- Nicholas Barber
- BBC Culture
Os discos voadores estão de volta no novo filme do cineasta Jordan Peele – 75 anos depois do primeiro avistamento misterioso de óvnis nos Estados Unidos.
Ele aparece apenas por um momento no trailer do novo filme de terror do ator e cineasta norte-americano Jordan Peele, intitulado Não! Não Olhe!, mas com certeza ele está lá: um disco voador.
A julgar pelas reviravoltas dos filmes anteriores de Peele, Corra! e Nós, é impossível dizer se o disco é real ou falso, se é da Terra ou vem do espaço. Mas o vislumbre prateado é provocador.
Talvez, apenas talvez, Não! Não Olhe! seja um bom filme sobre discos voadores – uma celebração de uma das formas mais reconhecidas e arrepiantes da história da cultura popular.
“No final dos anos 1950, essa forma específica tornou-se um símbolo de ‘nave espacial pilotada por seres de outro planeta’, usada por todas as pessoas que trabalhassem em artes visuais”, afirma Andrew Shail, professor de Cinema da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
De fato, os discos voadores trouxeram visitantes misteriosos de Marte e de outros planetas em inúmeros filmes, séries de TV, romances, histórias em quadrinhos e até discos de sucesso – desde o pôster com os dizeres “eu quero acreditar” (“I want to believe”, em inglês), do personagem Fox Mulder na série Arquivo X, até o popular livro infantil Marcianos Adoram Cuecas (Editora Globo, 2009), da escritora britânica Claire Freedman.
As origens
O disco voador é um clássico do design – o arquétipo do Objeto Voador Não Identificado (Ovni). Mesmo assim, ele só decolou, por assim dizer, nos anos 1950, quando o mundo inteiro ficou maluco pelos discos voadores.
Artistas de ficção científica já vinham desenhando espaçonaves circulares há muito tempo. Em 1934, uma tira em quadrinhos de Flash Gordon já apresentava um “esquadrão de giroscópios mortais”.
Mas, se você folhear as revistas daquela época, como Startling Stories e Super Science Stories, poderá ver que, na primeira metade do século 20, os meios de transporte preferidos dos alienígenas eram mais parecidos com aviões e submarinos.
Mas tudo isso mudou 75 anos atrás. Em junho de 1947, o piloto comercial Kenneth Arnold afirmou ter visto nove “discos voadores” sobrevoando o Estado americano de Washington a cerca de 1.900 km/h.
O editor do jornal East Oregonian encaminhou essa história – totalmente impossível de ser confirmada – para a agência de notícias Associated Press. Em 26 de junho, a revista Hearst International publicou uma nota para a imprensa contendo a assustadora expressão “discos voadores”.
A notícia espalhou-se pelo mundo em velocidade muito maior do que a dos próprios discos. Rapidamente surgiram centenas de outros relatos de avistamentos, incluindo um que envolvia fragmentos de um disco voador acidentado em Roswell, no Novo México.
Alguns desses relatos eram claramente falsos. Não era difícil produzir uma fotografia de um disco voador usando uma calota de automóvel, uma pizza ou um frisbee. Outros avistamentos, segundo Shail, eram de “balões meteorológicos, zepelins, formações de nuvens ou aeronaves experimentais sendo desenvolvidas pela Força Aérea dos Estados Unidos, como parte da Guerra Fria”.
E, para manter a mente aberta, alguns dos avistamentos talvez fossem de marcianos planando sobre regiões pouco povoadas da Terra por pura diversão. Mas uma coisa era certa: a “discomania” estava começando.
A Guerra Fria e a corrida espacial
Em 1953, o livro do astrônomo americano Donald H. Menzel sobre essa histeria, intitulado Flying Saucers (“Discos voadores“, em tradução livre), ofereceu três explicações a respeito.
“Primeiro, os discos voadores são incomuns. Todos nós estamos acostumados com a regularidade. Nós naturalmente atribuímos mistério ao que é incomum. Segundo, todos nós estamos nervosos. Vivemos em um mundo que subitamente se tornou hostil. Desencadeamos forças que não conseguimos controlar; muitas pessoas temem que estejamos nos encaminhando para uma guerra que irá nos destruir. Terceiro, as pessoas, até certo ponto, estão gostando desse pavor. Elas parecem estar participando de uma emocionante história de ficção científica.”
