- Thais Carrança
- Da BBC News Brasil em São Paulo
As pesquisas eleitorais mais recentes, que indicam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) com mais de 50% dos votos válidos ou muito próximo disso, aumentaram a expectativa de que a eleição presidencial de 2022 possa ser definida já no primeiro turno, em 2 de outubro.
A campanha petista trabalha para que isso ocorra, incentivando o voto útil e o comparecimento às urnas no dia da votação.
Já a campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL) se esforça para que haja segunda turno, o que daria aos eleitores mais tempo para sentirem a melhora recente da economia, impulsionada por estímulos como o Auxílio Brasil de R$ 600 e o corte do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre combustíveis.
Segundo cientistas políticos, quatro fatores podem definir se a corrida eleitoral acaba neste domingo (2/10) ou só no dia 30. Entenda cada um deles.
1) Lula tem vantagem apertada nos votos válidos
Para que a eleição seja definida em primeiro turno, é necessário que o candidato mais votado tenha mais do que 50% dos votos válidos, que é a soma de todos os votos, descontados brancos, nulos e abstenções.
Nas pesquisas já divulgadas nesta última semana antes da votação, Lula registrou 48% dos votos válidos na pesquisa estimulada FSB/BTG Pactual, 49% na Atlas, 50,5% na Genial/Quaest e 52% na Ipec.
Mas, como a margem de erro das pesquisas varia entre 1 ponto (Atlas) e 2 pontos (FSB, Quaest e Ipec) para mais ou para menos, é difícil saber se o petista tem de fato a maioria da preferência dos eleitores.
“Em algumas pesquisas, falta muito pouco para Lula atingir mais da metade dos votos, em outras, ele passa um pouquinho. Então não conseguimos ter certeza se ele vai conseguir ter esse número de eleitores ou não no dia da votação”, afirma Carolina Botelho, cientista política e pesquisadora do Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Ela observa que as pesquisas têm diferenças metodológicas, em função de como são construídas as amostras para aplicação do questionário, e da forma como é feita a coleta dos dados (presencial, por telefone ou pela internet).
“As pesquisas não servem exatamente para se fazer prognósticos eleitorais”, diz Fernando Meireles, cientista político e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento).
“Pela natureza delas, servem muito mais para mapear tendências ao longo do tempo do que para fazer uma predição. Por isso, na situação atual, é muito difícil dizer se Lula vai ganhar ou não no primeiro turno.”
Botelho observa ainda que, no Brasil, é mais comum que eleições majoritárias presidenciais sejam resolvidas em segundo turno.
Desde a redemocratização, apenas duas eleições para presidente do Brasil foram encerradas de primeira: as duas vitórias de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1994 e 1998, tendo Lula como principal adversário.
Nos demais seis pleitos (em 1989, 2002, 2006, 2010, 2014 e 2018), houve segundo turno.
Por fim, Meireles observa que em todas as eleições anteriores — à exceção de 2018, quando Bolsonaro foi eleito — o primeiro colocado teve menos votos nas urnas do que apontavam as pesquisas da última semana e da véspera da votação. (Confira abaixo tabela elaborada pelo professor Bruno Carazza, da Fundação Dom Cabral)
Se essa tendência se repetir, Lula pode ter menos votos do que sugerem as pesquisas. Mas é importante destacar que o passado não necessariamente determina o presente, como mostrou 2018.
2) O peso das abstenções
Um segundo fator de dúvida para uma possível vitória de Lula em primeiro turno é qual será o percentual de comparecimento às urnas em 2022. Isso porque a abstenção nas eleições tem crescido ano a ano, um fenômeno também identificado em outros países.
Junto aos votos brancos e nulos, as abstenções determinam o número de votos válidos. Além disso, o perfil dos eleitores faltantes pode influenciar no resultado.
“Nem todo mundo que é apto — que está registrado para votar, que tem título de eleitor — vai votar. Por uma série de razões, no Brasil, historicamente, pessoas mais pobres e menos escolarizadas tendem a votar menos”, diz Meireles, do Cebrap.
Segundo ele, parte disso tem a ver com o custo de deslocamento para os locais de votação, pois muitas dessas pessoas moram no interior, em locais de difícil acesso e não têm recursos para ir até as seções eleitorais, ou não podem perder o dia de trabalho para ir votar.
Esses mesmos eleitores, segundo as pesquisas de opinião e o histórico de votações anteriores, tendem a preferir candidaturas do PT. Assim, uma maior abstenção de eleitores de baixa renda poderia tornar mais difícil a vitória de Lula em primeiro turno.
Meireles pondera, porém, que historicamente a abstenção sozinha não tem impacto significativo nos resultados eleitorais. Isso porque os grupos que têm baixo comparecimento representam fatia pequena do eleitorado.
Por exemplo, no primeiro turno de 2018, os analfabetos tiveram taxa de comparecimento significativamente mais baixa do que a dos eleitores com mais escolaridade, conforme mostra esse gráfico elaborado pelo cientista político Jairo Nicolau, da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
No entanto, observa Meireles, os analfabetos representam apenas 4,5% dos eleitores, um peso relativamente pequeno dentro do total.
