• Margarita Rodríguez
  • BBC News Mundo

Crédito, Getty Images

“Eu desejaria viver em uma sociedade onde houvesse melhores formas de cuidar dos nossos trabalhadores para ajudá-los a encontrar formas de tornar seu trabalho divertido ou que eles tivessem mais opções de mudar de emprego se ele não for prazeroso”, afirma Mollie West Duffy, especialista norte-americana em desenvolvimento organizacional e liderança.

West Duffy reconhece o impacto do capitalismo no esgotamento que muitos trabalhadores estão sentindo. O burnout é uma das muitas razões que podem nos levar ao ponto de não apreciar nosso trabalho, mas pedir demissão não é uma alternativa viável para muitas pessoas.

Existem estratégias para tentar extrair o melhor do emprego de que não gostamos e crescer nesse processo. West Duffy, que foi assessora de líderes de empresas como Google e LinkedIn, escreveu, em conjunto com a ilustradora Liz Fosslien, o best-seller do Wall Street Journal No Hard Feelings: The Secret Power of Embracing Emotions at Work (lançado em português com o título “Sem Neura: o segredo para lidar com as emoções no trabalho”), além do livro Big Feelings: How to be Okay when Things are not Okay (“Grandes sentimentos: como ficar bem quando as coisas não estão bem”, em tradução livre).

Outra pesquisadora deste tema é Ana Sanz Vergel, professora de psicologia do trabalho da Escola de Administração de Norwich e da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Ela declarou à BBC News Mundo – o serviço em espanhol da BBC – que “atualmente, este é um tópico relevante, é uma realidade”.

Estas são as estratégias fascinantes que elas propõem:

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

O job crafting não é um conceito novo: trata-se de modelar nosso trabalho para torná-lo mais significativo

Pare e pense: qual o motivo do descontentamento?

O job crafting não é um conceito novo. Ele já vem atraindo pesquisadores de diversos países há alguns anos e é a chave para as duas especialistas. Trata-se de modelar nosso trabalho para torná-lo mais significativo, fazendo “pequenas mudanças no dia a dia”, segundo Sanz.

Mas, antes disso, é importante parar e refletir sobre a situação onde nos encontramos. West Duffy reconhece que pode ser realmente assustador sentir que não gostamos do nosso trabalho. Por isso, ela acredita que é fundamental tentar especificar qual é a principal razão que nos fez perder a motivação.

“Avalie o que produz o desajuste. Por que você não está feliz nesse trabalho? Ele não se adapta aos seus interesses?”, questiona Sanz.

“É por excesso de trabalho e não há recurso para reduzi-lo? Você não tem apoio do supervisor, por exemplo? Ou, ao contrário, é um trabalho muito enfadonho e não há oportunidade de desenvolvimento, não há variedade de tarefas ou talvez você sinta que ele não tem significado para a sociedade?”

Quando você encontrar onde está o desequilíbrio, começa a proatividade.

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Pesquisadora aponta que é fundamental tentar especificar qual é a principal razão que nos fez perder a motivação

O exemplo dos limpadores de janelas

“Sempre digo aos alunos que, em vez de pensar na vida como algo que passa por nós, como sujeitos passivos, a vida é também o que fazemos acontecer, como sujeitos proativos”, explica Sanz. “É preciso abandonar essa ideia de que o trabalho é algo que vem pronto e projetado. Você também precisa reprojetá-lo, até em empregos que podem ser rotineiros.”

Ela conta sobre um grupo de limpadores de janelas do Hospital Infantil Hershey, da Pensilvânia, nos Estados Unidos, onde vários pacientes sofrem de câncer. Eles se perguntaram: “como podemos tornar nosso trabalho mais significativo e também mais divertido?”

Eles decidiram se fantasiar de super-heróis. Através das janelas, era possível ver Batman, o Super Homem, o Homem Aranha e o Capitão América. E, nesse dia, diversas enfermeiras e outros funcionários do centro médico também usaram algo relacionado aos super-heróis.

“As crianças ficaram felizes”, conta a professora, como mostra o vídeo feito pelo hospital.

“Depois disso, outros hospitais começaram a fazer a mesma coisa e, em entrevista com os funcionários, eles disseram que esse pequeno gesto, de um lado, fez com que eles se divertissem – algo que chamamos de playful work design: tentar fazer seu trabalho se tornar mais divertido”, destaca Sanz. “E, por outro lado, ele mudou a relação que eles tinham com o próprio cliente (o hospital) e os pacientes. Criou uma relação mais próxima.”

Segundo a especialista, eles próprios reavaliaram seu trabalho. “Eles já não eram apenas os limpadores de janelas com quem ninguém se importa, mas sim sentiam que tinham muito valor para as crianças do hospital.”

