- Marina Alves
- De São Paulo para a BBC News Brasil
Apatia não é doença, mas sim um conjunto de sinais comportamentais que se originam a partir de alguma condição específica, como um trauma psíquico ou uma doença física.
Em geral, a apatia pode ser caracterizada pela falta de motivação, desinteresse social, isolamento, indiferença.
“Qualquer pessoa pode ter um momento de ficar apático, então pode ser normal, como ansiedade ou tristeza”, explica Luiza Bisol, psiquiatra do Ambulatório de Saúde Mental do complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC) e docente da mesma universidade, que é vinculada à rede Ebserh.
Ela pode surgir em qualquer idade, mas aqui faremos um recorte em crianças, cujos sintomas podem surgir nos primeiros meses de vida ou ao longo da infância.
No caso de crianças menores — até os cinco anos — os sintomas podem ir desde irritação, choro sem motivo aparente, tristeza, dificuldade de demonstrar afeto, emoções.
“A gente avalia o desenvolvimento ao longo do tempo, mas é possível ter bebês que manifestam apatia”, afirma Bisol.
Já em crianças maiores — até os doze anos —, os sintomas mais comuns da apatia vão desde o isolamento, desânimo e tristeza, até a falta de interesse em se comunicar com a família ou fazer amizades. Mas não há uma regra.
“O pediatra é o primeiro médico que vai avaliar a criança e fazer uma triagem individual. E se ele falar para a família que não é nada ou apenas uma fase, a gente vai deixar de intervir, sendo que o mais importante em condições psiquiátricas é a intervenção”, ressalta Débora Passos, pediatra neonatologista da UTI Neonatal do Hospital e Maternidade Pro Matre.
A apatia pode ser confundida com algumas características de personalidade, como inibição ou timidez.
“Na timidez, o indivíduo tem uma resposta e iniciativa ao mundo, mas é mais contida. Nesse caso, ela só precisa de mais estímulo, diferente da apatia, quando você dá os estímulos, tenta interagir, e a criança não responde”, descreve Mauro Victor de Medeiros Filho, psiquiatra da Infância e Adolescência do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
É possível notar essa diferença ao levar a criança a um ambiente novo, como em uma festa. No início, ela pode chegar com certo receio, mas em seguida se solta e começa a brincar. Essa atitude é caracterizada apenas como inibição ou timidez, não apatia.
O psiquiatra do Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo diz, ainda, que a apatia também pode ser confundida com recusa.
“Então, crianças ‘do contra’ que não querem fazer algo ou confrontar podem não responder ou não reagir simplesmente porque estão se opondo. Nesse caso elas estão fazendo força e dispondo de energia para ser do contra, o que é ao contrário da apatia”, relata Filho.
E são várias as causas que podem justificar uma apatia persistente, entre elas, problemas psíquicos como:
- Depressão infantil;
- TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade)
- Transtornos de ansiedade;
- Transtornos relacionados a traumas ou estresse agudo que a criança tenha passado: abuso sexual e moral, maus-tratos, luto, separação dos pais, bullying, dificuldade financeira em casa;
- Esquizofrenia (essa doença não é tão comum em crianças).
Já entre as principais condições físicas estão:
- Hipotireoidismo;
- Anemia;
- Hipovitaminose (quando existe a falta de uma ou mais vitamina no organismo);
- Doenças oncológicas e/ou metabólicas.
Outro motivo que pode levar ao desenvolvimento de apatia é o transtorno do espectro autista (TEA).
“Nesse grupo de transtorno existe uma diversidade de sintomas e entre eles podemos, sim, ter a apatia, porque essas crianças podem ter muita dificuldade de socialização”, avalia Bisol, psiquiatra da Universidade Federal do Ceará.
Utilmente, segundo os especialistas, há muitas alterações comportamentais em função da pandemia e do isolamento social.
“São reflexos do que vivemos e não tem doenças relacionadas. É absolutamente comportamental”, comenta a pediatra Débora Passos, ressaltando que esses casos também precisam de avaliação clínica e acompanhamento psicológico.
José Martins Filho, médico pediatra, professor titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) chama atenção para outro ponto importante: a falta de estímulo familiar.
“Eu tenho um livro chamado A criança terceirizada onde eu falo de pais e mães que saem para trabalhar e não podem brincar com as crianças. Daí elas vão para a escola e ficam retraídas ou então só ficam nos aparelhos eletrônicos. Tudo isso pode acarretar nesse sintoma de apatia”, alerta o especialista, que apresenta um canal no YouTube chamado Família Amor e Cuidado voltado para pais e cuidadores.
O primeiro passo é observar o comportamento da criança, pois a apatia costuma ser bastante perceptível.
“É preciso analisar a consistência e a frequência desses sinais comportamentais, porque é preciso descobrir o que está causando essa apatia precocemente”, indica a psicóloga infantil Cynthia Marden, do ambulatório de psiquiatria do Hospital Universitário Lauro Wanderley, da Universidade Federal da Paraíba (HULW-UFBA), que faz parte da Rede Ebserh.
Nesse sentido, é válido ressaltar que cada criança tem um tempo de desenvolvimento diferente, enquanto umas andam, falam e demonstram interesse em aprendizados mais cedo, outras demoram um pouco mais. E tudo bem, desde que a criança atinja o esperado para a sua faixa etária em termos de desenvolvimento físico e cognitivo.
Por isso é tão importante que, mesmo depois do primeiro ano de vida, a criança continue sendo acompanhada periodicamente.
“O pediatra não é um médico só da criança, ele é um médico da família. É muito além do que apenas pesar e medir a criança. Muitas vezes, o pediatra chama atenção para aquilo que os pais não estão percebendo, e isso acontece muito no consultório”, relata Passos, a pediatra do Hospital e Maternidade Pro Matre.
Além do médico, professores também têm um papel essencial em um possível diagnóstico, já que eles passam ao menos meio período com as crianças.
“Tirar um tempo na semana ou mesmo no final de semana para interagir com a criança é fundamental, caso contrário, os pais não vão perceber qualquer comportamento atípico nos filhos”, alerta Passos.
E após descartar doenças físicas no atendimento clínico inicial, o pediatra encaminha a criança para avaliação do psicólogo ou psiquiatra.
“A partir do momento que há frequência e persistência tendo prejuízo no campo funcional, como a criança não querer tomar banho, fazer a lição, sair para os lugares, não ter interesse frente a um instrumento musical ou que haja prejuízo social como falta de interação com os amigos ou a família, podemos dizer que a apatia começou a se tornar um problema”, define Filho, psiquiatra do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Apatia tem tratamento?
Como a apatia não é uma doença, o tratamento é direcionado para a causa do sintoma. Ou seja, se for uma anemia, o quadro é que deverá ser tratado para melhorar as reações adversas.
O mesmo ocorre com transtornos psicológicos, que normalmente são tradados com terapias e, em alguns casos, medicação. “Lembrando que ela é um sintoma que pode estar presente em vários diagnósticos”, diz Filho.
A postura dos pais em relação a esse sintoma é orientada de acordo com a patologia. “Então teremos uma postura para depressão diferente se o caso for de ansiedade. As orientações aos pais devem ser associadas aos diagnósticos relacionados a apatia”, conclui Filho, psiquiatra da Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatra do Hospital das Clínicas.
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