- Daniela Fernandes
- De Paris para a BBC News Brasil
A coligação do presidente francês, Emmanuel Macron, não conseguiu manter maioria absoluta no Parlamento no segundo turno das eleições legislativas, disputadas neste domingo (19/6) em clima de suspense em razão dos resultados apertados da primeira votação, realizada no último dia 12.
Os resultados oficiais ainda não foram divulgados, mas as projeções já dão uma ideia da nova distribuição das cadeiras do Legislativo.
Apesar de sua coligação centrista “Ensemble!” (“Juntos!”) ter sido a mais votada, Macron precisará buscar alianças e terá dificuldades para governar devido ao forte avanço de forças de esquerda e sobretudo da direita radical, na avaliação de especialistas.
Após a divulgação das primeiras projeções na noite de domingo (19/6), a primeira-ministra do país, Elisabeth Borne, disse em pronunciamento na TV francesa que nunca havia visto uma Assembleia Nacional como a que se configura agora.
“A situação representa um risco para o país, dados os riscos que já temos enfrentado nacional e internacionalmente”, declarou. “Vamos trabalhar a partir de amanhã para construir uma maioria.”
Derrota ‘histórica’
É a primeira vez que um presidente recém-eleito (reeleito, no caso de Macron) não obtém maioria absoluta para governar.
Um precedente já havia ocorrido com o socialista François Mitterrand em 1988, mas em circunstâncias distintas, já que na época ele não dispunha de uma maioria na Assembleia Nacional, diferentemente de Macron atualmente.
Era a oposição de direita que dominava o Parlamento naquela época, e Mitterrand convocou novas eleições legislativas, obtendo maioria relativa.
A derrota de Macron está sendo chamada pela imprensa francesa de “histórica”.
Segundo projeções do instituto Ifop divulgadas após o fechamento das urnas, a aliança centrista do presidente obteve entre 210 e 240 assentos, o que representa uma maioria relativa. É preciso conquistar pelo menos 289 das 577 cadeiras do Parlamento para ter maioria absoluta.
O presidente terá agora de enfrentar forças políticas que se opõem feroz e sistematicamente a tudo o que o governo apresenta.
A Nupes, sigla da Nova União Popular Ecológica e Social, uma coalizão das principais forças de esquerda do país, formada por iniciativa de Jean-Luc Mélenchon, líder da França Insubmissa, da esquerda radical, se tornou a principal força de oposição, conquistando entre 149 e 180 cadeiras, segundo projeções de diferentes institutos.
É um salto em relação à atual legislatura, onde a esquerda como um todo reúne menos de 80 deputados. Por se tornar a principal força de oposição, a Nupes irá presidir a importante comissão de Finanças do parlamento.
No caso do partido de Mélenchon, que foi terceiro colocado no primeiro turno das eleições presidenciais de abril, a progressão é considerável: dos atuais 17 deputados apenas, a França Insubmissa terá, nas estimativas do instituto Ipsos, 89 cadeiras no parlamento.
Em um discurso nesta noite, Mélenchon declarou que a “derrota do partido presidencial é total”.
Mas o avanço considerado histórico e que não havia sido previsto nessas proporções nas pesquisas que precederam a votação é o da direita radical de Marine Le Pen, que foi a terceira força política mais votada.
O número de deputados de seu partido Rassemblement National (Reagrupamento Nacional) foi multiplicado por mais de dez e passará de apenas sete deputados atualmente para algo entre 80 e 95, segundo projeções do instituto Ifop.
Essa é a segunda vez em sua história (a primeira foi em 1988) que o partido de Le Pen poderá formar um grupo no parlamento francês, que exige um número mínimo de 15 deputados. A formação de um grupo garante mais meios materiais e financeiros, tempo para discursar, mas sobretudo o direito de apresentar projetos de lei.
“Esse grupo será de longe o mais numeroso da história da nossa família política. Nós atingimos nosso objetivo: tornar o presidente Macron minoritário, sem controle do poder”, declarou Le Pen neste domingo após a divulgação das estimativas. Ela também prometeu representar “uma oposição firme, mas respeitosa das instituições”.
O segundo turno destas eleições legislativas, como o primeiro, foi marcado por uma forte abstenção, estimada em 54%, segundo o instituto Ipsos. Os jovens e operários são os que mais se abstêm de votar – na França, o voto não é obrigatório.
