No filme Cleópatra, de 1963, a rainha do Egito interpretada por Elizabeth Taylor recusa um convite do mensageiro de Marco Antônio, enquanto repousa nua em uma banheira cheia de leite coberta de flores, brincando despretensiosamente com um navio dourado.
O filme pode ter tido seus problemas — como as célebres discussões entre Taylor e seu par romântico, Richard Burton — mas sua iconografia é conhecida. No antigo Egito, as rainhas e deusas eram admiradas por seu poder e sensualidade e por suas profundas associações com o mundo natural, a maternidade e a cura.
A Cleópatra de Taylor aparece frequentemente tomando banho de banheira e sendo paparicada, como teria sido a personagem na vida real. Os rituais de beleza dos abastados do Egito antigo eram demorados e complexos, começando com longos banhos de leite em infusão com óleo de açafrão.
Mas nenhum desses elementos era por acaso. O ácido lático ajudaria a esfoliar a pele, enquanto o açafrão é usado para tratar uma série de condições há milhares de anos.
Essa especiaria é colhida cuidadosamente dos estigmas cor de laranja da flor púrpura Crocus sativus. Cultivado no cinturão quente e seco que vai da Espanha, no oeste, até a Caxemira, no leste, o açafrão é conhecido como “ouro vermelho” por sua intensidade e pelo custo da sua produção.
As flores precisam ser colhidas manualmente de madrugada e seus finos ramos são delicadamente raspados. São necessárias quase 9 mil flores para gerar apenas 50 gramas de fios de açafrão.
Hoje, seu preço já é alto e, como as mudanças climáticas vêm ameaçando seu cultivo, deve subir ainda mais.
Em comparação com o apelo futurista de alguns dos produtos mais vendidos hoje em dia, a realidade nua e crua das origens do açafrão pode parecer irrelevante. Afinal, quem se importa em saber de onde vêm as coisas enquanto aplica um supercreme que custa R$ 500 o pote?
Um relatório do Grupo NPD, especializado em pesquisa de mercado, concluiu em 2021 que 68% dos consumidores querem produtos de tratamento para a pele formulados com ingredientes “limpos” — ou seja, sem substâncias químicas artificiais, como PFAs (compostos perfluoroalquil e polifluoroalquil), parabenos e ftalatos.
Atendendo às exigências de maior prestação de contas da indústria, um grupo de grandes marcas de beleza lançou o Consórcio EcoBeautyScore, para estabelecer um sistema de avaliação de impactos ambientais, com transparência global.
E, em iniciativa similar, a nova Coalizão B Beauty pretende reunir certificações individuais para enfrentar os impactos consideráveis causados pela indústria.
O interesse por ingredientes naturais e orgânicos continua a aumentar, tendo atingido US$ 11,9 bilhões (cerca de R$ 59,2 bilhões) em 2020 — um crescimento de 2,9% em relação ao ano anterior, segundo a empresa de pesquisas britânica Ecovia Intelligence.
E, neste admirável mundo novo preocupado com a igualdade social e natural, os rituais e ingredientes naturais usados por Cleópatra fornecem uma rica fonte de inspiração.
“Fomos ensinados a ignorar as tradições e buscar produtos ‘direto do laboratório'”, segundo a guru da beleza natural Imelda Burke, no seu livro The Nature of Beauty (“A natureza da beleza”, em tradução livre), de 2016.
“Mas, embora os novos desenvolvimentos sejam importantes, há muito que podemos aprender com nossos antepassados.”
O óleo de rosas, por exemplo, tem uma longa história no Oriente Médio. A Turquia, que ainda é um dos maiores produtores mundiais, nutre sua paixão pela água de rosas purificada há dois mil anos. Atualmente, o óleo pode ser encontrado em versões modernas, sendo vendido por uma quantia considerável.
E não é de se admirar: repleta de vitaminas, sais minerais e antioxidantes para hidratar a pele, a flor mais admirada do mundo é um anti-inflamatório que pode ser usada para acalmar a pele irritada, oferecendo ainda seu típico aroma de jardim.
A cúrcuma é outro exemplo. Embora sua demanda no mundo ocidental tenha aumentado nos últimos anos (não só no café com leite), essa raiz amarela brilhante é essencial na prática ayurvédica há mais de 4,5 mil anos.
