- André Biernath – @andre_biernath
- Da BBC News Brasil em Londres
Nos últimos meses, uma cena tem se tornado cada vez mais comum no Brasil e no mundo: a pessoa começa a apresentar sintomas típicos de covid (tosse, coriza, febre…), faz o teste rápido de antígeno e o resultado dá negativo.
Ela continua a ter os incômodos e, um ou dois dias depois, repete o exame que, aí sim, confirma a infecção pelo coronavírus.
O grande perigo é que, nesse meio tempo sem o diagnóstico adequado, não são adotadas as medidas necessárias para reduzir o risco de passar o vírus adiante — como o isolamento e o uso de máscaras.
Isso, por sua vez, cria novas cadeias de transmissão e faz o número de casos da doença crescer.
Mas o que explica esse fenômeno da “positividade atrasada”? Embora não existam respostas claras, especialistas ouvidos pela BBC News Brasil citam as hipóteses que ajudam a entender esse cenário. Eles também apontam o que fazer para proteger a si e todo mundo ao redor.
Em resumo, apesar de o assunto estar envolvido em muitos mistérios, a recomendação é simples: se você apresentar sintomas típicos de covid, fique em isolamento e evite o contato com algumas pessoas, mesmo se o teste rápido de antígeno feito no primeiro ou no segundo dia der um resultado negativo. E, se possível, tente repetir o exame entre o terceiro e o quinto dia para ter mais certeza sobre o diagnóstico.
O vírus ficou mais veloz?
O primeiro fator que permite explicar esse cenário é a chegada das novas variantes do coronavírus, especialmente aquelas que surgiram a partir da ômicron, como a BA.2 e a BA.5.
O espalhamento delas mundo afora veio seguida de uma mudança importante na incubação, que é o tempo entre o vírus começar a invadir as células do nosso corpo e o início dos sintomas.
“O vírus entra nas células e faz ali dentro entre cem e mil novas cópias de si mesmo, que vão sair para infectar outras células e continuar esse processo, até que o sistema imunológico reaja e cause os sintomas, como nariz escorrendo, espirros, febres…”, explica o virologista José Eduardo Levi, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da Dasa.
A título de comparação, de acordo com um relatório da Agência de Segurança em Saúde do Reino Unido, a incubação da variante alfa durava, em média, de cinco a seis dias.
Durante a onda da delta, essa janela caiu para quatro dias.
Já na ômicron, o período entre a invasão viral e o início dos sintomas sofreu uma nova redução e fica em apenas três dias.
Ou seja: se antes a pessoa tinha contato com alguém infectado e levava quase uma semana para manifestar os sinais típicos da covid, atualmente esse processo é bem mais rápido e pode acontecer quase de um dia para o outro.
“O que mais vemos em nossos consultórios são pacientes que dizem ter passeado no domingo e já apresentam os sintomas da doença na terça ou na quarta-feira”, conta a infectologista e virologista Nancy Bellei, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Mas por que isso está acontecendo?
Vírus diferente, defesas atualizadas
Entre as possíveis teorias que ajudam a entender essa ação mais ligeira da ômicron, alguns especialistas apontam que as próprias mutações genéticas que essa variante carrega encurtaram o tempo de incubação.
Outros também chamam a atenção para o papel do sistema imunológico nesse processo.
Numa série de postagens no Twitter, o imunologista e epidemiologista Michael Mina, que trabalhava na Universidade Harvard, nos Estados Unidos, e atualmente é o diretor científico de uma empresa de testagem, defende que a vacinação “mudou de forma fundamental a relação entre os sintomas de covid e a carga viral”.
Anteriormente, os sintomas da covid costumavam aparecer justamente no momento em que a quantidade de vírus no organismo atingia o pico.
“Por que as pessoas agora estão apresentando sintomas, mas o resultado do teste rápido dá negativo?”, questionou.
“Os sintomas que sentimos são geralmente o resultado da resposta imune. As vacinas fazem o nosso sistema de defesa detectar o vírus mais rápido, antes que a quantidade de cópias dele atinja o pico. Esse é literalmente o propósito da vacinação”, escreveu ele na rede social.
Seguindo na explicação, Mina aponta que a resposta imune rápida ajuda a suprimir o vírus por um tempo, até que o patógeno seja eliminado do organismo ou eventualmente consiga vencer essa batalha e comece a se replicar com mais força.
“Com isso, um teste criado para detectar uma certa quantidade de vírus será negativo nos primeiros dias, antes que a carga viral aumente”, argumentou o cientista.
Em outras palavras, uma das teorias aventadas aponta que, com a ômicron, o tempo de incubação curto e o aparecimento de sintomas mais cedo faz com que a carga viral (a quantidade de coronavírus em ação) logo nos primeiros dias de infecção não seja alta o suficiente para ser detectada pelos testes rápidos de antígeno.
Mas vale ressaltar que essa é apenas uma das possíveis explicações para esse fenômeno e a ideia está longe de estar comprovada ou ser consenso entre os especialistas.
“O sistema imune também depende de uma certa quantidade de partículas virais para ser ativado e iniciar uma resposta. Então, me parece que a imunidade criada a partir da vacinação ou de quadros prévios de covid vai contribuir mais para terminar rapidamente a infecção do que para o início do quadro”, avalia Levi, que também faz pesquisas no Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP).
