- Dana Mackenzie
- Revista Knowable *
Daqui a bilhões de anos, quando nosso Sol se aproximar do fim da vida, e os núcleos de hélio começarem a se fundir em seu interior, ele vai aumentar de volume dramaticamente — e se transformará no que é conhecido como uma estrela gigante vermelha.
E, depois de engolir facilmente Mercúrio, Vênus e a Terra, ele crescerá tanto que não poderá mais manter suas camadas mais externas de gás e poeira.
Em um desenlace glorioso, nosso Sol irá lançar essas camadas para o espaço, formando um belo véu de luz, que brilhará como um sinal de néon por milhares de anos até desvanecer.
Nossa galáxia está cravejada de milhares desses memoriais que parecem joias, conhecidos como nebulosas planetárias.
Elas representam a fase final habitual da vida de estrelas com tamanhos que variam da metade até oito vezes a massa do Sol. Já as estrelas com massa maior têm um fim muito mais violento — uma explosão conhecida como supernova.
As nebulosas planetárias têm uma variedade extraordinária de formas, como sugerem seus nomes — o Caranguejo do Sul, o Olho de Gato e a Borboleta, por exemplo.
Mas, por mais bonitas que sejam, elas também são um mistério para os astrônomos. Como pode surgir uma borboleta cósmica do casulo redondo aparentemente indefinido de uma estrela gigante vermelha?
Observações e modelos criados por computador estão agora indicando uma explicação que teria parecido extravagante 30 anos atrás: a maioria das gigantes vermelhas tem uma estrela secundária muito menor, escondida no seu campo gravitacional.
Esta segunda estrela molda a transformação da estrela principal em uma nebulosa planetária, da mesma forma que um ceramista molda um vaso na roda de oleiro.
Acima, à esquerda, uma imagem de infravermelho próximo mostra espetaculares anéis de gás concêntricos na Nebulosa do Anel do Sul, uma nebulosa planetária que fica a cerca de 2,5 mil anos-luz de distância da Terra, na constelação da Vela. Os anéis contam a história das explosões da estrela que está morrendo.
À direita, uma imagem de infravermelho médio distingue facilmente a estrela que está morrendo, no centro da nebulosa (em vermelho), da sua estrela secundária (em azul). Todo o gás e poeira da nebulosa foi expelido pela estrela vermelha.
A teoria dominante sobre a formação das nebulosas planetárias envolvia anteriormente uma única estrela, a própria gigante vermelha. Com força gravitacional fraca nas suas camadas externas, ela perde massa com muita rapidez perto do final da vida — até 1% por século.
Ela também se agita como uma panela de água fervente abaixo da superfície, fazendo com que as camadas externas pulsem para dentro e para fora. Os astrônomos apresentaram a teoria de que essas pulsações produzem ondas de choque que lançam jatos de gás e poeira para o espaço, criando o chamado vento estelar.
Mas muita energia é necessária para expelir esse material completamente sem que ele caia de volta sobre a estrela. Esse vento não pode ser uma brisa suave; precisa ter a força de um jato de foguete.
Depois do escape da camada externa da estrela, a camada interna, que é muito menor, entra em colapso e se torna uma anã branca. Esta estrela, que é mais quente e brilhante que a gigante vermelha que a originou, ilumina e aquece o gás que escapou, até que ele comece a brilhar sozinho — e assim vemos uma nebulosa planetária.
Todo esse processo é muito rápido nos padrões astronômicos, embora lento para os padrões humanos. Normalmente, leva de alguns séculos até milênios.
Até o lançamento do Telescópio Espacial Hubble, em 1990, “nós tínhamos bastante certeza de que estávamos no caminho certo” para compreender este processo, segundo afirma o astrônomo Bruce Balick, da Universidade de Washington, nos Estados Unidos.
Balick e seu colega Adam Frank, da Universidade de Rochester em Nova York, também nos EUA, compareceram a uma conferência na Áustria e viram as primeiras fotografias de nebulosas planetárias tiradas pelo Hubble.
“Nós saímos para tomar café, vimos as imagens e sabíamos que o jogo havia mudado”, relembra Balick.
Os astrônomos acreditavam que as gigantes vermelhas eram esfericamente simétricas e que estrelas redondas deveriam produzir nebulosas planetárias também redondas. Mas o que o Hubble viu não chegava nem perto disso.
“Ficou óbvio que muitas nebulosas planetárias têm estruturas axissimétricas exóticas”, afirma o astrônomo Joel Kastner, do Instituto de Tecnologia de Rochester, nos EUA.
O Hubble revelou lóbulos, asas e outras estruturas fantásticas que não eram redondas — mas, sim, simétricas em relação ao eixo principal da nebulosa, como se girassem naquela roda de oleiro.