“A cúrcuma é um bom promotor da imunidade, possui fortes propriedades antioxidantes e é cerca de cinco a oito vezes mais potente que as vitaminas C e E”, declarou à revista Vogue o farmacêutico Shabir Daya, da empresa britânica Victoria Health.
Na Índia, os noivos aplicam cúrcuma nas suas mãos e rostos antes do casamento, como símbolo de purificação e bênção. O ingrediente ativo da cúrcuma é a curcumina — que também pode ter efeitos colaterais, no entanto.
Já as mulheres berberes, no Marrocos, até hoje recolhem óleo de argan dos ramos espinhosos das árvores. Rico em ômega 3 e 6, o que é bom para a pele, o óleo de argan é comercializado como um cobiçado produto de beleza na região próxima ao Mediterrâneo há milhares de anos.
No outro lado do mundo, na Polinésia, o óleo de monoi, produzido ao mergulhar as pétalas de gardênias do Taiti em óleo de coco, foi criado há dois mil anos pelo povo nativo maohi, que reconhecia suas propriedades amaciantes para a pele e os cabelos.
E, na Costa Rica, os povos bribri e cabécar usam o chá verde para melhorar a pele, ajudar a clarear manchas e reduzir inflamações.
Todos esses ingredientes chegaram aos produtos ocidentais de tratamento para a pele. Mas a questão não é mais se as marcas ocidentais incorporaram ervas e especiarias exóticas como a próxima “novidade”, em algum resquício de mau gosto da colonização. A indústria da beleza vem observando uma quantidade cada vez maior de mulheres negras e indígenas tomando posse de sua herança histórica com o renascimento de rituais e ingredientes ancestrais, de forma a celebrar suas culturas, em vez de se apropriar delas — e sempre de acordo com as suas necessidades.
Marcas como Cheekbone Beauty, da canadense Jennifer Harper (do povo anishinaabe), e Prados Beauty, criada pela americana Cece Meadows (do povo chicano), criaram sua linha de produtos com base em ervas naturais, como sálvia e lavanda, que são utilizadas por suas comunidades há décadas.
Muitas das fundadoras usam suas marcas para gerar empregos para suas comunidades, que vão desde a coleta dos ingredientes na natureza até a venda dos produtos nos mercados de agricultores e lojas.
Essa compreensão vital da sociedade é um sintoma de outras mudanças que estão acontecendo na indústria.
“A discussão está mudando — de natural e orgânico para sustentável”, afirmou Amarjit Sahota, fundador e presidente da Ecovia Intelligence, para o portal Cosmetics Design Europe em dezembro de 2021.
“Estamos vendo cada vez mais ingredientes sustentáveis… Muitos pioneiros da beleza orgânica e natural queriam desenvolver produtos que fossem melhores para a saúde humana e para o meio ambiente. Inicialmente, as formulações tinham base vegetal, para terem menor impacto sobre a saúde humana. Mas, à medida que a sustentabilidade se tornava parte importante da indústria, esses pioneiros realmente tomaram a frente em termos de iniciativas sustentáveis. Não é mais apenas sobre ser natural e orgânico; é sobre questões verdes mais amplas.”
Essas preocupações não são isoladas.
“Em vista da covid-19 e do aceleramento da crise climática, causando enchentes, secas, perdas de safras e deslocamento de pessoas em todo o mundo, estamos reconhecendo que a natureza está se defendendo”, afirma Kathryn Bishop, da consultoria de planejamento estratégico The Future Laboratory.
“Está na hora dos seres humanos reconhecerem que é preciso haver simbiose e respeito pela natureza.”
A relação entre beleza, asseio e meio ambiente, sempre ligados, finalmente está se tornando prioridade. Os consumidores estão procurando produtos que reflitam e respondam às suas preocupações — em relação à beleza, às outras pessoas e ao planeta e toda a sua vida, buscando práticas que as tranquilizem e as conectem com algo maior.
Restaurar o equilíbrio
Os costumes antigos inspirados na natureza e nos ingredientes naturais estão sendo recuperados e explorados como meio de restaurar o equilíbrio — e como forma de reconexão com o que realmente interessa no planeta.
A marca australiana de bem-estar Subtle Energies reúne os métodos tradicionais indianos da ayurveda e os benefícios da aromaterapia. Seus produtos de tratamento para a pele contêm óleos essenciais de palmarosa, jasmim-árabe e olíbano, com óleos base de jojoba e ginseng indiano.
