- Meryl Sebastian
- Da BBC News em Cochin (Índia)
Morreu nesta semana uma adolescente indiana que havia se tornado uma celebridade nas redes sociais por causa de um vídeo seu que ajudou a arrecadar milhões para o tratamento de seu irmão mais novo.
Afra Rafeeq, de 16 anos, tinha atrofia muscular espinhal (AME), uma condição genética rara que causa fraqueza muscular e afeta o movimento e a respiração.
Ela morreu na segunda-feira (01/08) em um hospital no Estado de Kerala por complicações relacionadas à doença.
“Ela aproveitou todas as alegrias possíveis da vida”, disse seu pai, PK Rafeeq.
A família e os vizinhos de Afra se lembram dela como uma jovem brilhante e talentosa que adorava cantar e estudar, mesmo enquanto lutava contra dores avassaladoras.
Mas foi um vídeo viral de 2021 que conquistou fãs em todo o país.
Antes disso, disse seu pai, Afra não saía muito de casa. Ela havia sido diagnosticada com AME quando tinha quatro anos e só saía de casa para ir à escola ou ao hospital.
“Ficamos bastante recolhidos e concentramos nossos esforços em conseguir o tratamento necessário para ela”, diz ele.
Mas então, seu irmão mais novo Muhammed também foi diagnosticado com AME.
A família ficou “arrasada”, diz Rafeeq, “porque sabíamos a dor pela qual nossa filha já havia enfrentado”.
Tratamento muito caro
A AME é uma doença que pode ser fatal e ocorre em uma em cada 6 mil a 10 mil crianças. A condição afeta os neurônios motores — células da medula espinhal — e piora progressivamente à medida que a criança envelhece.
As crianças com AME têm dificuldades para alcançar os principais marcos do desenvolvimento, como manter o pescoço ereto, sentar, ficar de pé e andar.
Afra, segundo o pai, estava desesperada para garantir que Muhammed recebesse o tratamento médico adequado.
Isso incluía o acesso ao Zolgensma, um remédio relativamente novo para terapia genética que foi aprovado pelo governo dos EUA em 2019. O medicamento — um dos mais caros do mundo — contém uma réplica do gene ausente em crianças com AME e é administrado em dose única em menores de dois anos.
Muhammed já tinha um ano e meio, então sua família tinha pouco tempo. Mas o custo do medicamento era proibitivo.
Uma dose de Zolgensma custa 180 milhões de rúpias (quase R$ 12 milhões) e precisa ser importada dos EUA.
Desde a aprovação de Zolgensma, vários indianos recorreram a financiamentos coletivos (crowdfunding) para comprar o remédio, com alguns tendo sucesso depois que seus apelos viralizaram na internet. O Ministério da Saúde da Índia permite o financiamento coletivo voluntário para algumas doenças raras, como a AME.
A família de Afra recorreu a muitas fontes, incluindo financiamentos coletivos. O conselho local da sua vila também formou um comitê de tratamento para arrecadar dinheiro. Mas eles só conseguiram levantar poucas centenas de milhares de rúpias.
Foi quando Afra fez um vídeo com a ajuda da sua prima.
“Eu não quero que meu irmão sofra a dor que tenho”, disse ela no vídeo, que foi postado online.
O vídeo viralizou rapidamente nas redes sociais e começou a receber cobertura da imprensa.
“De repente, dinheiro começou a vir de toda parte”, conta YL Ibrahim, membro do conselho da aldeia.
Em três dias, o fundo para o tratamento de Muhammed recebeu 467,8 milhões de rúpias (mais de R$ 31 milhões). Afra teve que gravar outro pedido público, desta vez para que as pessoas parassem de enviar dinheiro.
“Tentamos tantas coisas, mas foi o vídeo dela e o que ela disse que comoveu as pessoas”, diz Ibrahim.
Depois que Muhammad recebeu sua dose do remédio, o comitê usou os fundos extras para ajudar outras duas crianças com AME e deu o restante do dinheiro ao governo de Kerala.
Afra, diz o pai, “salvou” sua família.
Radiante de alegria, Afra criou um canal no YouTube para atualizar as pessoas sobre o progresso de seu irmão. Em menos de um ano, ela tinha 259 mil seguidores. Os vídeos a mostravam visitando o hospital, passando tempo com seu irmão e irmã em casa e comemorando aniversários e festivais.
Ela também discutia em detalhes nos vídeos o tratamento médico e a fisioterapia de Muhammed.
Muhammed, agora com dois anos de idade, é capaz de engatinhar sozinho e ficar de pé com ajuda de algum apoio.
“Ele não consegue ficar de pé ou andar sozinho ainda. Mas ele tem alguma força em suas pernas agora”, diz Rafeeq.
Mas condição de Afra continuou piorando. Nos últimos dias de sua vida, ela cerrava os dentes de dor e mal conseguia levantar as mãos, dizem seus pais.
Seu último vídeo mostrou a família visitando um hospital na capital do Estado, Thiruvananthapuram. Após a notícia de sua morte, milhares de pessoas deixaram mensagens de condolências no vídeo que havia viralizado.
O pai de Afra acredita que os vídeos dela aumentaram a conscientização sobre a AME na Índia.
“Acho que esse era o propósito da vida dela”, diz ele. “Muitas pessoas entenderam o que é a AME e o que essa doença faz por causa de Afra.”
Afra estava prestes a fazer exames escolares no final deste mês e estava se preparando muito. Ela estava determinada a obter as melhores notas em todas as matérias, diz seu pai.
Um dia depois de sua morte, ele conta que chorou quando viu um post-it preso na parede atrás da mesa de estudo com uma mensagem encorajando a si mesma: “Você consegue!”.
“Isso me lembrou o quanto ela está em cada parte desta casa.”
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