Este exemplo inclui vários tipos de job crafting:

  • Como você aborda sua atividade
  • Reavalia cognitivamente o significado do seu trabalho
  • Provoca mudanças das relações interpessoais à sua volta

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Segundo West Duffy, no processo de job crafting, é importante ter em mente as razões e motivações do nosso trabalho

Segundo West Duffy, no processo de job crafting, é importante ter em mente as razões e motivações do nosso trabalho, já que isso nos permite entrar em sintonia com elas.

“A resposta pode ser, por exemplo: para sustentar minha família, quando eu passar pelas emoções diárias que esse trabalho me proporciona, terei ótimas lembranças.”

West Duffy conta que seu primeiro livro incluiu o exemplo de uma trabalhadora do metrô de Nova York, nos Estados Unidos, para quem o propósito do seu trabalho é cuidar dos passageiros. “E assim, mesmo com muitos aspectos realmente difíceis no seu trabalho, momentos monótonos ou dias em que ela preferiria não ir, ela tem um propósito geral.”

Quando há atrasos dos trens ou algo inesperado acontece no sistema, ela pega o microfone e explica aos passageiros o que está acontecendo. “Certa vez, um trem ficou parado entre duas estações por várias horas e ela passou por todos os vagões para ter certeza que os passageiros soubessem que estavam a salvo”, relata ela.

Em outro exemplo, a especialista menciona que os baristas podem ter um trabalho repetitivo, mas muitos deles fazem arte com os cafés que melhoram a manhã dos seus clientes todos os dias. “É útil que eles se recordem disso”, destaca ela.

Não veja seu emprego como uma lacuna no currículo

Esperando conseguir o trabalho da sua vida, você pode achar que o seu trabalho atual é uma espécie de lacuna, um intervalo na sua carreira, mas não acredite nisso. Por mais longe que você possa estar do emprego dos seus sonhos, na complexa dinâmica trabalhista, tudo resulta em experiência e conhecimento.

“Cada dia em um trabalho é importante, mesmo que não gostemos dele. Cada dia é uma peça de Lego que está erguendo uma construção”, destaca Sanz. “O que você fizer neste momento está construindo o seu trabalho e o do futuro.”

Para a professora, pequenos comportamentos são fundamentais para extrair o melhor do trabalho que já temos. E um deles é dar um passo à frente e expressar-se.

“Identifique seus pontos fortes e trate de ser proativo para comentar com seu gerente se você pode fazer melhor uso deles no seu trabalho – se eles podem dar a você uma tarefa que se ajuste mais a eles”, aconselha Sanz. “Não seja tímido e diga: ‘sou bom nisto, considerem que eu posso fazer isto’.”

“As pessoas imaginam que a organização precisa ter algo a oferecer e é verdade, mas você também tem responsabilidade pela sua carreira e pelo que você deseja construir para o futuro”, ressalta ela.

Para as pessoas que estão no mesmo emprego há muito tempo, este pode ser o momento de tentar tornar-se mentor ou projetar um curso de formação para outros colegas. Isso pode ajudar a gerar o que West Duffy chama de “conexão humana”, que é fundamental também para nossa motivação.

Procure o que o motiva

Para Sanz, também é importante “identificar suas limitações e ser suficientemente proativo para pedir o treinamento que for preciso para melhorar algumas habilidades”. Isso é conhecido como “aumentar os recursos estruturais e é uma forma de job crafting”.

Trata-se de conseguir formação e aprender coisas novas, que não só ajudarão você a fazer seu trabalho, mas também têm o potencial de abrir novas portas dentro da organização. West Duffy afirma que, em alguns casos, podemos sentir que não temos nada de novo para aprender nesse cargo e isso prejudica a motivação.

“Para pessoas que fazem trabalhos repetitivos, este pode ser um problema”, afirma ela. “Mas vale a pena perguntar: como posso acrescentar algo como aprendizado?”

“Você poderia, por exemplo, pensar em um cargo de gerente ou pedir a alguém de outra área para fazer um intercâmbio de habilidades, para que vocês possam receber treinamento mútuo”, aconselha ela. “Acredito que, quando ficamos adultos, esquecemos que precisamos estar aprendendo para nos motivar, algo que as crianças fazem todo o tempo.”

Peça feedback

Crédito, Getty Images

Legenda da foto,

Muitas vezes, o problema é que não sabemos se estamos fazendo bem o trabalho, nem como ele é percebido pelos demais

Neste processo de falar no emprego, é importante pedir feedback para o seu supervisor e seus colegas. Muitas vezes, o problema é que não sabemos se estamos fazendo bem o trabalho, nem como ele é percebido pelos demais.

“Isso faz com que as pessoas se sintam muito inseguras no seu trabalho”, explica Sanz. E também é fundamental pedir ajuda, algo que “muitas vezes não se faz por medo”.