O nervosismo mencionado por Menzel tinha diversas causas. Uma delas era a concorrência entre os Estados Unidos e a União Soviética (URSS) para saber quem seria a primeira superpotência a colocar um satélite artificial em órbita: foi a URSS, com o satélite Sputnik, em 1957.
“O interesse pelos discos voadores disparou mais ou menos no mesmo momento em que ficou razoável aceitar que os seres humanos viajariam para o espaço”, afirma Katharine Coldiron, autora do guia sobre o filme de ficção científica Plano 9 do Espaço Sideral, de 1959, para a série de livros britânica Midnight Movies Monograph.
“A imaginação humana viaja em todo tipo de direção quando algo como a corrida espacial a estimula radicalmente”, afirma ela. “Acho que estamos vendo o mesmo acontecer com as mudanças climáticas. Criadores de todo tipo vêm sendo estimulados a fazer arte sobre o possível fim da nossa espécie e, pelo menos na ficção, estamos vendo essa onda ganhar massa crítica.”
Os americanos tinham também outras preocupações naquela época: desemprego, inflação, ameaça de invasão pelos soviéticos e, especialmente, a possibilidade de que suas próprias cidades viessem a ser arrasadas por bombas atômicas como as que devastaram Hiroshima e Nagasaki, no Japão, em 1945.
Uma forma de sublimar todos esses temores era concentrar-se em discos voadores, “um fenômeno misterioso e divertido”, segundo Jack Womack, premiado escritor americano de ficção científica, “mas não necessariamente assustador, como a possibilidade de uma guerra nuclear.”
Discos voadores na cultura popular
Quase tão fascinante quanto os avistamentos de discos voadores é o fato de tantas pessoas escreverem relatos pessoais sobre eles.
A coleção desse tipo de relato mantida por Womack é o tema do seu livro Flying Saucers are Real! (“Os discos voadores são reais!“, em tradução livre), que inclui trechos de livros de outros autores, como Those Sexy Saucer People (“Aquelas pessoas sexy dos discos voadores“), Flying Saucers and the Scriptures (“Discos voadores e as escrituras“) e Round Trip to Hell in a Flying Saucer (“Viagem de ida e volta para o inferno em um disco voador“).
Outro exemplo é I Rode a Flying Saucer (“Eu pilotei um disco voador“), do norte-americano George W. van Tassel, publicado em 1952. “Ele foi suficientemente honesto para destacar que, na verdade, não pilotou um disco voador”, afirma Womack, “mas que os irmãos do espaço sugeriram que ele desse um nome mais comercial para sua obra”.
Por mais bizarros que sejam esses livros supostamente de não ficção, eles ensinaram algumas lições. O psiquiatra suíço Carl Jung, por exemplo, tratou do tema em Um Mito Moderno sobre Coisas Vistas no Céu, publicado em 1959.
Naquela época, os discos voadores já estavam presentes em toda a cultura popular. As histórias em quadrinhos, por exemplo, estavam repletas de discos, o que não é nada surpreendente. Uma edição especial da revista americana Weird Science-Fantasy, publicada em 1954 pela EC Comics, anunciou: “a EC desafia a Força Aérea Americana com este relato factual e ilustrado sobre discos voadores”.
No mundo da animação, o desenho do coelho Pernalonga apresentou o personagem marciano Marvin em 1948. Na ocasião, ele pilotava um foguete, mas quando visitou a Terra em outro episódio, em 1952, Marvin havia trocado o foguete por um disco voador.
Em 1951, Ella Fitzgerald gravou uma música, de autoria de Arthur Pitt e Elaine Wise, chamada Two Little Men in a Flying Saucer, uma coleção irônica de hábitos desgastantes da humanidade observados pelos homenzinhos – verdes – do título da canção.
A letra diz: “Durante sua missão / Eles ouviram um político / Fazendo discursos enquanto eles viajavam / Mas eles partiram / Mais rápido do que chegaram / Porque o ar quente os soprou para o alto no céu”. A música foi posteriormente simplificada e usada nas escolas para ensinar as crianças a contar.
