão”, explicou.
A maior parte das pesquisas foram realizadas nos sítios arqueológicos Pedra do Tubarão e Alcobaça, localizados em Pernambuco. Foram analisados dentes de esqueletos para extrair o material genético e realizar análise computacional desse conjunto de genomas.
“O material ósseo é muito mais poroso e permite a circulação de água, que pode levar o material genético embora. Também se trata de um material que facilmente se degrada, já o dente, por ele ter esmalte dentário, o qual é muito mais duro, ele protege, ele fecha a estrutura do dente, então ele conserva melhor o material genético”, explicou o professor Henry.
A principal região de estudo é o Nordeste brasileiro, especificamente Pernambuco, porém, foram agregados dados genômicos de todas as regiões das Américas e dos outros continentes do Globo.
“Assim, nós comparamos os genomas antigos de Pernambuco com genomas antigos e modernos de todas as regiões do mundo, o que nos permitiu chegar às descobertas que foram apresentadas”, afirmou André.
Para que os cientistas consigam estabelecer a direção de uma migração com base no material genético, foram realizadas análises que buscam agregar os níveis de similaridades genômicas entre os indivíduos e suas respectivas cronologias.
“Assim, nós podemos propor modelos onde é possível estabelecer quais indivíduos seriam “ancestrais” e quais os “descendentes”. Nós então percebemos que, ao longo do povoamento das Américas, os “ancestrais” foram localizados na América do Norte, enquanto que os “descendentes” foram encontrados nas Américas Central e do Sul, o que denota que o povoamento das Américas se deu de Norte a Sul, corroborando uma informação que já se tinha. No entanto, também observamos que ao longo da costa atlântica da América do Sul, é possível o inverso: um indivíduo antigo do Sudeste do Brasil estaria associado com os ancestrais de indivíduos antigos de Pernambuco e do Panamá, o que indica uma migração que começa no Sul e se dispersa em direção ao Norte da América do Sul”, reiterou André.
Pernambuco em evidência
O estudo insere Pernambuco, e o Nordeste do Brasil, nas discussões mundiais acerca da História Natural do Gênero Humano.
“O Nordeste do Brasil, em geral, é uma região que quase sempre foi ignorada por estudos de Arqueogenômica, em parte devido ao seu clima, geralmente quente e úmido, que a princípio não permitiria a preservação de DNA antigo em remanescentes arqueológicos. O nosso estudo então insere Pernambuco, e o Nordeste do Brasil, nas discussões mundiais acerca da História Natural do Gênero Humano, provendo relevantes contribuições para este importante capítulo da História Humana, que foi o povoamento das Américas no passado – um marco que demonstra a capacidade humana de superar enormes desafios e se adaptar aos mais diversos ambientes”, afirmou André.
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