- Emma Jones
- Repórter de Entretenimento
A cineasta de uma destacada produção francesa sobre uma estudante que faz um aborto ilegal nos anos 1960 diz que sua própria experiência levou a dirigir o filme.
Audrey Diwan foi indicada ao Bafta, o “Oscar britânico”, deste ano e ganhou o prestigiado Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza no ano passado por O Acontecimento, baseado em um romance publicado em 2000 pela autora francesa Annie Ernaux.
O filme mostra a história de Anne, interpretada pela atriz franco-romena Anamaria Vartolomei.
Anne engravida enquanto terminava a faculdade, em 1963, e inicia uma busca desesperada para fazer um aborto. A prática era ilegal na França até 1975.
“Li o livro logo depois de fazer um aborto”, diz Diwan. “Eu queria ler sobre o assunto, e me recomendaram.”
“Foi especial para mim encontrar esse livro, porque meu aborto foi feito pelas vias legais. Não sabia o que era realmente um aborto clandestino – a jornada, a violência, a complexidade e a solidão”.
Diwan, que também é jornalista, acrescenta: “Fiquei hipnotizada com a história de uma personagem muito corajosa, que foi atrás do que queria. Mas fiquei furiosa com a jornada de um aborto ilegal.”
“É um livro especial, mas foi o único de Annie [Ernaux] que passou despercebido pelos jornalistas na época. O aborto é um tema silencioso de alguma forma. Acho que há medo – nós tememos o corpo de uma mulher e seus segredos.”
Mas o tema não está passando despercebido entre os filmes dos últimos anos. Além de O Acontecimento, a produção Call Jane, de Phyllis Nagy, foi exibida nos festivais de cinema de Sundance e Berlim neste ano.
É estrelado por Sigourney Weaver e Elizabeth Banks em uma versão ficcionalizada da história real do Coletivo Jane, um grupo que oferecia abortos clandestinos seguros, mas ilegais, na Chicago da década de 1960. O nome Jane era usado para todas que buscavam o grupo para o procedimento.
Essa história também é o foco de um documentário, The Janes, que está sendo lançado pela HBO.
Call Jane foi filmado em 23 dias, usando apenas uma câmera. Nagy afirma que o tema do aborto é “agora um guarda-chuva para todas as discussões sobre os direitos das mulheres”. Ela diz: “Mesmo em partes da Europa, e certamente em outras partes do mundo, os direitos das mulheres são deixados de lado”.
Nos EUA, as leis que permitem o aborto foram restritas em vários estados.
No início deste mês, o Estado de Oklahoma impôs uma proibição quase total. O congressista autor do projeto disse que poderia salvar “a vida de muitos bebês”.
Na semana passada, a Flórida diminuiu o prazo para a realização de um aborto de 24 para 15 semanas. O governador do Estado disse que “defenderia aqueles que não podem se defender”.
A cineasta norte-americana argumenta que essas mudanças podem terminar em tragédia se algumas mulheres não tiverem uma via segura para realizar um aborto.
“A maneira como nos comunicamos agora com as mídias sociais é muito diferente da época de Call Jane”, diz Nagy. “Então é mais fácil conseguir informações sobre um aborto do que nas décadas de 1960 e 1970.
“Mas mesmo que você possa fazer um aborto na Califórnia, por exemplo, vai ser possível chegar até lá? E no Texas será preciso vencer grandes distâncias para encontrar um médico que aceite realizar o procedimento em um Estado vizinho”.
No lançamento do filme no Festival de Sundance em janeiro, Sigourney Weaver, que interpreta uma ativista do Coletivo Jane, lembrou a experiência dos tempos do histórico caso judicial Roe versus Wad, que tornou o aborto legal nos EUA em 1973.
“Foi um alerta para mim porque é uma questão que vem sendo politizada”, disse Weaver. “Este filme levará você de volta a essa experiência. É uma história sobre mulheres resgatando outras mulheres. Tendo vivido nesse tempo, pode acreditar, não queremos voltar para isso. Você pode não concordar comigo, e a escolha é sua.”
Nesta semana, protestos pró e contra o direito ao aborto foram organizados nos Estados Unidos após documentos vazados sugerirem que a Suprema Corte do país pode reverter uma decisão histórica sobre o tema.
No rascunho de um documento publicado pelo site Politico, o juiz conservador Samuel Alito diz que a decisão de 1973, conhecida como Roe versus Wade, é “flagrantemente errada” e deve ser anulada.
Se a Suprema Corte derrubar a decisão de 1973, o aborto se tornaria instantaneamente ilegal em 22 estados. A decisão está prevista para sair no mês de julho.
Outro filme de destaque que teve o aborto clandestino como tema foi Vera Drake, de Mike Leigh, em 2004. Imelda Staunton foi indicada ao Oscar por interpretar uma mulher que foi presa por tentar ajudar mulheres a fazer abortos ilegais na Grã-Bretanha dos anos 1950.
Em 2020, o filme de Eliza Hittman, Nunca, Raramente, Às Vezes, Sempre ganhou elogios da crítica ao retratar a solidão e a vulnerabilidade de uma adolescente que vai para Nova York na década de 1970 para tentar fazer um aborto.
Enquanto isso, experiências com aborto legal hoje foram mostradas em filmes como Saint Frances, de Alex Thompson, sobre uma gravidez acidental, ou em séries como Friends, Crazy Ex-Girlfriend e Tribunal de Família.
‘Impacto ruim’
Louise McCudden, consultora judicial e assuntos públicos da organização MSI Reproductive Choices, no Reino Unido, diz que produções sobre o aborto podem ter um impacto positivo nas mulheres que passam pela experiência.
“Por outro lado, às vezes a forma como o aborto é retratado pode ter um impacto ruim”, diz ela.
“Temos clientes que ficam surpresas com uma equipe [de aborto legal] solidária e amigável, por exemplo, e que os locais do procedimento sejam bem iluminados e limpos, sem que precise sair pela porta dos fundos.”
“Muitas vezes, o aborto é mostrado como uma cirurgia, mas o mais comum no Reino Unido, por exemplo, é tomar pílulas. E às vezes o aborto é mostrado como o ponto de crise ou conflito em um drama. Na realidade, os clientes geralmente são claros sobre o que querem e não há uma maneira certa ou errada de se sentir depois, mas isso ainda raramente foi retratado”.
Audrey Diwan diz que O Acontecimento “foi um filme difícil de fazer, uma batalha o tempo todo para convencer a indústria [do cinema] a apoiá-lo”.
Ela continua: “Onde quer que eu mostre o filme pelo mundo, encontro muitas mulheres que podem falar sobre suas próprias experiências, às vezes pela primeira vez.”
A diretora acrescenta que as histórias de aborto ilegal e a solidão vivida pelas mulheres devem levantar outra discussão – sobre as responsabilidades do homem.
“Por que uma mulher parece ter mais responsabilidade nessas situações?” ela diz.
“Fazemos a mesma pergunta no filme. Queremos uma resposta, então espero que a reação e o debate que geramos com o filme nos dê algumas respostas. Então saberemos o porquê.”
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