“A organização também tem responsabilidade por gerar um ambiente de trabalho no qual você sinta que pode pedir apoio”, segundo Sanz. Afinal, falar com os chefes e colegas de trabalho pode nos fazer descobrir aspectos que podem tornar o dia a dia mais positivo.

“Por exemplo, alternar entre tarefas mais complexas e mais simples. Se as tarefas forem simples demais e nos deixarem entediados, devemos tentar começar um novo projeto que tenha um objetivo”, aconselha ela.

Já para os que têm excesso de trabalho, é fundamental concentrar-se em como reduzir essa sobrecarga e reestruturá-las em tarefas menores, por exemplo.

Segundo West Duffy, para algumas pessoas, sentir que elas não têm independência no trabalho prejudica sua motivação. “Existem empregos em que é impossível conseguir a autonomia que você deseja, para ter mais controle sobre os seus horários e sobre o que fazer a cada dia.” Mas, em outros, isso é possível – e explorar essa possibilidade pode fazer uma grande diferença.

Você pode, por exemplo, pedir ao seu chefe que avalie os resultados e não os processos. “Se você puder criar seus próprios processos, ficará mais motivado do que se for microgerenciado”, segundo West Duffy. “Se alcançar os mesmos resultados, o gerente poderá aceitá-los.”

Às vezes, não é o trabalho, mas uma pessoa

Depois da reflexão inicial proposta pelas especialistas, é possível que se descubra que o problema não são realmente as exigências do trabalho, mas algo que tem a ver com as relações interpessoais.

“Fico estressada quando faço um trabalho em grupo, não me escutam nas reuniões ou me ignoram. Ou o supervisor sempre me dá feedback negativo”, afirma Sanz.

Situações como essas não devem ser ignoradas, por mais incômodo que possa ser, e muito menos as emoções negativas que você estiver sentindo. “É preciso falar com a pessoa que gera esse estresse e fazê-lo de forma assertiva, para procurar uma solução para o problema e evitar que ele aumente.”

Se não for possível ou não houver resultado, é importante buscar o apoio de outra pessoa.

“Às vezes, é um problema de assédio no trabalho, de bullying, mais que da tarefa em si”, destaca Sanz. “As organizações devem oferecer uma rede de apoio, por exemplo, através do Departamento de Recursos Humanos. De fato, os problemas interpessoais são os mais graves e, caso se tornem frequentes, podem fazer com que a pessoa acabe deixando a organização.”

Pensamento coletivo

“Na sociedade norte-americana – pode ser diferente em outros países -, temos a tendência de pôr a maior parte da culpa nos indivíduos”, destaca West Duffy. “Nós dizemos: se você está esgotado, a culpa é sua, você precisa fazer melhor seu trabalho, gerenciar seu horário com mais eficiência. Se você não encontra a forma de ser pai e trabalhar ao mesmo tempo, a culpa é sua.”

E, muitas vezes, a mensagem dominante é que o trabalhador “deve ser mais resiliente. Mas as pesquisas demonstram que, de fato, ser resiliente é realmente difícil em um ambiente que centraliza tudo no indivíduo”, afirma ela.

Por isso, pensar coletivamente pode trazer resultados positivos. “Por exemplo, como podemos acrescentar mais intervalos ao nosso dia, apoiar os pais que trabalham ou ajudar-nos mutuamente a lidar com as mudanças que estão acontecendo?”, questiona ela.

West Duffy escreveu, em conjunto com Fosslien, o artigo intitulado Stop Telling Employees to be Resilient (“Pare de dizer aos funcionários que sejam resilientes”, em tradução livre), na revista MIT Sloan. Dirigido aos gerentes, o artigo defende a importância de criar sistemas de apoio e diálogo para que as equipes possam navegar pelas incertezas e mudanças.

“Os líderes devem pensar em estabelecer melhores práticas coletivas”, segundo a autora. “Com isso em mente, se você se sentir à vontade enquanto trabalhador para fazer alguma sugestão para a equipe ou o gerente, isso será benéfico.”

“Acredito que, muitas vezes, não é que os líderes e gerentes não queiram ajudar sua equipe com o esgotamento, é que eles mesmos também estão esgotados”, afirma West Duffy. “Estão tão ocupados que para eles é difícil dar um passo atrás e dizer ‘como posso ajudar minha equipe?'”

Sanz acredita que é fundamental evitar ficar em um ambiente de trabalho tóxico. “Talvez a pessoa acabe deixando o emprego porque está ficando doente. A saúde vem em primeiro lugar. Mas existem muitas coisas que se pode tentar antes de chegar a essa situação.”

Já assistiu aos nossos novos vídeos no YouTube? Inscreva-se no nosso canal!