Na véspera do dia 13 de maio, quando se celebra o Dia Nacional de Denúncia Contra o Racismo, o Governo de Pernambuco sancionou, nesta quinta-feira (12), a lei que autoriza a contratação de professores de educação escolar quilombola.
O documento foi assinado pelo governador Paulo Câmara durante solenidade no Palácio do Campo das Princesas, no Recife, e contou com a presença de representantes do movimento negro e quilombola, além de deputados estaduais e secretários de governo.
“É um lei importante para a educação pública de Pernambuco, onde estamos abrindo a possibilidade de contratações de professores para atuar dentro das comunidades quilombolas e fazer todo esse trabalho. Um trabalho que envolve a educação, a cultura, as tradições e o olhar para o futuro”, afirmou Paulo Câmara, que completou:”Pernambuco tem essa característica de preservar as suas origens e ao mesmo valorizar políticas públicas que cheguem a todos”.
“A comunidade quilombola, assim como as comunidades indígenas, estão cada vez mais presentes no nosso dia a dia, com escolas vocacionadas para manter as tradições e ao mesmo tempo oferecer educação de qualidade, como hoje já é permitido na educação indígena”, discursou.
“É um passo importante e agora vai caber à Secretaria de Educação e Esportes se juntar com a comunidade e executar os próximos passos, que são a contratação dos professores, temos que preparar os editais, e a melhoria das nossas escolas para que elas possam também estar conectadas e atendendo aos anseios das comunidades quilombolas”, explicou.
A nova legislação, que deve ser publicada no Diário Oficial do Estado desta sexta-feira (13), prevê a contratação de professores quilombolas por tempo determinado. Segundo o governo, a estimativa é de que aproximadamente 2,5 mil estudantes, de diversas comunidades no Estado, sejam beneficiados.
De acordo com o secretário de Educação e Esportes de Pernambuco, Marcelo Barros, o Estado possui 196 territórios quilombolas certificados, e o edital para a contratação dos profissionais deve ser finalizado nos próximos três meses.
“A gente vai construir junto ao movimento quilombola um edital porque é uma contratação simplificada. A gente espera nos próximos 90 dias construir este edital para poder fazer o processo seletivo”, disse.
“Com certeza é um grande avanço porque a gente vai atender a essas demandas específicas da comunidade, da educação quilombola, com professores quilombolas que vão ensinar, vão passar informação, educar, os alunos”, completou.
O secretário destacou a importância de se valorizar, por meio da educação, as culturas dos povos tradicionais. “Vai ser muito importante porque a experiência prática que esse professor vai poder passar para esse aluno vai ser um grande indutor para que esse aluno aprenda mais”, afirmou.
Coordenador de Articulação Nacional das Comunidades Quilombolas (Conaq), Antônio Crioulo celebrou a sanção da lei.
“Sou quilombola de Conceição das Crioulas, que foi o primeiro território quilombola reconhecido e certificado aqui. A importância desse processo, da conquista dessa lei, representa um processo de luta ancestral das comunidades quilombolas, que é o direito à educação diferenciada, à educação que respeita a vivência do território, que respeita os processos de construção do território. Uma educação que fortaleça nossa identidade dentro do próprio território”, disse.
Ele reforçou que os professores a serem contratados a partir da nova legislação também possuirão a devida formação acadêmica. “Algumas pessoas questionam: ‘Ah, vocês estão querendo uma educação que isole’. Não, nós queremos uma educação que isole, nós queremos uma educação a partir da nossa realidade, que vai fazer com que nós nos fortaleçamos, tanto no nosso território quanto externamente. Esse é o grande ganho dessa lei. E quem melhor que fazer isso do que senão os próprios quilombolas?!”, pontuou.
“Mas nós com isso não estamos dizendo que os professores não precisam ter qualificação acadêmica. Nossos professores precisam ter qualificação acadêmica também, mas precisam ter essa vivência do território. Então, se é para ensinar geografia, precisa ser formado em geografia. Se é para lecionar língua portuguesa, tem que ser formado em Letras. Mas a partir das vivências do seu território”, completou.
Segundo o coordenador da Conaq, o pedido agora assegurado em lei é um pleito antigo dos povos quilombolas. “Desde quando a gente começou a discutir a educação escolar quilombola, que, por meio das diretrizes nacionais, da carta de princípio da educação escolar quilombola, que foi em 1996, isso já era um alvo a ser alcançado”, lembrou.
Durante a solenidade, o deputado estadual Isaltino Nascimento comemorou a iniciativa prevista pela nova lei. “Estamos muito felizes por estarmos hoje fazendo essa celebração para o nosso povo quilombola”, disse, lembrando ser também integrante do Movimento Negro Unificado (MNU), cujo congresso nacional inicia nesta quinta.
A coordenadora nacional do MNU, a educadora Iêda Leal, também esteve presente no evento. “O projeto coloca a comunidade quilombola, os trabalhadores em educação, numa situação em que eles vão poder atender as comunidades. Isso é bom, é a gente perceber que o estado começa a cumprir o seu papel, o papel de valorizar as pessoas que estão nos seus territórios”, comentou.
“Hoje, dia 12, véspera do dia 13, em Pernambuco, a cidade de Zumbi e de Dandara, a gente dá uma aula de cidadania para o Brasil. A gente ocupa esse espaço, esse Campo dasPprincesas, a gente fez o batuque dentro do salão nobre, a gente tem a assinatura do governador dizendo que agora é lei que as pessoas dos territórios quilombolas possam participar de um processo seletivo para ajudar no desenvolvimento educacional da nossa população. Isso para a gente é vitória”, frisou Iêda Leal. Durante a solenidade, um grupo de coco formado por moradores de Custódia e Carnaíba se apresentou no Palácio do Campo das Princesas.
Para a representante da Comissão Estadual das Comunidades Quilombolas de Pernambuco, Márcia do Angico, a iniciativa garantirá uma maior inclusão, levando em consideração a realidade das comunidades. “Esse projeto impacta diretamente não só na questão da alfabetização e do aprendizado, mas também na construção da comunidade. Vai ser um processo coletivo, de um professor quilombola para um aluno quilombola”, pontuou.
Educação Quilombola
A educação escolar quilombola como modalidade de ensino foi definida a partir da resolução CNE/SEB/MEC nº 08, de 20 de novembro de 2012, que estabelece as diretrizes curriculares nacionais para a educação escolar quilombola na educação básica.
Em Pernambuco, desde 2012 o processo de construção dessas garantias vem se consolidando. Em 2011, foram construídas duas escolas estaduais em territórios quilombolas, ambas no Sertão: Escola Estadual Professora Rosa Doralina, em Salgueiro, e Escola de Referência em Ensino Médio (Erem) Vereadora Alzira Tenório do Amaral, na comunidade de Buenos Aires, em Custódia. As unidades foram entregues em 2012.
Está em andamento também um projeto que prevê a construção de mais cinco escolas em territórios quilombolas, nas cidades de Bom Conselho, Garanhuns, Betânia, Mirandiba e Orocó. Segundo dados das organizações quilombolas, são 250 comunidades identificadas e 196 certificadas, mas se estima que existam mais de 600 comunidades quilombolas em Pernambuco.
Também estiveram presentes à cerimônia de sanção da lei os secretários estaduais André Longo (Saúde), Oscar Barreto (Cultura) e Edilázio Wanderley (Desenvolvimento Social, Criança e Juventude); os deputados estaduais Teresa Leitão e Doriel Barros, além do ex-deputado federal Luiz Alberto Santos e da representante da Federação Quilombola, Maria Antônia.
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