Em todo caso, existem evidências de que a quantidade de proteínas virais nesses primeiros dias de infecção realmente pode ser mais baixa nas ondas da ômicron.
“Com isso, há um risco de os testes de antígeno falharem na detecção desses casos, já que não existem partículas suficientes para obter um resultado positivo”, resume o virologista Anderson F. Brito, pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde.
“Portanto, temos que tomar cuidado na interpretação desses resultados iniciais, até para não criarmos uma falsa sensação de segurança”, adverte.
Falha humana e interpretação dos testes
Ainda dentro dessa discussão, não dá pra ignorar o fator humano por trás de erros nos resultados.
O teste de antígeno, que pode ser feito em casa pela próxima pessoa, tem uma série de procedimentos bem específicos — separar os materiais, lavar as mãos, passar a haste no fundo do nariz e da garganta por um tempo mínimo, misturar com soro, esperar alguns minutos, pingar a quantidade exata no dispositivo…
Se uma dessas etapas não é feita da maneira adequada, o resultado pode ser um falso negativo.
“Não dá pra confiar na conclusão de um teste mal feito”, diz Bellei, que também integra a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
A médica destaca a variação da qualidade dos exames disponíveis nas farmácias.
“Há muita diferença na sensibilidade e na especificidade dos testes rápidos. Alguns conseguem detectar 80% dos casos, enquanto em outros essa taxa cai para 70% ou 50%”, compara.
Embora não exista uma maneira fácil e acessível de saber quais são os produtos mais confiáveis, Bellei orienta que as pessoas deem preferência, se possível, às marcas mais conhecidas, de empresas que trabalham com diagnósticos há décadas.
Uma segunda dica importante é ler atentamente as instruções que vêm com o kit e obedecer cada etapa à risca para diminuir a probabilidade de erros e resultados distorcidos.
Nesse sentido, também foram levantadas muitas dúvidas se os testes de antígeno seriam capazes de detectar as linhagens da ômicron, que trazem muitas mutações em comparação com as variantes anteriores.
Essa hipótese, porém, mostrou-se falsa. “O teste de antígeno detecta principalmente a proteína N do coronavírus”, explica Levi.
“E sabemos que a ômicron apresenta mais mutações na proteína S, que não costuma ser o alvo principal desses exames”, complementa.
Ou seja: os testes rápidos continuam a funcionar relativamente bem para flagrar as novas variantes.
Talvez o cerne da questão esteja em entender o momento certo de fazer esse exame — e, a partir daí, como interpretar os resultados e tomar as medidas necessárias.
O que muda no diagnóstico?
Diante de todas essas alterações observadas no comportamento do vírus e no nosso sistema imune, a principal mensagem é relativamente simples: se você estiver com sintomas típicos de covid, como dor de garganta, tosse, espirros e febre, evite o máximo possível o contato com outras pessoas para não transmitir o agente infeccioso para elas.
Você confere a lista completa dos sinais da doença nesta reportagem da BBC News Brasil:
Essa orientação vale mesmo para as pessoas que fizeram um teste logo nos primeiros dias e o resultado foi negativo — como explicado mais acima, ainda não é possível ter 100% de certeza e pode ser que a carga viral ainda não esteja suficientemente alta para ser detectada pelo exame.
O tempo de quarentena varia de acordo com uma série de condições, mas um período de cinco a sete dias costuma ser o suficiente para a maioria das pessoas.
Veja quantos dias de isolamento são necessários para cada situação no link a seguir:
Se você fez o teste no primeiro ou no segundo dia de sintomas e o resultado foi negativo, vale repetir o exame no terceiro, no quarto ou no quinto dia, se possível.
Uma pesquisa ainda não publicada da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, no Reino Unido, mostrou que o pico de carga viral costuma acontecer justamente até três dias após o início dos sintomas.
Com isso, caso você esteja realmente com covid, será mais provável pegar esse pico da carga viral, quando a quantidade de vírus estará alta o suficiente para o teste dar positivo.
“E é importante notificar o resultado para a unidade de saúde mais próxima de sua casa, para eventualmente confirmar o diagnóstico por meio de outros métodos mais precisos, como o RT-PCR, e para que o caso seja contabilizado nas estatísticas oficiais”, ressalta Brito.
Vale, claro, manter o isolamento e evitar o contato com outras pessoas, especialmente aquelas mais vulneráveis à covid, como idosos e imunossuprimidos, durante esse período de incerteza entre um teste e outro.
Outro ponto fundamental é manter a vacinação atualizada.
“As variantes até ‘aparecem’ mais cedo, mas quem está com todas as doses em dia transmite menos coronavírus em comparação com quem não possui o esquema vacinal completo”, informa a imunologista Cristina Bonorino, professora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
Um estudo feito na Universidade de Seul, na Coreia do Sul, mostra justamente isso. Indivíduos vacinados que pegam covid podem transmitir o coronavírus por quatro dias, em média. Já quem está parcialmente imunizado “repassa” o patógeno por até oito dias.
“Fora que a vacina é o que permite a infecção não evoluir para casos mais graves e preocupantes na maioria das vezes”, completa a especialista, que também integra a SBI.
Por ora, o Ministério da Saúde recomenda uma quarta dose de vacina para toda a população com mais de 40 anos. Entre os 12 e os 39, são indicados três doses. Já para crianças de 5 a 11 anos, duas doses.
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