- Giulia Granchi
- Da BBC News Brasil em São Paulo
Abrir mão de votar no seu candidato preferido e optar por outro para evitar um segundo turno — essa é uma definição possível para o “voto útil”, termo que tem estado cada vez mais presente no debate político nesta reta final das eleições para presidente.
“Em uma disputa como a que vemos agora, em determinado momento, o eleitor começa a decidir não quem ele quer que ganhe, mas quem ele quer que não ganhe — ele elenca quem representa o maior mal para ele. Então, ele abandona uma opção que havia feito, em um candidato no qual acreditava, mas que percebe que não vai ganhar, e vota com a expectativa de anular outro candidato”, explica o cientista político Carlos Melo, professor do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa).
Com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL) liderando as intenções de voto nas últimas pesquisas eleitorais, feitas por institutos como Ipec, DataFolha e Quaest, o apelo crescente pelo voto útil tem vindo principalmente dos eleitores do petista, que tentam convencer, por exemplo, o eleitorado de Ciro Gomes (PDT) a mudar de escolha para que um segundo turno com o candidato da direita não aconteça.
Segundo pesquisa Datafolha divulgada na última quinta-feira (22/09), não é possível afirmar se a eleição será ou não decidida no primeiro turno.
O levantamento mostra que o ex-presidente Lula tem 47% das intenções de voto no primeiro turno da eleição presidencial, seguido por Bolsonaro, com 33%. O terceiro mais bem cotado é Ciro, com 7%. Simone Tebet (MDB) ficou em quarto lugar, com 5%.
“Nas eleições de 2018, Ciro Gomes pedia o voto útil, e chegou a crescer bastante na reta final”, lembra Melo.
“Ele dizia que não tinha resistência tão grande quanto o PT, que enfrentava uma onda de desaprovação, e que seria capaz de vencer Jair Bolsonaro. Mas neste ano, o jogo se inverteu, e agora ele usa argumentos contra o voto útil.”
Os argumentos conta o voto útil
O professor explica que um dos argumentos usados em oposição ao voto útil é a ideia de que o apelo não seria democrático. “Na minha visão, isso não é verdade, porque a decisão final ainda é do eleitor. Ninguém pode votar pelo outro. Agora, é legítimo pedir o voto útil? Considero que faz parte do jogo.”
Outra questão levantada por quem defende o voto ideológico e está fiel a seu candidato de escolha é o possível enfraquecimento da corrente de ideias desse político caso o seu percentual de votos não seja representativo.
Seria, na visão do grupo, uma forma de fazer com o que o presidente eleito, quem quer que seja, olhe para as pautas daquele que foi derrotado.
Para Eduardo Miranda, doutor em ciência política e professor da Escola de Educação e Humanidades da PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná), o argumento faz sentido.
“Essa é exatamente a ideia que permeia a criação de um segundo turno eleitoral — para que no primeiro, todos os candidatos tenham a chance de lançar suas ideias em um país tão complexo e enorme quanto o Brasil. O segundo turno seria o momento de alinhar parcerias com as ideias que foram apresentadas no primeiro e consolidar as alianças que vão sustentar o governo.”
A professora Maria do Socorro Braga, que leciona Ciência Política na UFSCar, também enxerga o movimento como positivo.
“O eleitorado brasileiro foi, por muito tempo, avaliado como um grupo que não cria vinculações programáticas no sentido de identidade partidária ou de ideologias, e hoje o que a gente está observando é que existem grupos mais fiéis e de diferentes correntes, o que é de extrema importância para a democracia.”
Braga avalia que o maior grupo consistente em adotar uma determinada ala política é o que apoia o ex-presidente Lula, uma construção de identificação com o eleitorado que vem de anos de campanhas políticas e do PT no poder.
“Mas existe também eleitores que não deixam de apoiar Jair Bolsonaro por nada, e em menor escala, os ‘ciristas’, que escolhem fazer o contrário do voto útil: é um setor que prefere apoiar as ideias programáticas do candidato [sem considerar as pesquisas eleitorais].”
O que dizem quem defende voto útil
Já entre os argumentos dos que lutam para converter votos de candidatos com menos chances ao pleito em voto útil, está o de que um voto em Ciro Gomes ou Simone Tebet, por exemplo, que têm menos chances de ganhar as eleições, seria “jogar o voto no lixo”.
“Se olharmos para as teorias da ciência política, o argumento da escolha racional talvez explique melhor o que está acontecendo. A interpretação da teoria seria a leitura de que somos ambiciosos, então queremos aproveitar o máximo possível o nosso voto, e assim dá-lo a alguém que é capaz de vencer a eleição. Então a tendência seria, nessa eleição tão apertada, deixar de votar em quem tem menos chance”, aponta Braga.
Na avaliação dos especialistas, uma eventual vitória de Lula no primeiro turno daria a Bolsonaro menos razões para gerar dúvidas sobre as urnas, já que a escolha do presidente aconteceria junto com a eleição de milhares de parlamentares pelo país, enquanto em um eventual segundo turno, a decisão seria apenas entre dois candidatos — com exceção de algumas das disputas estaduais.
“Mas, ainda mais forte do que isso, acho que está relacionado aos posicionamentos do atual presidente, que não só desclassifica as urnas, que são reconhecidas internacionalmente e que foram ferramenta presente em toda sua carreira política, mas o processo democrático como um todo”, avalia Eduardo Miranda, professor dá PUC-PR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná).
Voto útil pode definir a eleição no primeiro turno?
De acordo com os especialistas consultados pela BBC News Brasil, o voto útil tem o poder, nesta reta final, de definir as eleições.
“Historicamente, o voto útil teve um papel importante, mas de coadjuvante, ajudando mais os candidatos que estavam em segundo lugar, como nas eleições de 1989, no qual Lula ultrapassou (Leonel) Brizola e ficou em segundo lugar, mas perdeu para Fernando Collor, e de 2014, quando Marina (Silva) perdeu parte do seu eleitorado para Aécio Neves. Agora, pela primeira vez, o voto útil pode ajudar a determinar as eleições em primeiro turno.”
Um dos fatores que ajudam o voto útil a ganhar importância, na visão do especialista, é o fato de ser uma disputa mais acirrada entre dois candidatos que já ocuparam a Presidência.
“Essas candidaturas fortes fazem com que o primeiro turno seja quase como um desenho do segundo, já que eles são, desde o começo da eleição, os candidatos que todos apostavam que realmente disputariam o cargo.”
Na avaliação de Miranda, o ex-presidente Lula é quem tende a receber a vantagem dos possíveis votos úteis decididos a poucos dias das eleições, já que as pesquisas indicam que falta um percentual menor para que ele consiga vencer em primeiro turno.
“Ele é quem consegue abocanhar a maior parte do eleitorado tanto de Ciro Gomes quanto de Simone Tebet, e por isso deve sair na frente de Bolsonaro na hora de conseguir esses votos.”
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