• Simone Machado
  • De São José do Rio Preto (SP) para a BBC News Brasil

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Não são todos os países que fazem barriga de aluguel que aceitam fazer o procedimento para pais solos ou casais homossexuais. Apenas Colômbia, México e os Estados Unidos fazem nessas condições

Apaixonado por crianças, o pediatra Leonardo Vieira sempre sonhou em ser pai. Aos 42 anos e sem ter um companheiro, recorrer ao processo de surrogacy, termo em inglês mais aceito para se referir à barriga de aluguel, foi a solução encontrada por ele para se tornar pai solo.

O médico de Belo Horizonte conheceu o procedimento através de uma reportagem que viu na televisão há oito anos. Desde então, passou a pesquisar sobre o assunto e a amadurecer a ideia de realizar o sonho da paternidade.

Em 2021, em meio à pandemia, Leonardo decidiu que havia chegado o momento de ser pai e entrou em contato com uma empresa que oferece esse serviço para brasileiros que querem ter seus filhos através da barriga de aluguel no exterior – onde a prática é permitida.

Entre a entrada na documentação e a gestação foi pouco mais de um ano de ansiedade. Em julho, Leonardo viajou para Bogotá, na Colômbia, para buscar seu filho, Joaquim, hoje com 2 meses.

“Escolhi a Colômbia, por ser um país próximo, que eu chegaria em poucas horas de voo e pela questão do idioma ser mais fácil. A gestação do Joaquim foi muito abençoada, sem nenhuma complicação e hoje ele está em meus braços”, diz o médico.

A técnica de surrogacy consiste em formar os embriões a partir dos espermatozoides do pai (ou pais) e os óvulos de doadoras anônimas fornecidos pela clínica.

É feita a fecundação em laboratório e em seguida, os embriões são transferidos para o útero de uma mulher cadastrada como barriga de aluguel.

Várias avaliações psicológicas são feitas para preparar a doadora do útero, além de exames que comprovem seu bom estado de saúde para gerar uma criança.

A mulher recebe acompanhamento médico e do pai da criança durante todo o pré-natal. Após o nascimento, o bebê é entregue ao pai e sua certidão de nascimento é registrada com o nome do pai.

Crédito, Arquivo pessoal

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Apaixonado por crianças, o pediatra Leonardo Vieira sempre sonhou em ser pai

Preconceito

Apesar de a prática ser legalizada em vários países, o preconceito contra pais solteiros ou gays fez parte da rotina do médico Wagner Alexandre Scudeler, de 44 anos, pai solo de Arthur por barriga de aluguel nos Estados Unidos. Ele foi demitido de dois dos hospitais onde trabalhava após entrar com o pedido de licença paternidade.

“Em um dos hospitais eu tinha oito anos de empresa e me demitiram logo após eu comunicar que estava fazendo o procedimento de barriga de aluguel e que meu bebê estava prestes a nascer. Para mim não há outra explicação, ficou nítido que foi por preconceito”, conta.

Crédito, Arquivo pessoal

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Wagner conta que Arthur foi o primeiro neto de seus pais e que o bebê chegou após suas duas irmãs sofrerem abortos espontâneos.

Por parte da família e dos amigos, não faltou apoio. Wagner conta que Arthur foi o primeiro neto de seus pais e que o bebê chegou após suas duas irmãs sofrerem abortos espontâneos.

“No começo fica aquela desconfiança de como o procedimento é feito, se a mulher que faz a gestação realmente vai entregar o bebê, essas dúvidas comuns. Mas quando o Arthur chegou à nossa família, ficamos todos muito felizes e ele é muito amado”, conta.

Wagner, que ainda possui embriões congelados e armazenados em uma clínica, afirma que pretende fazer um novo procedimento de surrogacy no próximo ano e ter mais um filho – dessa vez uma menina.

Pai de dois

O processo de surrogacy também foi a maneira encontrada pelo empresário Rodrigo Bayer Marders, de 45 anos, de realizar o sonho de ser pai. Hoje ele tem duas crianças, o Eduardo, de 4 anos e a Helena, de 10 meses, ambos gerados pela mesma barriga de aluguel nos Estados Unidos.

“É uma decisão que exige muita coragem, porque ainda há muitas dúvidas e julgamentos. Eu só contei que seria pai quando todo o processo já havia dado certo e a gestação estava no segundo mês”, recorda o empresário.

