Por mais de meio século, quando o mundo “mágico” da Disney estava se desenvolvendo na Flórida, o Estado americano concedeu à empresa um “status especial” de autogoverno.
Em seu território, que compreende cerca de 100 quilômetros quadrados, a empresa tem os mesmos poderes que qualquer outro município da Flórida.
Quantos impostos são cobrados, como são investidos, segurança e a direção da área ficam a critério do Walt Disney World Resort.
A área, onde se localizam os parques temáticos, hotéis e outras instalações recreativas da empresa, é chamada de Reedy Creek Improvement District (RCID) ou “distrito de impostos especiais de consumo”.
No entanto, esse “status especial” está ameaçado após uma série de confrontos entre a empresa e o governador do estado, o republicano Ron DeSantis.
Executivos da Disney manifestaram oposição a uma lei controversa aprovada na Flórida que proíbe discutir orientação sexual e identidade de gênero nas escolas primárias.
Apelidada pelos críticos de lei “Don’t Say Gay” (“Não Diga Gay”, em tradução livre), a medida permite que os pais processem distritos escolares se algum educador violar suas disposições.
Em retaliação, DeSantis, que está sendo apontado como um possível candidato à Casa Branca em 2024, instou a legislatura estadual dominada por seu partido na terça-feira (19/4) a reverter o status de “autogoverno” da empresa.
As declarações de DeSantis lançaram luz sobre o RCID, um dispositivo desconhecido por muitos e que está amplamente relacionado ao sucesso dos negócios da Disney.
Por que o RCID foi criado?
Em meados da década de 1960, seguindo a popularidade da Disneylândia na Califórnia, o criador desse império do entretenimento, Walt Disney, começou a planejar um segundo parque temático, mas desta vez na costa leste do país.
Na época, o centro da Flórida, onde estão localizados os condados de Orange e Osceola, estava em pleno desenvolvimento, com novas estradas e uma importante via expressa sendo construída perto de um aeroporto.
A Disney viu uma grande oportunidade de implantar seu projeto na área e comprou milhares de hectares que, segundo o próprio site do RCID, na época representavam um conjunto de terras não cultiváveis e pantanosas, sem infraestrutura básica de serviços.
Em 1967, o legislativo estadual criou o RCID, permitindo que a gigante do entretenimento construísse seu enorme complexo fora do marco regulatório dos municípios vizinhos, mas com a condição de assumir a responsabilidade por seu desenvolvimento sem investimento do governo.
Como funciona o RCID?
O distrito especial é composto pelos parques temáticos e pelas cidades de Lake Buena Vista e Bay Lake. Dentro de seus limites existem 19 “proprietários de terras”, incluindo a Disney e suas subsidiárias.
A empresa tem que lidar com questões tão diversas como geração e distribuição de energia, regulamentando códigos de construção, bem como polícia, emergência médica e combate a incêndios.
O RCID financia suas operações por meio de impostos, taxas de proprietários e inquilinos, receitas de serviços públicos e emissões de títulos.
Um conselho de supervisores de cinco membros eleitos pelos proprietários governa a área.
Além disso, o distrito tem acordos intergovernamentais para lidar com a vigilância e o sistema judicial.
A lei “Don’t Say Gay” foi proposta pela maioria republicana na legislatura estadual e assinada por DeSantis em 28 de março.
A Disney, pressionada por seus funcionários, que fizeram protestos enquanto o projeto estava sendo discutido e enviou cartas a seus diretores, anunciou que retirará doações políticas ao Partido Republicano na Flórida. Também afirmou que seu objetivo como empresa é que a legislação seja derrubada ou derrotada na Justiça.
“Nossos funcionários veem o poder desta grande empresa como uma oportunidade de fazer o bem. Eu concordo”, disse o CEO da Disney, Bob Chapek, ao site de notícias americano Politico.
Chapek também se desculpou porque a empresa inicialmente evitou se manifestar sobre o projeto.
De acordo com o Politico, as doações da Disney para os republicanos no ciclo eleitoral de 2020 totalizaram US$ 913 milhões, enquanto a contribuição direta para DeSantis foi de US$ 50 mil.
Em meio à polêmica, as farpas entre a empresa e o governador da Flórida não cessaram. DeSantis chegou até a dizer, após as declarações de Chapek, que a Disney “passou dos limites”.
Mas a situação se agravou a tal ponto que o legislativo estadual está agora considerando uma lei para eliminar o RCID e cinco outros distritos fiscais especiais.
O Parlamento da Flórida está realizando uma sessão especial nesta semana na qual avalia mudanças em seus distritos eleitorais.
DeSantis disse em entrevista coletiva na terça-feira (19/4) que incluiria a proposta contra a Disney na pauta de votação.
“Anuncio que estamos ampliando o que será analisado (pelos congressistas) nesta semana”, disse ele.
“Eles também vão avaliar acabar com todos os distritos especiais que foram promulgados na Flórida antes de 1968, e isso inclui Reedy Creek”, acrescentou.
O projeto de lei poderia ser aprovado já nesta sexta-feira (22/4), disseram membros do legislativo estadual, e a revogação do RCID ocorreria em junho de 2023.
O que aconteceria se o RCID acabar?
Jenniffer Bradley, senadora estadual do Partido Republicano e defensora do projeto de lei, disse a jornalistas na terça-feira que os distritos fiscais especiais terão que ceder seus poderes aos condados onde seus territórios estão localizados se a proposta for aprovada.
Além disso, terão a oportunidade de pressionar o Legislativo para apelar contra a decisão.
No entanto, nem DeSantis nem os legisladores ofereceram mais detalhes sobre o que aconteceria se o status do RCID terminasse.
Segundo a imprensa americana, os governos locais passariam a arcar com os custos de infraestrutura, que no caso da Disney representam bilhões de dólares.
Além disso, haveria um desafio administrativo e regulatório por conta de a Disney ser uma área turística que recebe milhões de visitantes anualmente.
O impacto que isso teria para a empresa, que emprega cerca de 70 mil pessoas, também não está claro.
Até agora, os condados de Osceola e Orage não emitiram opiniões sobre a proposta, nem o Walt Disney World.
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