A imagem acima, captada pelo Telescópio Espacial Hubble, revela que a Nebulosa do Caranguejo do Sul não tem quatro patas, mas sim duas bolhas. O centro das bolhas revela dois jatos de gás com “nós” que podem se iluminar quando encontram o gás entre as estrelas. Localizado a milhares de anos-luz da Terra, na constelação de Centauro, o Caranguejo do Sul parece ter passado por dois eventos de liberação de gás. Um deles, há cerca de 5,5 mil anos, criou uma ampulheta externa, enquanto um evento similar, 2,3 mil anos atrás, criou uma interna, muito menor.
Companheira oculta
Um artigo de Balick e Frank publicado em 2002 pela revista científica Annual Review of Astronomy and Astrophysics documentou o debate existente na época sobre a origem dessas estruturas.
Alguns cientistas propunham que a simetria axial era derivada da forma de rotação da estrela gigante vermelha ou do comportamento dos seus campos magnéticos, mas ambas as ideias não atendiam a alguns testes fundamentais. A rotação e os campos magnéticos devem enfraquecer com o crescimento da estrela, mas a velocidade de perda de massa das gigantes vermelhas aumenta no fim da vida.
A outra hipótese era que a maior parte das nebulosas planetárias é formada não por uma estrela, mas por um par de estrelas — o que a astrônoma Orsola De Marco, da Universidade Macquarie em Sydney, na Austrália, chamou de “hipótese binária”.
Neste cenário, a segunda estrela é muito menor e milhares de vezes menos brilhante que a gigante vermelha. E pode estar à mesma distância entre Júpiter e o Sol. Isso permitiria que ela afetasse a gigante vermelha a uma distância suficiente para não ser engolida.
Existem também outras possibilidades, como uma órbita irregular, na qual a segunda estrela se aproximaria da gigante vermelha em intervalos de algumas centenas de anos, retirando camadas da estrela principal.
De qualquer forma, a hipótese binária é uma ótima explicação para o primeiro estágio da metamorfose de uma estrela que está morrendo. Como a estrela secundária afasta os gases e a poeira da estrela primária, eles não são imediatamente sugados para a secundária — mas formam um disco de material rodopiante, conhecido como disco circunstelar, no plano orbital da secundária.
Esse disco circunstelar é a roda do oleiro.
Se o disco tiver um campo magnético, ele impulsionará todos os gases carregados para fora do plano do disco, em direção ao eixo de rotação. Mas, mesmo sem campo magnético, o material do disco impede o fluxo externo de gases no plano orbital, de forma que o gás assumirá uma estrutura bilobular, com fluxo mais rápido em direção aos polos.
E é exatamente isso que o Hubble viu nas suas imagens de nebulosas planetárias.
“Por que procurar uma explicação muito complicada se a estrela secundária é uma interpretação tão boa?”, questiona De Marco.
Na imagem à esquerda, a Nebulosa do Jato Duplo, a 2,4 mil anos-luz da Terra, na constelação de Serpentário (Ophiuchus), tem forma de ampulheta, com dois jatos de gás movendo-se rapidamente em direção aos polos. O gás provavelmente foi lançado pela estrela central há cerca de 1,2 mil anos.
Na imagem à direita, a Nebulosa do Olho de Gato, a 3,3 mil anos-luz da Terra, na constelação do Dragão, exibe 11 anéis concêntricos de poeira, que os astrônomos estimam terem sido liberados em intervalos de 1,5 mil anos. O processo de formação da intrincada estrutura interna ainda é desconhecido.
Ver para crer
Mas a ideia das estrelas secundárias indetectáveis não foi bem recebida por alguns astrônomos.
A astrônoma Leen Decin, da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, conta que, em 2020, um famoso astrofísico disse a ela: “Sabe, Leen, tudo parece tão fantástico, as observações são tão fascinantes, os modelos de última geração atuais parecem fazer um trabalho muito bom para interpretar os dados, mas, no fundo, nós não deveríamos acreditar apenas no que realmente podemos ver?”
Ao longo dos últimos 10 a 15 anos, os ventos mudaram de forma consistente. Novos e inovadores telescópios revelaram que algumas gigantes vermelhas são rodeadas por estruturas em espiral e discos circunstelares antes de se tornarem nebulosas planetárias — exatamente como seria esperado se houvesse uma segunda estrela puxando material para fora da gigante vermelha.
E há dois casos em que os astrônomos talvez tenham até identificado a própria estrela secundária.
Decin e seus colegas basearam seu trabalho no telescópio Alma (sigla em inglês para Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array), no Chile, que começou a operar em 2011. O Alma consiste de 66 radiotelescópios que trabalham juntos para produzir imagens de objetos astronômicos.
“Ele fornece resolução espacial e espectral que são importantes para compreender a dinâmica e a velocidade”, explica Decin.
A velocidade é uma parte importante do quebra-cabeça para que os cientistas mapeiem os ventos estelares e os discos circunstelares.
