Durante mais de uma hora, enquanto esperavam o presidente Jair Bolsonaro finalmente falar pela primeira vez após sua derrota nas urnas, grupos bolsonaristas nas redes fervilhavam com mensagens.
Muitos diziam que os bloqueios nas estradas deveriam continuar a qualquer custo.
“Mesmo que o presidente se pronuncie, ele não pode falar para o povo continuar nas ruas, se não vira golpe de estado. Então independente do que ele falar, precisamos nos manter firmes como resistência”, escreveu um usuário em um grupo de WhatsApp.
“Temos que continuar nas ruas”, afirmou outro usuário.
Bolsonaristas estão bloqueando diversas rodovias no país protestando contra o resultado legítimo das eleições presidenciais, vencidas de forma democrática pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro fez um discurso na tarde desta terça (1º) dizendo que os bloqueios estão acontecendo por “indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral”.
Sem condenar a pauta dos protestos, condenou os métodos, dizendo que “não podem ser os da esquerda”.
Ele então citou “invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento de ir e vir”.
Mas seu discurso não foi exatamente lido como uma condenação aos bloqueios.
Algumas mensagens que foram enviadas em grupos bolsonaristas mostram isso: “Foi nítido e claro: temos que manter as ruas”, “não vamos parar”, “para bom entendedor, meia palavra basta” e “foi neutro, isso significa que não jogou a toalha”.
Outros entenderam como um recado para fazer protestos pacíficos. “Vamos fazer protesto sem violência para não sermos acusados de violência”, escreveu uma pessoa em um grupo de Telegram.
A mensagem seguinte: “Ele não pediu pra parar, ele pediu pra fazer de maneira constitucional, para não se igualar aos esquerdistas.”
No Twitter, o comentarista Rodrigo Constantino disse que é “hora da ficha cair” e que o presidente “deixou claro que nossos métodos são diferentes”.
Muitos bolsonaristas que estão nas ruas acreditam que houve fraude nas eleições. Apesar de não ter afirmado isso agora, Bolsonaro construiu a narrativa de fraude ao longo de quatro anos, atacando o sistema eleitoral mais de cem vezes. O sistema eleitoral brasileiro é considerado pela maioria dos especialistas como seguro e transparente.
Novas estratégias
Nos últimos dias, apoiadores de Bolsonaro têm falado em não associá-lo aos bloqueios. Seu medo é que o presidente seja responsabilizado pelo movimento que está atrapalhando o abastecimento e o deslocamento pelo país.
Por isso, há cartilhas com novas estratégias de apoiadores de Bolsonaro circulando em grupos de WhatsApp e Telegram.
“Não fale o nome de Bolsonaro”, pede uma usuária em um grupo de Telegram.
Camiseta com a foto de Bolsonaro ou o número 22 também não pode, assim como músicas oficiais da campanha.
“Conversei com uma advogada, que tem contatos militares, e ela nos orientou a nesse momento ir para os quartéis com camisa do Brasil ou amarela ou verde – SEM ABSOLUTAMENTE NADA QUE REMETA A BOLSONARO OU 22 – cantar o hino do Brasil e rezar. Para os militares, a população estar em massa na frente dos quartéis significa que estão pedindo ajuda”, diz uma das mensagens virais em grupos de Telegram.
Os usuários também temem que grupos que falam explicitamente em intervenção militar sejam investigados ou fechados a mando do Supremo Tribunal Federal. Aliás, há pedidos para que usuários não façam menções ao STF
Desde a tarde desta segunda (31), pipocaram diversos grupos com nome “resistência civil”. E aqueles cujo nome inicial era “intervenção militar” também esconderam sua vocação golpista, trocando seu nome para “resistência civil” ou “força civil”.
Diversos desses grupos de suposta “resistência” se desmembram em grupos menores, separados por Estado, para organizar mais facilmente as manifestações.
“Quando Lula venceu, eles se revoltaram, começando a contemplar possibilidade de intervenção e se inspirando em 1964”, diz Emillie de Keulenaar, pesquisadora da Universidade de Groningen que monitora grupos bolsonaristas.
O silêncio de Bolsonaro foi lido como uma “carta branca” para seguir em frente.
Mas, aos poucos, a linguagem precisou ser modificada – tanto por medo pelo destino de Bolsonaro, tanto para sua própria proteção.
“Eles sabem que esses grupos estão sendo monitorados pelo Supremo Tribunal Federal e que há muitos infiltrados, olhando mensagens e tentando trollá-los, então eles tentam ofuscar a linguagem que pode descreditá-los ou colocá-los em algum perigo”, afirma Keulenaar.
Para Fabrício Benevenuto, pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais que também monitora grupos políticos no WhatsApp e Telegram, há grande semelhança com o que aconteceu nos Estados Unidos.
O ex-presidente Donald Trump se recusou a aceitar os resultados das eleições que perdeu, o que culminou em uma invasão ao Capitólio que deixou mortos.
Benevenuto menciona o QAnon, movimento conspiratório da extrema-direita que alega haver um grupo secreto de satanistas, pedófilos e canibais que conspirou diretamente contra Trump.
“Eles acham que há um plano a ser executado e esse plano está seguindo à risca pelo presidente. E o presidente não comete nenhum crime ao não se pronunciar nem a favor nem contra, e ao mesmo tempo alimenta essas teorias de que tudo faz parte de um plano”, afirma.
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