Mas nenhum meio de comunicação ficou mais apaixonado pelos discos voadores do que o cinema.
O disco voador na tela grande
O primeiro filme sobre discos voadores estreou em 1950 e chamava-se The Flying Saucer (“O disco voador”, em tradução livre). Era uma produção americana independente de baixo orçamento, escrita, dirigido, produzida e estrelada por Mikel Conrad.
O filme sugeria que talvez fosse baseado em fatos reais. “O que são eles?”, perguntava o cartaz. “De onde eles são? Você já viu um disco voador?”
No ano seguinte, Hollywood lançou dois clássicos sobre discos voadores. Um deles foi O Dia em que a Terra Parou, de Robert Wise. Nele, um embaixador alienígena de nome Klaatu (interpretado por Michael Rennie) orienta a raça humana a “viver em paz ou seguir no seu caminho atual e enfrentar a extinção”. Seu disco voador de linhas simples e sem janelas é a última palavra em minimalismo interplanetário.
O outro clássico de 1951 foi O Monstro do Ártico, de Howard Hawks, que mostra uma espaçonave alienígena recuperada do gelo do Ártico.
No conto do escritor americano John W. Campbell que deu origem ao filme, a espaçonave era “como um submarino… 85 metros de comprimento e 14 metros de diâmetro”. Mas o filme mostra um disco voador, e seu único tripulante sobrevivente é um monstro predador.
“Cada um do seu jeito, esses filmes incorporaram a corrente sombria de paranoia social que havia tomado conta dos Estados Unidos”, afirma Michael Stein no seu livro Alien Invasions! The History of Aliens in Pop Culture (“Invasões alienígenas! A história dos extraterrestres na cultura popular”, em tradução livre). “Um apresentou o medo de uma invasão subversiva e o outro abordou o pesadelo da destruição global.”
Considerando quantas vezes os discos voadores substituíram o terror terrestre, será fascinante ver o que eles representam em Não! Não Olhe!.
Até aqui, os criativos filmes de terror de Jordan Peele têm abordado temas sociais, com ênfase no racismo. Será que Não! Não Olhe! seguirá essa tendência?
“A decisão de Peele de fazer um filme sobre óvnis não é surpreendente”, afirma Mark Bould autor do Guia de Filmes de Ficção Científica, “porque sempre houve um elemento racial nos relatos sobre discos voadores e abdução alienígena.”
“No final dos anos 1940, os alienígenas eram frequentemente descritos como pessoas excessivamente brancas. Os negros eram os descendentes dos abduzidos, as vítimas de alienígenas pálidos tecnologicamente avançados que apareceram subitamente, vindo de muito longe. A ficção científica negra e o afrofuturismo frequentemente retomam essa brutal ruptura histórica. Não! Não Olhe! é apenas o exemplo mais recente dessa conexão com a nave-mãe”, explica Bould.
Simples e de alta tecnologia
Voltando aos anos 1950, os filmes sobre discos voadores nem sempre tiveram essas profundas preocupações sociopolíticas. Eles incluíram A Garota Diabólica de Marte, de 1954, A Guerra dos Planetas, 1955, Planeta Proibido, 1956, Os Monstros Invasores, 1957, e O Submarino Atômico, 1959.
Um dos principais daquela época foi A Invasão dos Discos Voadores, 1956, com fabulosa animação quadro a quadro de Ray Harryhausen. E outro, não tão aclamado, foi Plano 9 do Espaço Sideral, mencionado mais acima.
O ponto em comum entre todos esses filmes era o disco voador. Do ponto de vista dos cineastas, essa emblemática espaçonave era uma bênção, porque era relativamente fácil de ser construída e filmada. Ao contrário de um foguete tradicional, ela podia mudar de direção sem necessidade de mostrá-la virando. E sua aparência era fantástica.
“O genial sobre o design do disco voador é sua simplicidade ao ponto de abstração”, comenta Bould. “Sua simetria perfeita confirma que não se trata de algo natural. A ausência dos indicadores conhecidos de voo – ele não tem asas, nem motores – reafirma que não deve ser um artefato tecnológico simples, mas algo incrivelmente avançado. Ele impõe o seu lugar muito à nossa frente na mitologia ocidental do progresso.”