O duelo apertado entre a aliança centrista de Macron e a frente de esquerda Nupes no primeiro turno destas legislativas, que resultou em um empate, com uma diferença de apenas cerca de 21 mil votos a favor do Ensemble! de Macron, levou o presidente francês a lançar apelos às vésperas desse segundo turno, alertando que haveria “desordem” ou “bloqueio” da vida política francesa se ele não obtivesse uma “maioria sólida” no Parlamento.
Tradicionalmente na França, o partido do presidente que acaba de ser eleito (no caso de Macron, reeleito em abril) vence também as eleições legislativas que ocorrem na sequência do pleito presidencial. Isso é interpretado como um voto de confiança ao novo chefe de Estado, para que ele possa levar adiante seu programa de governo.
Mas Macron já vinha enfrentando forte oposição de parte do eleitorado, que se voltou para partidos radicais nas eleições presidenciais, que reuniram mais da metade dos votos no primeiro turno em abril passado.
Quando foi eleito pela primeira vez, em 2017, Macron conseguiu obter sem dificuldades uma maioria absoluta no Legislativo, com 308 deputados, apesar de seu partido, recém-criado, não ter nenhum deputado na época.
Agora, sua sigla, rebatizada de Renascimento (antigo República em Marcha), teria obtido apenas cerca de 150 cadeiras, conforme as estimativas. A diferença, que chegaria ao total de 210 a 240 assentos no Parlamento a seu favor, foi conquistada por forças políticas de sua coligação.
Dificuldade para governar
“É um fracasso para o presidente Macron. É um recuo maciço, um repúdio. Isso mostra claramente que os franceses quiseram sancionar o exercício de um poder visto como exercido de maneira solitária. E ainda a sua desconfiança em relação a vários temas, como a reforma da aposentadoria, o meio ambiente e o poder aquisitivo”, declarou Brice Teinturier, diretor do instituto Ipsos.
Para conseguir governar faltando dezenas de cadeiras para atingir uma maioria absoluta, restará ao presidente Macron tentar fazer um acordo com a direita tradicional de Os Republicanos, na avaliação de especialistas. O partido obteve, de acordo com projeções, entre 55 e 78 cadeiras.
Também resta pontualmente a adesão de alguns socialistas que se opuseram ao acordo para formar a frente de esquerda Nupes por discordarem de pontos do programa de Mélenchon, sobretudo em relação à Europa.
Mélenchon defende o não cumprimento de alguns tratados da União Europeia, principalmente em relação às regras econômicas e orçamentárias.
O forte avanço de forças de oposição indica que a tarefa não será fácil para o governo. Com apenas 17 deputados na legislatura que se encerra neste domingo, a França Insubmissa de Mélenchon conseguiu entravar discussões, como a da reforma da aposentadoria, em 2020, apresentando mais de 20 mil emendas, praticamente idênticas, mas que precisavam ser analisadas individualmente, com o objetivo de atrasar a adoção do projeto de lei, depois retirado pelo governo.
Há dúvidas, no entanto, se a Nupes, que reúne a França Insubmissa, os socialistas, Partido Verde e comunistas, se manterá efetivamente unida após estas eleições.
Além disso, o Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen também deverá entravar a ação do governo agora com meios parlamentares reforçados.
A falta de uma maioria absoluta deve complicar consideravelmente os planos de Macron de realizar uma reforma da aposentadoria que prevê ampliar a idade mínima dos atuais 62 para 64 ou 65 anos. A discussão, que está em aberto, deve ser apresentada ao parlamento em setembro.
“Vai ser muito difícil governar a França. Quais são as margens de manobra em um país real quando há uma esquerda radical ambiciosa e repleta de energia e uma direita radical na faixa de 20%?”, afirma o analista político Jerôme Fourquet, diretor de opinião do instituto Ifop e autor de vários livros sobre a vida política francesa.
“Poderemos ter um segundo mandato de Macron semelhante ao de Jacques Chirac entre 2002 e 2007, repleto de imobilismo”, acrescenta.
“Guerrilha à vista”, escreveu em sua edição de hoje o Jornal do Domingo, em razão da dificuldade para Macron de obter uma maioria absoluta e da forte oposição política de partidos radicais.
Quinze ministros de Macron disputaram as eleições legislativas. O presidente já havia avisado que os derrotados, como é o caso da ministra da saúde, Brigitte Bourguignon, terão de deixar o cargo. Já a primeira-ministra, Elisabeth Borne, venceu na região do Calvados e poderá se manter no posto.
O mandato dos deputados eleitos neste domingo começa nesta quarta-feira.
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