- Juliana Gragnani – @julianagragnani
- World Service Disinformation Team
Dez dias antes do segundo turno das eleições, um vídeo começou a circular em grupos de caminhoneiros.
“Todas as bases dos caminhoneiros aguardarão os resultados à beira da pista. Caso o resultados das urnas seja diferente daquilo que nossos olhos veem, vocês podem estar preparados, pois iniciará no Brasil uma grande paralisação”, dizia no vídeo um homem vestindo uma camiseta com estampa camuflada.
“Não entregaremos o Brasil na mão deles, e não temos medo do ditador Alexandre de Moraes. Pode acreditar. O caldo vai engrossar, o chicote vai estalar e a cobra vai fumar. Não aceitaremos ditadura, muito menos comunismo no Brasil”, ameaçava o homem, com insinuações falsas como a de que haveria ditadura ou comunismo no país se o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vencesse as eleições. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes tampouco é um ditador.
Ele finalizou sua fala com um verso do Hino da Independência: “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil.”
O vídeo circulou no WhatsApp e no Twitter naquele dia. No dia seguinte, já estava no YouTube com o nome “Ou festa ou guerra”. O título destacava que caminhoneiros estavam fazendo um alerta para o dia 30 de outubro.
O alerta se concretizou: depois do resultado das eleições desfavoráveis a Jair Bolsonaro, apoiadores do presidente tomaram rodovias e estradas pelo Brasil, fazendo mais de 300 bloqueios na segunda (31) e na terça (1). Os bloqueios foram liderados por um grupo de caminhoneiros.
Paralisação para votar
A mobilização inicial de caminhoneiros começou ao menos três semanas antes do segundo turno, pedindo que parassem “para votar”.
Segundo reportagem do jornal Folha de S.Paulo, empresas de transportes declaradamente alinhadas a Bolsonaro estavam liberando seus caminhoneiros de trabalharem no fim de semana da eleição para que eles conseguissem votar no segundo turno.
Flávio e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente, compartilharam publicações incentivando a ação. “Dia 30 os caminhoneiros vão parar! Mas não é greve não. É para votar”, escreveu Eduardo.
“Dia 30 os caminhoneiros vão parar….” é o título de um vídeo publicado no canal de YouTube de Flávio Bolsonaro.
No dia 21 de outubro, o líder caminhoneiro e deputado federal eleito Zé Trovão (PL-SC) gravou um vídeo dizendo que caminhoneiros não fariam “paralisação nenhuma”, e que iriam parar em suas casas no dia 30 para votar.
Enquanto isso, em grupos de Telegram, algumas mensagens de texto já faziam menção “ao agro” e a “caminhoneiros” que paralisaram no dia 30.
Levantamento do Monitor de WhatsApp, da Universidade Federal de Minas Gerais, mostra que, entre 20 e 27 de outubro de 2022, mensagens sobre caminhoneiros e outras palavras chave, como “paralisação”, foram enviadas mais por números dos Estados da Bahia, São Paulo e Minas.
Ainda segundo o relatório, a segunda mensagem sobre caminhoneiros mais compartilhada no Telegram apareceu pela primeira vez em 21 de outubro de 2022.
Dizia: “Deixo o meu muito obrigado a todos aqueles que transportam o progresso do nosso país! Dia 30, os caminhoneiros vão parar, mas é por um grande motivo! #Bolsonaro22”
No dia 23 de outubro, uma semana antes do segundo turno, um mensagem falando sobre um “contra-golpe” preparava usuários para votar e permanecer “próximo à seção”. “O povo precisa cercar os cartórios eleitorais e sedes do TSE e outra parte ir para as portas dos quartéis e caminhoneiros e agricultores trancar os trevos de rodovias em desobediência civil.”
Para Wanderlei Alves “Dedéco”, uma das principais lideranças da paralisação de 2018, o movimento começou a ser articulado “logo depois do resultado do primeiro turno”. “Tudo já estava combinado há muito tempo entre caminhoneiros e empresários”, afirma.
Ainda no dia 23, um vídeo que costurava seis depoimentos de caminhoneiros viralizou no WhatsApp e no Telegram.
A sequência continha afirmações como:
– “Se o Lula ganhar as eleições, a gente vai parar, o brasileiro vai parar. (…) Caminhão vai parar até resolver e o que vai ser resolvido”
– “Vamos votar e vamos esperar o resultado das eleições. Se correr tudo bem, vai ser a maior festa que o Brasil já teve. Agora, se houver fraude, o Brasil vai parar”
– “Bom dia, esse recado é para o STF. Dia 30 nós vamos aguardar a eleição com os caminhões na pista, beleza? Dependendo do resultado, nós vamos resolvar a história, beleza, STF?”
– “Vocês não entenderam que está em guerra. Dia 30, não volte para casa. Após a sua votação, não volte para casa. Fique na rua. Pare o país, se for necessário.”
No final, um texto preenchia a tela: “Os caminhoneiros convocam todo o povo a se unir conosco nas pistas caso haja fraude. Não aceitaremos um bandido no poder e nem as injustiças cometidas pelo STF e TSE. Basta!”
Narrativa
No dia 30, depois da vitória de Lula, usuários em grupos no Telegram já perguntavam se “caminhoneiros iriam parar”. Mas, no geral, além da narrativa de fraude, o sentimento inicial era de revolta e decepção, diz o pesquisador Fabricio Benevenuto, da Universidade Federal de Minas Gerais, que monitora mais de mil grupos políticos no WhatsApp e no Telegram.
“As mensagens eram desencontradas, sem estratégia”, diz. Isso porque Bolsonaro não havia se pronunciado e estabelecido uma narrativa que deveriam seguir.
Mas o movimento iniciado por um grupo de caminhoneiros que seguiu os planos divulgados semanas antes acabou tomando as rédeas da narrativa.
Bolsonaristas passaram a apoiar o movimento, adotando uma nova leitura para interpretar o silêncio de Bolsonaro. “O silêncio é visto como parte de um plano, de maneira semelhante ao que aconteceu nos Estados Unidos com Trump e a invasão do Capitólio. Eles especulam que Bolsonaro está aguardando informações do Exército sobre a validade das eleições”, diz Benevenuto.
Muitos se fiam em uma declaração de Bolsonaro feita no dia 11 de outubro, convocando seus eleitores a votar e “permanecer na região da seção eleitoral até a apuração dos resultados”.
Nos grupos de WhatsApp e Telegram, há uma “sensação de que o país inteiro já parou”, diz Benevenuto.
“A grande quantidade de fotos e vídeos de estradas paradas fazem a manifestação parecer muito maior do que é. É grande, mas a sensação nas mensagens é que o Brasil inteiro não quer deixar a suposta fraude acontecer”, diz Benevenuto.
A falsa narrativa de que haveria fraude nas eleições é antiga, e foi disseminada pelo próprio presidente ao menos mais de cem vezes durante seus quatro anos de governo.
O bloqueio das estradas tem causado problemas de abastecimento e deslocamento no país.
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