Acima, os nomes das estrelas estão no canto superior esquerdo de cada imagem. Os ventos que sopram para fora das estrelas criam uma série de estruturas, como discos, espirais e “rosas”, consistentes com a teoria de que a estrela gigante vermelha tem uma estrela secundária em sua órbita. A cor vermelha indica gases se movendo para longe do observador, enquanto azul indica gases que se movem em direção ao observador. 1 UA é uma unidade astronômica, ou a distância entre a Terra e o Sol. Comparativamente, Netuno está a 30 unidades astronômicas do Sol. As estrelas secundárias provavelmente ficam mais perto das suas estrelas primárias do que o Sol de Netuno. Elas não são visíveis devido ao brilho da estrela primária.
O ato final
O Alma já observou estruturas em espiral ou em forma de arco em volta de mais de uma dúzia de estrelas gigantes vermelhas, quase certamente um sinal de que existe matéria saindo da gigante vermelha e espiralizando em direção à secundária. Essas espirais basicamente coincidem com as simulações criadas por computador — e é impossível explicá-las com o antigo modelo de vento estelar.
Decin relatou as descobertas iniciais em 2020 na revista Science — e as expandiu no ano seguinte, na Annual Review of Astronomy and Astrophysics.
Além disso, a equipe de Decin também pode ter identificado as secundárias outrora não detectáveis de duas gigantes vermelhas, p1 Gruis e L2 Puppis, em imagens do Alma. Para ter certeza, eles precisam monitorá-las ao longo de um período de tempo, para ver se os objetos recém-detectados estão se movendo em torno da estrela primária.
“Se eles se moverem, estou certa de que temos secundárias”, afirma Decin.
E talvez esta descoberta convença os últimos céticos.
Assistir ao vivo
Como investigações de cenas de crimes, os astrônomos agora têm as imagens de “antes” e “depois” da criação de uma nebulosa planetária. A única coisa que falta é o equivalente às imagens das câmeras do circuito interno de segurança do evento em si.
Existe alguma esperança de que os astrônomos possam flagrar uma gigante vermelha no momento em que ela se torna uma nebulosa planetária?
Até o momento, os modelos computadorizados são a única forma de “assistir” ao desdobramento do processo, que dura centenas de anos, do início ao fim. Eles ajudaram os astrônomos a se concentrar em um cenário dramático, no qual a estrela secundária submerge na primária após um período prolongado orbitando e perde distância devido às forças gravitacionais.
À medida que se espiraliza em direção ao núcleo da gigante vermelha, a estrela secundária perde “uma imensa quantidade de energia gravitacional”, diz Frank.
Os modelos computadorizados demonstram que isso acelera enormemente o processo por meio do qual a estrela lança suas camadas externas, reduzindo-o a apenas de um a 10 anos. Se isso estiver certo e os astrônomos souberem para onde olhar, eles podem presenciar a morte de uma estrela e o nascimento de uma nebulosa planetária em tempo real.
Uma candidata que merece ser observada é a estrela V Hydrae. Esta gigante vermelha é muito ativa e ejeta jatos de plasma como se fossem munição em direção aos polos a cada 8,5 anos. Ela também expeliu seis grandes anéis no seu plano equatorial ao longo dos últimos 2,1 mil anos.
O astrônomo Raghvendra Sahai, do Laboratório de Propulsão a Jato da Nasa — que publicou a descoberta dos anéis em abril de 2022 —, acredita que a gigante vermelha possui não uma, mas duas estrelas secundárias.
Uma estrela secundária próxima pode já estar beirando o “envelope” circunstelar da gigante vermelha e produzindo as ejeções de plasma, enquanto uma secundária distante em órbita irregular controla a ejeção dos anéis. Se for este o caso, a V Hydrae pode estar perto de engolir sua estrela secundária mais próxima.
Por fim, e o nosso Sol?
Os estudos sobre estrelas binárias podem parecer ter pouca relevância para o destino da nossa estrela porque ela é solitária. Decin estima que as estrelas que têm companheiras perdem massa cerca de seis a 10 vezes mais rápido do que as solitárias, porque é muito mais eficiente uma estrela secundária atrair a cobertura de uma gigante vermelha do que a própria gigante vermelha lançar sua cobertura.
Isso significa que os dados sobre os sistemas estelares não podem prever com segurança o destino de estrelas solitárias, como o Sol.
Cerca da metade das estrelas do tamanho do Sol têm estrelas secundárias de algum tipo. Segundo Decin, a secundária sempre afetará a forma do vento estelar, alterando significativamente a velocidade de perda de massa se estiver suficientemente próxima.
O Sol, muito provavelmente, irá lançar sua camada externa mais lentamente do que aquelas estrelas e permanecerá na sua fase de gigante vermelha por muito mais tempo.
Mas ainda há muitos fatos desconhecidos sobre o ato final do Sol. Mesmo que Júpiter não seja uma estrela, por exemplo, ele ainda pode ser suficientemente forte para atrair material do Sol e criar um disco circunstelar.
“Acho que teremos uma espiral muito pequena, criada por Júpiter”, afirma Decin.
“Mesmo nas nossas simulações, você pode ver seu impacto sobre o vento solar.”
Se for este o caso, o nosso Sol também poderá estar a caminho de um grand finale espetacular.
* Dana Mackenzie é matemática e jornalista freelancer especializada em ciências.
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