A tragédia com quase cem mortos devido às chuvas torrenciais no Nordeste do Brasil pode se repetir em outras partes do país se não forem adotadas políticas de prevenção em áreas de risco, alerta um especialista em desastres naturais.
José Marengo, coordenador de pesquisa do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemanden), disse à AFP que as mudanças climáticas continuarão causando chuvas cada vez mais intensas e garantiu que “se as cidades não estiverem preparadas, vamos chorar mais mortos”.
O desastre no estado de Pernambuco está associado às mudanças climáticas?
José Marengo: “As mudanças climáticas são um processo lento e de longo prazo. Um evento isolado e extremo não pode ser atribuído a esse processo. A chuva e o desastre são coisas diferentes.
Em Recife, choveu forte em áreas próximas a rios e morros. Qualquer chuva intensa ali traz esses resultados, com rios arrastando casas próximas ou deslizamentos de terra varrendo tudo.
As mudanças climáticas podem ser responsáveis pelo aumento das chuvas extremas e violentas, que estão sendo detectadas não só no Brasil, mas em todo o mundo. Mas não podem ser culpadas pelos governos que permitem construções em áreas de risco ou que a população pobre não tenha para onde ir e deva construir e viver em áreas vulneráveis. Isso é um problema de urbanização”.
Deslizamento de terra em Jardim Monte Verde, limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes – Foto: Sérgio Maranhão/AFP
O que as fortes chuvas de Pernambuco têm em comum com as de Petrópolis, em fevereiro, e da Bahia, em dezembro, que também ceifaram vidas?
J.M.: “No caso da Bahia, existe um mecanismo que produz chuvas no verão, que é a Zona de Convergência do Atlântico Sul, que a partir de outubro sempre atua no sudeste do Brasil. Em dezembro, a Zona de Convergência entrou pelo sul da Bahia, área que normalmente não cobre, e gerou chuvas e enchentes que mataram 33 pessoas, em áreas não tão densamente povoadas como Recife ou Petrópolis.
Em Petrópolis, houve um evento climático intenso, pouco comum, mas não impossível, mais parecido com Recife. Embora em ambos os casos as chuvas tivessem sido previstas, o problema foi a vulnerabilidade da população que vivia nas áreas de risco.
Quando vemos vídeos de deslizamentos e rios correndo, não sabemos se são de Petrópolis ou Recife porque foram desastres semelhantes”.
O que o governo pode fazer para que o Brasil esteja melhor preparado?
J.M.: “Esse tipo de fenômeno tem um componente de chuva – cuja previsão no Brasil é bem feita – mas o problema está no lado mais fraco da cadeia, que é a vulnerabilidade da população.
Um equívoco comum é dizer que ‘a chuva matou as pessoas’, mas a chuva não mata. É a combinação com pessoas que vivem em áreas de risco.
Construções em áreas como morros deveriam ser proibidas e, se houver pessoas nessas zonas, que sejam retiradas para áreas mais seguras todos os anos, não apenas quando há desastres.
As cidades devem se organizar melhor, pois a parte climática já mostra que esses fenômenos chuvosos como o de Pernambuco estão se tornando mais intensos e violentos.
Se a população e as cidades não estiverem preparadas, vamos chorar mais mortos. Na região nordeste, a estação de chuvas está apenas começando, e mais fenômenos podem vir este ano”.
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