Não que o disco voador fosse algo completamente de outro mundo. Sua superfície curva brilhante, com todo tipo de fios e válvulas complicadas atrás dela, era parecida com os carros mais modernos, fornos e máquinas de lavar que surgiram no pós-guerra.
“O disco voador surgiu em uma era de novas tecnologias sigilosas, principalmente militares, incluindo a bomba atômica”, explica Bould, “mas também de uma série de novas tecnologias de consumo doméstico, cuja composição interna era cada vez mais misteriosa para o cidadão comum. O disco voador parecia incorporar as duas tendências e evidenciá-las nos céus norte-americanos.”
O declínio da ‘discomania’
No final dos anos 1950, a “discomania” perdeu a força, tanto em termos de relatos de avistamentos, quanto de aparições na tela.
“Entre os filmes sobre discos voadores, os de terror tiveram mais sucesso que os sérios”, segundo Mark Jancovich, autor de Rational Fears: American Horror Genre in the 1950s (“Medos racionais: o gênero do terror americano nos anos 1950“, em tradução livre).
“E fazer um filme de terror é muito barato. O que aconteceu foi que a ficção científica de terror ocupou a faixa de baixo orçamento do mercado”, afirma Jancovich. “Os estúdios também perceberam que o maior sucesso da ficção científica dos anos 1950 não foi um filme de invasão alienígena, mas sim 20.000 Léguas Submarinas, da Disney. E depois veio essa onda de filmes de ficção científica, como A Máquina do Tempo, A Maldição de Frankenstein e O Mundo Perdido. O ambiente vitoriano dos filmes de terror góticos fez com que eles parecessem respeitáveis, enquanto os discos voadores decaíram no mercado ao longo dos anos 1950.”
Já no mundo real, 1961 foi o ano em que o astronauta soviético Yuri Gagarin entrou em órbita e o presidente americano John F. Kennedy anunciou o objetivo de “levar um homem para aterrissar na Lua e trazê-lo de volta com segurança para a Terra”. As viagens espaciais reais eram tão impressionantes que os discos voadores pareciam antiquados em comparação com elas.
E, em 1969, a Força Aérea Americana encerrou sua pesquisa sobre avistamentos de discos voadores – o Projeto Livro Azul – com a publicação de um estudo científico sobre objetos voadores não identificados. Sua contundente conclusão foi: “Nos estudos sobre os óvnis realizados nos últimos 21 anos, não surgiu nada que ampliasse o conhecimento científico”.
É claro que as pessoas continuaram relatando avistamentos de óvnis nos anos 1960 e nas décadas seguintes. Em maio de 2022, houve uma audiência pública no Congresso americano sobre os óvnis – agora, conhecidos como fenômenos aéreos não explicados (UAPs, na sigla em inglês). Mas o vice-diretor de inteligência naval da Marinha americana, Scott Bray, salientou que os militares não encontraram “nada de origem extraterrestre”.
Os discos modernos atuais
É possível argumentar que, também na cultura popular, os discos voadores nunca desapareceram por completo. Basta superdimensionar um disco voador para ter as naves-mãe de Independence Day e Distrito 9. Vire-o para o lado, e você tem os ameaçadores monólitos de A Chegada.
Em Guerra nas Estrelas, a nave Millennium Falcon é um disco voador com duas pontas na frente. E, em Jornada nas Estrelas, a Enterprise é um disco voador com um corpo e pernas na parte de trás.
Mas as imagens antigas de discos voadores sem adornos, no céu ou na tela, agora são raras. “Como todos os modismos, o fenômeno na sua forma original simplesmente seguiu seu curso”, segundo Jack Womack.
Hoje, os discos voadores são parte da cultura norte-americana dos anos 1950, como o piso xadrez das lanchonetes de beira de estrada e os carros conversíveis. E, quando aparecem nos filmes modernos de ficção científica, como Homens de Preto e Marte Ataca!, é devido à sua qualidade como item retrô.
Talvez seja assim que Jordan Peele os traz de volta, sensível às injustiças históricas americanas. Agora que o disco voador parece ter desaparecido de um futuro assustador, ele se tornou uma relíquia de um passado reconfortante.
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