• Giulia Granchi
  • Da BBC News Brasil em São Paulo

Crédito, Alberto Almendariz

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Dom tinha paixões como esportes ao ar livre, como stand up paddle e ciclismo

“O que eu acho que o Dom gostaria é que as pessoas conhecessem a Amazônia que ele conheceu, que ele amava tanto. Afinal, a gente só cuida do que conhece, do que ama — então a proteção viria como consequência”, diz Alessandra Sampaio, esposa de Dom Phillips, o jornalista britânico que desapareceu na companhia do indigenista Bruno Pereira no domingo (5/6), na região do Vale do Javari, no Estado do Amazonas.

À BBC News Brasil, a baiana que é companheira de Dom há quase 10 anos — e ouviu com carinho todas as suas narrações entusiasmadas do que encontrava a cada viagem — conta com orgulho sobre o respeito genuíno dele pelos povos originários, ribeirinhos, ambientalistas, assim como por cada um que cruzou seu caminho.

Alessandra falou com o marido pela última vez na quinta-feira, 2 de junho. Nesse dia, ele avisou que ficaria sem sinal de telefone e só retomaria o contato com ela no domingo, ou, a depender das atividades, na segunda-feira.

“Por isso não me preocupei quando a mensagem que enviei no domingo não chegou. Mas na segunda de manhã recebi um telefonema de um jornalista, que foi o primeiro a me contar a notícia.”

Ela diz se sentir grata pelas notificações constantes da Embaixada britânica, assim como a todos envolvidos na busca por Dom e Bruno.

“Sei que são pessoas empenhadas e foram muito carinhosas comigo. Só que eu acho que existe um comando superior que eu acredito que poderia colocar um contingente ou trabalhar uma logística melhor. Isso certamente ajudaria.”

Alessandra não espera mais encontrar o marido vivo, mas ainda deseja encontrá-lo para que ela e a família dele, que vive na Inglaterra, possam se despedir.

“Minha fé é espírita e não acho que Dom está entre nós, mas ao mesmo tempo, ele nunca esteve tanto conosco. Sei que de onde ele estiver, está recebendo o acolhimento que ele merece.”

Crédito, Arquivo pessoal

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Dom e Alessandra fariam 10 anos juntos em fevereiro

Sem vilões

Estudioso, Dom tem uma noção muito clara da complexidade da extensa região amazônica, que conta com uma população de 23 milhões de pessoas, em sua maioria, pobres.

“Ele me dizia, ‘Vai fazer o que, Alê, expulsar todo mundo e deixar a mata lá? Isso é inviável’. Ele acompanhou um garimpo para uma reportagem e me disse ‘A gente vê o garimpeiro como um vilão, mas eu vi homens desesperados para alimentar as famílias’.”

“O problema não é exatamente quem está lá destruindo, mas quem está fornecendo todas essas estruturas para essa destruição acontecer. Ele dizia que não adiantava acabar com o garimpo sem oferecer nenhuma opção”, conta Alessandra.

Nesta última expedição, Dom tinha a intenção de reunir mais materiais para seu livro, uma obra que, de acordo com Alessandra, buscava não só expor problemas da região, mas também propor soluções que encontrassem um equilíbrio entre a preservação ambiental e a justiça social — com a ideia de formular alternativas para que os mais pobres não precisassem participar de atividades ilegais.

“Ele me disse ‘Eu não quero ser uma pessoa que está aqui dando uma opinião sobre o que me falaram. Eu quero que meu livro seja a voz de algumas pessoas que não têm esse protagonismo de outra forma. Vou falar o que os indígenas, os ribeirinhos, os fazendeiros falem.’ Dom queria ser coerente e justo para ouvir todos os lados e dar um pontapé inicial para uma mudança em médio a longo prazo”, diz a esposa.

Dom trabalhava na Inglaterra, cobrindo temas relacionados à música eletrônica, quando veio para o Brasil pela primeira vez, visitar um contato que tinha uma boate.

Não demorou muito para que ele se apaixonasse pelo país. Quando assinou um contrato para produzir um livro sobre o tema, pegou o dinheiro e decidiu que passaria o ano, 2007, escrevendo no Brasil. Nunca mais voltou à terra natal, a não ser, claro, para visitar a família e amigos queridos.

O interesse pelo tema ambiental veio mais tarde, mas foi arrebatador. A natureza era um grande amor e também a “religião” na qual acreditava, já que dizia que Deus era a floresta.

“Ele teve o privilégio de acompanhar os guardiões da floresta, a honra de conhecer a fundo várias tribos diferentes e de sair com os índios na mata para acompanhar rituais de xamanismo… Coisas que muitos de nós, brasileiros, nem imaginamos”, diz Alessandra.

Planejamento das viagens de Dom era feito à risca

Alessandra conta que o marido planejava todos os detalhes possíveis antes de uma viagem: estudava a região, tinha todos os contatos e endereços de onde iria — e compartilhava com ela — além de, como um jornalista experiente, organizar as perguntas que tinha intenção de fazer.

Andrew Fishman, amigo e colega de profissão de Dom, afirma que ele sempre teve cuidado e seriedade em relação a protocolos de segurança e permissão de acessar territórios protegidos.

“Eu o consultei ele quando estávamos revisando os protocolos do Intercept Brasil [veículo onde Andrew trabalhou]. O Dom era muito rigoroso sobre segurança, como precisava, já que seu trabalho poderia ser perigoso. Ele seguia protocolos recomendados por entidades internacionais – havia alguém de confiança que sabia onde ele estaria em cada momento e para quem ele avisaria assim que chegasse ao destino”, diz Andrew, que hoje participa da divulgação campanha para arrecadar fundos para as famílias dos desaparecidos.

Crédito, Andrew Fishman

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Dom com os amigos Paula Oliveira, Cecília Olliveira e Andrew Fishman, no Rio de Janeiro

Outras medidas incluíam não compartilhar o planejamento de onde ficaria, além de datas e horários com terceiros, nem fontes locais. De acordo com Andrew, ele sempre deixava as entrevistas com pessoas possivelmente mais perigosas como a última coisa na agenda, e o fazia com as malas feitas, pronto para sair da área.

O amigo conta que esses protocolos eram, inclusive, temas de conversas casuais entre os dois, e considera que Dom era “obcecado” pelo tema e não agiria de forma irresponsável.

“O Dom já rodou o Brasil todo em muitos lugares onde a lei não existe e sempre foi extremamente cuidadoso e respeitoso com a cultura local, incluindo em questões de documentação e autorização.”

“Ele preferia não fazer a viagem com segurança armado, a não ser que fosse absolutamente necessário. Ele acreditava que constrangia seus entrevistados e diminuía sua capacidade de ser eficaz como repórter. Infelizmente, o Brasil tem ficado cada vez mais perigoso”, diz o jornalista.

Na avaliação de Andrew, a experiência e cuidado do Dom em lidar com situações mais perigosas com responsabilidade fez ele se tornar referência no assunto entre jornalistas no Brasil.

“Ele sabia o que estava fazendo, não era um aventureiro maluco. Não era um viciado em adrenalina, apenas acreditava que o trabalho que ele fazia valia o risco e alguém precisava fazer. Nunca se vendia como alguém corajoso ou heroico, mas ele realmente era.”

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