Para ajudar nos cuidados com as crianças, Rodrigo conta com a ajuda de uma rede de apoio. O filho mais velho frequenta escola, natação e judô, enquanto a bebê passa o dia sob os cuidados do pai, que pensa até em ter um terceiro filho pelo mesmo procedimento.

“Filhos dão trabalho, mas é maravilhoso tê-los, sou muito apaixonado por eles. Nunca sofri preconceito ou alguma situação constrangedora por ser pai solo. A escola do Eduardo foi bastante acolhedora, assim como os pais dos outros alunos”, acrescenta.

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Para ajudar nos cuidados com as crianças, Rodrigo conta com a ajuda de uma rede de apoio

Empresa faz o procedimento no exterior

Não são em todos os países que fazem barriga de aluguel que aceitam fazer o procedimento para pais solos ou casais homossexuais. Apenas Colômbia, México e os Estados Unidos fazem nessas condições. O valor varia entre 50.000 e 130.000 dólares, sendo o custo mais alto cobrado nos Estados Unidos.

Segundo Bruna Alves, gerente da Tammuz Brasil & América Latina, empresa que faz o agenciamento do serviço de barriga de aluguel no Brasil, atualmente cerca de 40% dos brasileiros que buscam pelo serviço de barriga de aluguel na empresa são pais solo.

“Nós atuamos há 7 anos no Brasil e percebemos que a quantidade de pais solos vem aumentando ano a ano, se tornando um número bastante relevante. Acreditamos que a tendência é que ele cresça ainda mais”, diz.

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O método é regulamentado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) que determina que a mulher que cede a barriga deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (avó, mãe, irmã, tia, sobrinha ou prima) e precisa já ter um filho

Como é feito o procedimento

Para fazer o procedimento, a pessoa que deseja ter filho através de surrogacy precisa buscar uma empresa autorizada a fazer o método. Após entregar a documentação exigida, o pai solo, escolhe a doadora de óvulo e também a mulher que fará a gestação – o óvulo não pode ser da gestante.

Após ter o embrião formado, a transferência é feita. Caso a gestação não dê certo, uma nova transferência é realizada – o pai pode escolher se será na mesma barriga de aluguel ou escolher outra mulher.

“Assim que a gravidez é confirmada, o pai é avisado e ele passa a acompanhar a gestação. Todos os exames e informações sobre a saúde do bebê são enviadas a ele, e em alguns casos, o pai tem o contato da gestante e pode fazer esse acompanhamento mais de perto”, explica Bruna.

No terceiro trimestre de gestação, próximo à data de nascimento, o pai viaja ao exterior para acompanhar a reta final da gravidez e o nascimento do filho. Ao nascer, o primeiro contato do bebê é com o pai e seus familiares, o recém-nascido não tem contato com a mulher que foi barriga de aluguel.

“Um advogado acompanha o nascimento e já dá entrada na documentação da criança. Na certidão de nascimento é colocado apenas o nome do pai”, acrescenta a gerente da Tammuz.

Barriga solidária

A gestação de substituição ou barriga solidária é o método autorizado no Brasil para que homens solteiros ou casais gays masculinos que sonham em se tornar pais possam ter seus filhos – o método também é usado por mulheres que por problemas de saúde não podem engravidar.

Ele é feito com a ajuda de uma mulher que aceita ceder o útero para gerar o bebê, e envolve a transferência de embriões para a doadora temporária da barriga, que não tem participação genética na gravidez.

O método é regulamentado pelo Conselho Regional de Medicina (CRM) que determina que a mulher que cede a barriga deve pertencer à família de um dos parceiros em parentesco consanguíneo até o quarto grau (avó, mãe, irmã, tia, sobrinha ou prima) e precisa já ter um filho.

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Para fazer o procedimento, a pessoa que deseja ter filho através do surrogacy precisa buscar uma empresa autorizada a fazer o método

É preciso ainda fazer um pedido de autorização ao CRM, que avalia o perfil psicológico e emocional da voluntária e verifica se a doação não tem caráter comercial. Além disso, os envolvidos assinam um termo de compromisso afirmando que se trata de uma gestação por substituição e que o bebê será entregue voluntariamente aos pais logo após o nascimento.

Em situações em que não é possível um familiar até o quarto grau ceder a barriga para a gestação, é possível ainda entrar com um pedido junto ao CRM solicitando autorização para que uma pessoa sem parentesco, como uma amiga, por exemplo, participe do processo. Há diversos casos em que essa solicitação foi aceita.

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