“Os óleos essenciais são instrumentos maravilhosos que nos foram dados pela mãe natureza”, afirma Farida Irani, fundadora da marca.
“Eles são a força da vida e, com seu uso, estamos aumentando nossa força vital. É a sabedoria antiga nos tempos modernos, ajudando as pessoas a viverem com mais consciência em relação a elas próprias e ao planeta.”
“As práticas e abordagens antigas para cuidar do corpo, da mente, da pele e dos cabelos foram retiradas da Terra e da natureza”, afirma Bishop à BBC Culture.
“Muitas vezes, elas estão relacionadas a estações específicas do ano e eventos sazonais, celebrando a Terra, a flora e a fauna que ela gentilmente fornece e que são usadas com respeito como adornos, para limpeza ou como alimentos e bebidas.”
“Essas práticas são anteriores ao antropoceno, quando o impacto dos seres humanos sobre a Terra superou o da natureza”, acrescenta ela.
“Mas, com as pessoas cada vez mais preocupadas com suas pegadas sobre a Terra, seja a pegada de carbono ou o uso de recursos, essas práticas e ingredientes de beleza com consciência planetária estão ajudando as pessoas a reduzir o impacto das suas rotinas diárias de autocuidado e higiene.”
Rotinas simples também compõem o gua sha, um método tradicional chinês de automassagem, que utiliza uma pedra com pontas arredondadas, do tamanho de uma mão (normalmente feita de jade, quartzo rosa ou obsidiana preta) para deslizar ao longo da pele e ativar a circulação.
O gua sha é utilizado há séculos para ajudar a combater problemas como dores e tensão muscular e foi adotado pela indústria ocidental de beleza. Quinze minutos deslizando uma pedra fria pela sua testa e bochechas podem ajudar a reduzir a tensão do dia a dia.
A escritora Hannah-Rose Yee descreveu o ritual do gua sha da sua avó para a revista britânica Stylist: “Até hoje, ela leva o seu gua sha e o desliza metodicamente sobre o rosto em movimentos suaves e elegantes todas as noites.”
“Eu ficava obcecada com esse ritual quando era criança. Me sentava ao pé da cama dela e ficava assistindo, em êxtase, enquanto ela sorria para mim no reflexo do espelho. Uma vez, ela me deixou segurar o gua sha, e eu me lembro da sensação fria e pesada nas minhas mãos. Quando fiquei maior, ela me mostrou como fazer. Hoje, faço meu próprio ritual de gua sha uma vez por semana com um rolo de quartzo rosa. Espero que, um dia, minha avó me dê seu instrumento de gua sha de jade.”
Mas talvez haja poucas coisas que incentivem mais os usuários a desacelerar e fazer reflexões mais profundas que o uso do calor, adotado por muitas culturas ao longo dos séculos, incluindo a asteca.
Por pelo menos 700 anos antes da chegada dos colonizadores espanhóis à antiga Mesoamérica, os temazcals eram as saunas vulcânicas onde os astecas cansados se banhavam — não em água, mas em vapor.
Temazcal vem da palavra temāzcalli, que significa “casa de calor” no idioma náuatle, falado pelos astecas. Os temazcals, em sua maioria, pareciam estruturas com abóbadas, feitas de rocha vulcânica, e simbolizavam o ventre da mãe natureza, sugerindo a ideia de renascimento.
A ciência moderna demonstrou que os astecas estavam certos. O vapor pode ajudar a limpar sistemas respiratórios bloqueados e aliviar outras condições de saúde.
Os antigos maias frequentemente realizavam cerimônias de temazcal para os guerreiros que voltavam das batalhas, combinando cânticos mesoamericanos, meditação e rochas aquecidas mergulhadas em água com infusão de ervas, para criar vapor aromático. Hoje em dia, as saunas continuam a oferecer benefícios similares.
Irani tem muita esperança no retorno dos antigos rituais.
“Romper com os próprios elementos que nos compõem causou muitos dos problemas que vemos no mundo hoje em dia. Mas, se trouxermos equilíbrio para os elementos — primeiro para nós e depois para o ambiente à nossa volta — veremos mudanças positivas na nossa forma de viver.”
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