- Israel Campos
- Da BBC News em Luanda
Após um dia de votação, Angola iniciou a apuração dos votos em uma eleição que já é considerada uma das mais acirradas desde que o país declarou independência, em 1975.
Segundo as últimas pesquisas divulgadas antes do pleito, a disputa que elegerá o novo presidente deve ser decidida entre o partido que comanda o país há quatro décadas, o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e a principal voz da oposição na atualidade, a União Nacional para a Independência Total de Angola (Unita).
Ao todo, oito partidos disputam a corrida eleitoral. O líder da legenda mais votada conquista a maior quantidade de assentos no Legislativo e se torna, automaticamente, presidente do país.
Com o MPLA no comando há mais de quatro décadas, é difícil imaginar que seu líder e atual presidente, João Lourenço, de 68 anos, possa perder seu lugar. Mas seu governo enfrenta uma onda crescente de descontentamento, alimentada por altos níveis de pobreza e desemprego.
Apesar de Angola ser uma nação rica em petróleo e minerais, boa parte da população não se beneficiou dessa riqueza. E embora os 20 anos de paz após uma prolongada guerra civil tenham sido bem-vindos, eles não trouxeram os ganhos que muitos esperavam.
O principal adversário de Lourenço é Adalberto Costa Júnior, de 60 anos. O representante da Unita, partido que já foi um movimento rebelde no passado, tenta capitalizar com o descontentamento da população. O grande número de candidatos concorrendo contra o MPLA pode fraturar o voto da oposição, mas desta vez a Unita formou uma coligação informal com grupos da sociedade civil e ativistas para ampliar o seu apelo.
O dia de votação
A contagem já começou nos locais de voto. Os resultados serão enviados para um centro de apuração na capital Luanda.De acordo com a lei, a Comissão Eleitoral tem 15 dias para anunciar o resultado — mas em eleições anteriores a contagem demorou menos tempo.
Irregularidades em várias províncias foram denunciadas nas redes sociais, mas a Comissão Nacional Eleitoral (CNE) declarou que a votação decorreu sem incidentes.
Durante os horários de votação nesta quarta, a capital Luanda foi tomada por uma forte presença de policiais e militares armados, intensificando o clima de tensão.
A cidade também está repleta de propagandas partidárias. Grandes outdoors com os rostos dos candidatos à Presidência foram espalhados pela cidade, onde em dias de campanha as ruas se enchem de música na tentativa de atrair eleitores.
As cores vermelho, preto e amarelo do MPLA dominam as ruas, com o seu slogan “A força do povo”. As cores vermelha e verde da Unita também podem ser vistas em alguns pontos da cidade com cartazes proclamando “A hora é agora”.
A última vez que uma eleição foi considerada tão acirrada foi em 1992, quando o então presidente, José Eduardo dos Santos, enfrentou o líder do grupo rebelde Unita, Jonas Savimbi.
Uma disputa sobre o resultado levou à retomada da longa guerra civil do país. Desta vez, porém, analistas acreditam que o país está mudado.
“Trinta anos depois, podemos dizer que temos cidadãos mais ativos no processo eleitoral, analisando, criticando e denunciando atos que consideram errados”, disse Cesaltina Abreu, pesquisadora da Universidade Católica de Angola.
Descontentamento jovem
O MPLA está no poder desde 1975, ano em que a ex-colônia de Portugal conquistou sua independência.
Mas analistas afirmam que a população está começando a imaginar a possibilidade de um partido diferente assumir o poder. “O sentimento geral é de que o país está pronto para que as coisas mudem”, disse a economista Âurea Mouzinho à BBC. “As pessoas são muito mais maduras e têm menos medo de querer que as coisas sejam diferentes.”
As condições difíceis que a maioria das pessoas enfrenta, incluindo o aumento da fome e da pobreza extrema, desafiam a continuidade do partido. A taxa de desemprego em Angola ronda os 30%, mas entre os jovens esse valor atinge os 60%, segundo as estatísticas oficiais.
“O que vimos desde 2017 é uma deterioração objetiva das condições de vida para todos”, afirma Mouzinho.
“Vemos uma economia que está cada vez pior em termos do que é capaz de oferecer às pessoas.”
A falta de alguns itens básicos, como acesso a água potável, eletricidade, educação e saúde, preocupa muitos dos jovens nas áreas urbanas e rurais.
E eles são a maioria, já que a idade média no país é de pouco menos de 16 anos.
Mas o MPLA continua confiante do que pode fazer pelos angolanos. “Estamos convencidos de uma vitória. Fazendo trabalho de campo e mobilizando as pessoas, falamos com eles e medimos o que estão a dizer”, disse à BBC Arsénio Satyohamba, um dos líderes da juventude do MPLA e deputado.
Apesar de ter chegado ao poder em 2017 com promessas de combate à corrupção tanto dentro de seu próprio partido quanto no governo e geração de 500.000 empregos para os mais jovens, o primeiro mandato de Lourenço foi conturbado, resultando em uma queda significativa de sua popularidade.
“Em 2017, João Lourenço trouxe uma nova perspectiva ao MPLA, apesar de Angola atravessar uma depressão econômica devido a vários elementos. Ele colocou alguns programas para estabilizar a nossa economia e hoje vemos isso acontecer”, disse Satyohamba. “Além da covid-19 e outros desafios, o presidente Lourenço tem conseguido melhorar a nossa economia”, acrescentou.
A eleitora da Unita, Ana de Sousa, de 22 anos, não tem dúvidas de que o país precisa de mudanças. “Não temos empregos, tentamos nos candidatar a empregos em concursos públicos, mas nem isso podemos fazer”, disse ela à BBC.
“Temos muitas crianças que precisam de educação e saúde.”
O estudante de história Lígio Katukuluka, de 24 anos, quer que as vozes dos jovens sejam levadas a sério. “É preciso fazer dos jovens, que são a maioria na África, protagonistas das decisões do Estado”, disse.
“Sinto que a cultura e a educação têm sido áreas muito marginalizadas. Quero que sejam feitos mais investimentos na promoção da cultura.”
“Nosso país está em paz há 20 anos, mas muitos dos mesmos problemas persistem”, disse o jovem empresário Cláudio Silva, 34 anos.
“A Unita está recebendo muito apoio [da juventude] porque eles estão oferecendo uma saída, estão oferecendo uma alternativa diferente do que estamos acostumados desde a independência.”
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