Além disso, outros grupos também têm abstenção alta, como os idosos com mais de 70 anos, idade a partir da qual o voto deixa de ser obrigatório.
Esses eleitores tendem a votar mais em Bolsonaro, segundo as pesquisas eleitorais, compensando em alguma medida a abstenção dos mais pobres, que votam mais em Lula, exemplifica o pesquisador do Cebrap.
“No saldo geral, todas essas movimentações são muito pequenas e não chegam a alterar de forma significativa as características do eleitorado ou o perfil eleitoral de quem vai votar. Essas movimentações acabam em certa medida se anulando”, avalia Meireles.
“É claro, como estamos falando de uma eleição que pode ser decidida em primeiro turno, com pouca diferença de votos, pode ser algo que faça diferença. Mas é difícil prever se esse vai ser o caso ou não”, acrescenta.
Carolina Botelho, da UERJ, acredita que a abstenção poderá ser menor este ano do que em eleições anteriores.
“Há estudos, inclusive nos EUA, que mostram que, quando há eleições muito tensionadas, como é o caso dessa, o eleitor tende a ir às urnas tentar resolver logo. Acredito que, por conta da forma atípica que se construiu essa eleição, a tendência é de que a abstenção diminua.”
3) A incógnita do voto útil
Muita gente deixa para decidir o voto na véspera, principalmente para os cargos de senador e governador dos Estados, que são cargos sobre os quais as pessoas acabam se informando menos ao longo da campanha eleitoral, deixando para tomar uma decisão em cima da hora.
Por isso não surpreende que as pesquisas mostrem resultados diferentes dos votos efetivamente apurados nesses casos, mais do que na eleição presidencial, observa Meireles.
Mas, nas eleições presidenciais, dois fenômenos podem causar mudanças de última hora nos resultados eleitorais: o voto útil e movimentações entre os indecisos.
“O voto útil é o daquela pessoa que, dado as pesquisas de véspera, ela decide alterar seu voto estrategicamente, pensando em ter maior influência no resultado final ou votar no candidato vencedor, para sentir que seu foto não foi desperdiçado”, diz o pesquisador do Cebrap.
Ele cita o exemplo de 2018, quando candidatos como Geraldo Alckmin (PSDB) e Marina Silva (Rede) tiveram votações muito mais baixas do que apontavam as pesquisas eleitorais, enquanto Bolsonaro e Fernando Haddad (PT) registraram mais votos do que era esperado.
“2018 foi um ponto fora da curva em relação a voto útil e eu não duvidaria que algo parecido — não necessariamente na mesma magnitude ou proporção — acontecesse agora”, diz Meireles.
Assim, candidatos como Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (UB), poderiam perder votos na reta final para as candidaturas maiores. Mas é difícil prever em que medida isso vai acontecer e como vai afetar o resultado final.
4) O movimento dos indecisos
Por fim, a última incógnita para saber se vai haver segundo turno para presidente ou não está na movimentação dos indecisos.
Segundo a pesquisa FSB/BTG Pactual dessa segunda-feira (26/9), por exemplo, 86% dos eleitores diziam que sua decisão de voto no primeiro turno já está tomada e não vai mudar, enquanto 13% afirmavam que ainda poderiam mudar de ideia.
Apesar do percentual de certeza de voto ter se mantido mais alto ao longo de toda a corrida eleitoral de 2022 do que em eleições anteriores, a parcela de indecisos ainda é relevante.
“O indeciso, em geral, é uma pessoa que não acompanha tanto política. É uma camada da população que está entre a classe média e um pouco mais baixo do que isso, um pouco mais feminina do que masculina. Essas pessoas acabam decidindo o voto muito na última hora”, diz Meireles.
Segundo o pesquisador, dois fatores movem esse grupo. Um é o voto estratégico, que é a tendência de acompanhar a maior parte do eleitorado, votando nos candidatos com maior chance: Lula ou Bolsonaro.
Mas, dentro desse grupo, também costuma haver muita abstenção, pois essas pessoas, por não se importarem tanto com política, acabam muitas vezes não indo votar.
“O que importa é que esse grupo é muito grande. Como é muita gente, se na véspera acontecer qualquer coisa, algum fator que impulsione uma das candidaturas, isso pode mudar muito o resultado eleitoral, em relação às pesquisas da véspera”, diz o cientista político, citando como exemplo a eleição de Wilson Witzel (PSC) ao governo do Rio de Janeiro em 2018.
Carolina Botelho, da UERJ, por sua vez, avalia que o fato de as mulheres serem maioria entre os indecisos pode favorecer o candidato petista na última hora.
“Esse grupo pode influenciar numa vitória de Lula em primeiro turno. A mulher ficou mais desempregada do que o homem na pandemia e tradicionalmente são elas que cuidam de crianças e idosos no Brasil. Então, na pandemia, foram elas que cuidaram dos idosos que ficaram doentes e morreram e das crianças que ficaram dois anos sem escola”, observa.
“Não faltam motivos para esse grupo ter uma rejeição maior a Bolsonaro, como mostram às pesquisas, e isso pode vir a decidir a eleição”, conclui.
Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!
Você precisa fazer login para comentar.